Terça-feira, 24 de Junho de 2008

Os Aprendizes de Feiticeiro

 

 

Se em política não se deve prever tudo; também, é verdade que não se deve transformá-la num jogo de “cabra-cega”, sem um interruptor para o on e outro para o off, transformando as nossas acções, num perigo para toda a comunidade, suportadas por megalomanias e desprezo pelos outros, de um poder demasiado grande, exercido por anões, num país pequeno.

O político tem de cultivar a capacidade de contenção. A fuga para frente, perante factos ou conjunto inesperado de circunstâncias desfavoráveis, pode ser fatal, contraproducente e prejudicial para toda a comunidade. Não vou falar sobre os factos, directos ou indirectos, relacionados com a queda do actual governo de Patrice Trovoada porque são acontecimentos políticos, aparentemente inesperados, favoráveis ou desfavoráveis, que, tanto surpreenderam a coligação, (MDFM/PL e ADI) directamente atingidos, como o MLSTP/PSD e PCD hipotéticos favorecidos. Na política não há sorte ou azar, mas, sim, um conjunto de circunstâncias temporais de que se deve tirar proveito sem colocar em causa os interesses do Estado de direito democrático.

Foram um conjunto de circunstâncias que permitiram que Patrice Trovoada chegasse ao cargo de primeiro-ministro, sem que o seu partido tivesse ganho as respectivas eleições legislativas; e, também, outro conjunto de circunstâncias, provavelmente relacionadas com as anteriores, que permitiram, agora, que o MLSTP/PSD esteja em condições de regressar ao poder sem ter vencido as eleições em causa. Do ponto de vista político, podemos concordar ou não. Eu, no primeiro caso, manifestei a minha discordância, quanto ao método e forma desta indigitação. Em relação ao segundo caso, tenho dúvidas, muitas dúvidas, que fosse benéfico para o próprio MLSTP/PSD ir desta forma para o governo, sem uma legitimação clara e autêntica do projecto que pretendem oferecer ao país. Mas isto é um problema do MLSTP/PSD que, pode, no entanto, transformar esta decepção, de outros, numa rara oportunidade, de ouro, para si. Isto é política.

Perguntar-me-ão, no entanto: existiram ou existirão problemas ou atropelos de natureza constitucional ou legal que justifiquem preocupações nos dois casos? Eu não vislumbro, mas, cabe as entidades, do país, com vocação e responsabilidades nesta área, dentro do nosso quadro jurídico-constitucional, analisar e encontrar resposta para esta questão salvaguardando os interesses do nosso Estado de direito democrático. O que não se pode admitir, é, que, pessoas, com grandes responsabilidades políticas, designadamente, o senhor Costa Alegre (no caso do MDFM/PL) e o senhor Patrice Trovoada (no caso do ADI) possam insurgir-se contra a hipotética nomeação do governo do MLSTP/PSD, por parte do senhor Presidente da República, ameaçando com um eventual abandono, dos respectivos grupos parlamentares, da Assembleia Nacional, se tal propósito se concretizar. É este o respeito que o povo, que votou, nas referidas eleições, nos partidos em causa, merece? É esta a inauguração de mais uma nova forma de fazer política na nossa Terra? É desta forma que se fortalece as instituições democráticas do país com a importância da Assembleia Nacional? Eu estava convencido que já ouvira e lera tudo, de extravagante e exótico, que os nossos políticos pudessem produzir ou emitar, mas, ouvindo estes dois senhores, avançando com esta possibilidade, na R.D.P – África, como resposta ao “atrevimento” do senhor Presidente da República, de nomear um governo do MLSTP/PSD, fiquei completamente estupefacto e zonzo com a capacidade política, criativa e marginal, desta gente. E se a moda pega, no país, doravante, passaríamos a ter grupos partidários, isolados ou em coligações, que abandonariam, sempre, a Assembleia Nacional, desagradados com as propostas ou propósitos, do senhor presidente da República, de formação de governos de coligação excludentes? Seria a impossibilidade, óbvia, de sobrevivência da nossa própria democracia. Como é possível que pessoas com responsabilidades políticas acrescidas, possam dizer coisas com esta gravidade, completamente convencidas que estão a cumprir os interesses e compromissos da política e da nossa própria democracia? Eu se fosse simpatizante ou militante do ADI ou do MDFM/PL (que é o partido do senhor Presidente da República) teria vergonha de sair para a rua, no dia seguinte, sendo representado por esta gente. Isto faz-me lembrar a posição de alguns supostos intelectuais, da nossa terra, que se auto-proclamam democratas convictos, mas, no entanto, admitem a possibilidade de resolução de alguns conflitos políticos, no país, com recurso aos golpes de Estado. A política é uma actividade civilizadora que é usada para encaminhar conflitos sociais de um modo racional. Que racionalidade existe nesta decisão, de abandono da Assembleia Nacional, por parte dos deputdos do MDFM/PL e do ADI, só porque existe uma proposta, ou propósito, de formação de um governo de coligação que exclui estas duas formações da sua constituição? Dentro do nosso ordenamento político e jurídico-constitucional não existem formas racionais e pedagógicas de manifestação deste descontentamento democrático? Por que razão os partidos em causa não esperam, serenamente, pelo resultado da suposta providência cautelar, interposta pelo ADI, no Supremo Tribunal de Justiça, relacionada com o facto em causa?

A minha avó, Maria Preta, bem me dizia: não acendas uma vela que não saibas apagar; não faças mover-se uma pedra, do cimo de um monte, que não possas, posteriormente, deter. Não sei se ela, na sua adolescência, lera o famoso poema de Goethe sobre o insensato aprendiz de feiticeiro ou, se alguém lhe falara dele. Mas, de facto, não devemos, por razões emocionais desesperantes, invocar os espíritos enquanto não conhecermos a fórmula que nos possa fazer ficar livres deles. É exactamente isto que estes nossos aprendizes de feiticeiro têm estado a fazer. Ninguém saberá, no futuro, quais serão as consequências do acto destes senhores, como aconteceu com a inauguração do problema do “Banho”. Não basta termos de suportar o empecilho democrático que é o “Banho” e outras formas, mais ou menos subtis, de “compra do poder”, no país, para, agora, assistirmos ao acto de inauguração de uma nova forma de fazer política, que, é a “birrademocracia”, própria de imaturos sem quaisquer responsabilidades pelos seus actos. É este o espectáculo, e exemplo democrático e pedagógico, que se dá aos nossos jovens e crianças: abandonem a Escola quando não concordarem com as decisões dos vossos professores e/ou outros superiores hierárquicos.

Um político cego torna-se perigoso, sobretudo, em democracias, por consolidar, como a nossa. O que menos precisaríamos, neste momento, é de políticos, aprendizes de feiticeiro, que, não exercem, sobre si mesmos e sobre as suas acções, um permanente esforço de lucidez crítica onde: o escrúpulo prevaleça sobre o cinismo; os interesses colectivos prevaleçam sobre interesses egoístas de qualquer natureza.

Temo que estaremos a empreender uma viagem, como bem dizia a minha avó, a bordo de um avião, dirigido por aprendizes de feiticeiro, com bilhetes só de ida. Quem nos trará de regresso?

 A.C

 

 

 

 

 

publicado por adelino às 00:14
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