Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

A Morte de Chico Paleio

Nos primeiros anos, após a independência nacional, estava na moda um certo reformismo cultural, educativo e desportivo suportado, a montante, pela ideologia política que todos conhecemos.

O Liceu Nacional era o Santuário privilegiado para o experimentalismo, embrionário e caseiro, deste propósito, e exaltação, individual e colectiva, de loucuras identitárias.

Foi neste tempo que aparece, o Futebol Clube de S.Tomé, com figuras incontornáveis, do nosso desporto, como o Silvino Palmer, Bano, Nado, Trigueiros, Chalino, Martins Pereira, Dinho, entre outros. Foi neste tempo, também, que se institucionalizou, no Liceu Nacional, a moda dos campeonatos de Futebol de Salão inter-turmas. Havia alguns encontros, deste torneio de futebol, que o Liceu, literalmente, parava. Lá dentro do campo, separado por uma rede apinhada de adolescentes, em fervor clubístico-grupal e hormonal, jogava-se o futebol de salão, mas, também, uma oportunidade pessoal rara de acrescentar valor ao status decorrente do desempenho individual e colectivo conseguido.

Foi nestas andanças que o Liceu descobriu o Chico Paleio depois deste se ter transformado, dois anos consecutivos, no melhor marcador do referido campeonato. Nestes dois anos, o Chico Paleio transformou-se, fruto do seu desempenho futebolístico momentâneo, na pessoa mais influente do Liceu Nacional. Todos os adolescentes queriam imitar os passos seguros e cadenciados, a camisa branca e abotoada nos punhos e calças vincadas e invariavelmente azuis do Chico Paleio, que, não abdicava de um porta-chaves sonoro, nas mãos, para colorir e marcar o seu território. O corredor central, que ligava o ginásio ao edifício central do Liceu, transformou-se, nestes dois anos, numa autêntica galantaria para o monumental Chico Paleio. Foi nesta altura que o cognome Chico Paleio começou a ganhar fama, poder e credibilidade no Liceu Nacional. Aqui e acolá, começou a germinar, de forma tímida mas segura, bolsas de claques femininas que entoavam cânticos como este: Chico Paleio, o Liceu está contigo…

Estes dois anos foram de glória para Chico Paleio que coleccionou namoradas, prestígio futebolístico e social e, até, imaginem, reconhecimento político, tendo em conta a conjuntura que se vivia na altura.

No terceiro ano, do referido campeonato, o Chico Paleio já era uma estrela que, dentro do seu calção e camisola de marca Adidas e ténis de marca Puma, ensombrava o brilho de alguns craques do futebol de onze do país.

Neste dia jogava-se uma meia-final e, mais uma vez, o Liceu parou. Não era preciso decretar a paralisação geral das actividades lectivas para que tal acontecesse, bastava, para tal, saber-se que a turma do Chico Paleio iria participar nesta meia-final. O jogo começa, entre cânticos e olês ensurdecedores dirigidos ao Chico Paleio e desprezo, por vezes humilhante, aos adversários. O Chico Paleio parecia um pavão, de papo cheio, em cortejo fatal para a confirmação da glória. Passados quinze minutos do jogo, o cenário à volta da vedação do campo, apinhado de adolescentes, muda completamente: passou-se, rapidamente, de uma histeria sincronizada de olês para o comprometimento fatal da esperança de uma estrela que acabara de nascer. Toda a gente gritava: olha as cuecas! Olha as cuecas! As raparigas tapavam os olhos com as mãos, entre gritos e avisos estridentes, dirigidos ao epicentro da referida desgraça e os rapazes contorciam-se de risos perante o inusitado acontecimento. Só Chico Paleio, entretido no cortejo momentâneo que a bola lhe proporcionava, não ouvia nem entendia a amplitude e significado daquelas mensagens. Nesta altura, as cuecas do Chico Paleio já se encontrava quase na linha dos joelhos do mesmo, por baixo dos calções Adidas, quando ele se apercebeu da tamanha desgraça e tentou recompor-se do susto, de forma envergonhada, puxando-as para cima, com tanta fúria, que esta dividiu-se em dois pedaços. De seguida, acabou-se o jogo e, com ele, a glória do Chico Paleio.

Desfeita a mobilização estudantil, e os comentários em volta do caso, no caminho para a casa, na entrada da roça do Julião, eu em direcção à Quinta de S.António e o Chico Paleio em direcção ao Pantufo, este me confessara, completamente triste e abatido: kéi, hoje eu morri! Contive o riso e, momentaneamente, tentei confortar o Chico Paleio desprezando a amplitude da desgraça que abatera sobre ele. Pura ilusão! Chico Paleio desapareceu do Liceu e refugiou-se, definitivamente, no seu Pantufo. Estando de férias, este ano, em S.Tomé, estive com o Chico Paleio e rimo-nos desalmadamente, entre copos de cerveja, deste episódio rocambolesco que acabou por lhe roubar a glória. Confessou-me, entretanto, que deixou de estudar, desde aquela altura, e tornou-se num exímio pescador local.

A vida do Chico Paleio tem algo semelhante com a vida do actual governo da República. Após a glorificação eleitoral, este governo, com alguma energia, começou a trilhar um caminho que, não sendo suficientemente sólido, em termos de projecto, capaz de acabar com os nossos maiores constrangimentos estruturais actuais teve, pelo menos, o mérito inicial, de agitar consciências e fazer renascer a esperança do povo. Só por isso, acho que valeu a pena a mudança, num país que se afundava, todos os dias, no pântano. Todavia, ninguém compreende, depois deste impulso avulso e expectável, inicial, a aposta, insistência e teimosia, no “paleio”, para impressionar a plebe, correndo o governo o risco de, rápida e desnecessariamente, se transformar num embuste, bem vestido, com cuecas pelos joelhos e morrer cedo, como o Chico Paleio, com a glória desfeita. Seria trágico para o país, que tal acontecesse, e tenho dificuldades em compreender os contornos desta autoflagelação que, não sendo um gesto momentâneo, e eventualmente perdoável, de inocência, pode comportar, entre outros, sérios riscos para a nossa democracia.

Temo que não seja um acto de inexperiência, inocência ou ingenuidade na medida que as contradições entre aquilo que o governo se propôs fazer, sustentado em fontes documentais, entrevistas ou mensagens públicas, do senhor primeiro-ministro e do seu ministro secretário-geral, e o comportamento político do mesmo, denunciam preocupação e um condenável repúdio público.

 Depois da moda do “Banho”, com todas as consequências negativas que comporta para o aprofundamento da nossa democracia, o senhor primeiro-ministro resolveu inaugurar outra moda que se chama “Paleio” e já começa a fazer escola no país. Quais são os traços caracterizadores do paleio? Munido de astúcia eleitoral suficiente e défice de escrúpulo chega-se a uma região ou distrito, do país, tenta-se convencer um número razoável e representativo de pessoas, do referido contexto, sobre as vantagens políticas, decorrentes do apoio político-partidário necessário, em troca de garantias contratuais escritas, para a referida região ou distrito, que minimizem, os problemas estruturais, ai existentes. Foi assim que o senhor primeiro-ministro reagiu com uma parcela significativa da população da ilha do Príncipe debitando “Paleio” aos residentes e jurando, a pés juntos, que cumpriria a promessa de aumentar, significativamente, o orçamento da região, assim que fosse eleito, tendo em conta os problemas económicos e sociais, decorrentes da dupla insularidade que caracteriza a região autónoma do Príncipe.

Mal foi eleito, metido no seu elegante fato primo-ministerial, decidiu fazer exactamente o contrário, ou seja, reduzir o orçamento da referida região não obstante a constatação, in loco, dos problemas ai existentes e do respeito, honorabilidade e seriedade política que deveriam nortear a atitude dos signatários do referido contrato. Estava assim inaugurado uma nova forma de fazer política no país. Momentaneamente, estando em campanha política, outra vez, para as presidenciais, ou a sondar as condições políticas que sustentem uma decisão neste sentido, resolveu minimizar as consequências do “Paleio” anterior, com mais “Paleio”, convencidíssimo que a população do Príncipe é tão distraída quanto o seu défice de seriedade e honorabilidade. Vai daí, já anunciou que iria mandar construir, ainda no próximo ano, um porto de pesca, na ilha do Príncipe, devidamente apetrechado em termos de equipamentos e outros meios, facilitadores da vida dos pescadores locais, sem, no entanto, orçamentar a referida actividade nem apresentar as premissas do respectivo projecto.

O senhor primeiro-ministro está tão distraído no jogo que não vê que as suas cuecas já começaram a aparecer, por baixo do seu facto primo-ministerial, e ele corre o risco de, “Paleio em “Paleio”, desbaratar toda a glória eleitoral e acabar por “morrer” novo e cedo como o Chico Paleio. No Príncipe já há signatários do referido contrato, assinado com o senhor primeiro-ministro, que estão a convocar uma alvorada para, de casa em casa, desmascarar o “Paleio” do senhor primeiro-ministro. Ao contrário do “Banho”, as consequências políticas deste acto, que acaba de ser inaugurado pelo senhor primeiro-ministro, serão severas para o nosso aprofundamento democrático porque descredibiliza, ainda mais, os políticos nacionais, junto da opinião pública, e afasta os cidadãos em relação às preocupações com a nossa vida comunitária. Para além da compra de consciência nos momentos eleitorais passamos a ter mais um drama público com consequências gravosas para a nossa democracia. Como se isto não bastasse, o senhor ministro secretário-geral do governo anunciou, há dias, em jeito revoltoso, que o dinheiro correspondente à venda de trinta mil barris de petróleo, cedidos pela Nigéria, que deveria entrar nos cofres do Estado, não entrou, ou melhor, entrou por intermédio de uma empresa fantasma que ninguém conhece os donos nem a respectiva sede social. Na mesma ocasião o país ficou a saber que há empresas nacionais de petróleo que participam em concursos relacionados com a exploração do referido produto, da nossa zona económica exclusiva, e que, ninguém, também, conhece os donos ou a respectiva sede social. Ou seja, estamos no domínio do secretismo e do fantasma e a forma que o governo encontrou para exorcizar esses males, que nos afligem, foi, ele próprio, convocar e realizar uma manifestação contra a corrupção no país e, simultaneamente, limitar, de forma vergonhosa, a liberdade de informação criando condições para o saneamento e humilhação pública da melhor jornalista do país contando com a colaboração de alguns dos seus pares. A classe jornalista do país, salvo algumas brilhantes excepções, esquece, ou não sabe, que o crescimento da sua importância social e emancipação progressiva, por oposição ao descrédito nacional da classe política, só pode ser efectuada, neste contexto cultural concreto, salvaguardando a sua independência face ao poder político. A liberdade de imprensa não existe para proteger os interesses momentâneos de qualquer governo ou partido político, mas, sim, para proteger o nosso interesse público comum.

Que interesse público se defende quando se tenta sanear e humilhar a melhor e mais culta jornalista nacional produtora do único programa televisivo que procura confrontar os políticos com os demais problemas sentidos pela nossa comunidade?

Todo o bom jornalismo deve ter, como premissa fundamental, num contexto em definhamento cívico, ético e moral, como o nosso, o empenho em reaproximar as pessoas da vida pública. Era isto que a São Deus Lima vinha fazendo, com inteligência, e estava a contribuir para minimizar os efeitos de uma cultura, ainda impregnada na nossa sociedade, de secretismo em detrimento do escrutínio público e de “censuras” em detrimento da liberdade.  Infelizmente, teve de pagar o preço que qualquer cidadão nacional, doravante, terá de pagar pela ousadia e sonho de lutar por um país mais democrático e justo. Este não é, portanto, um problema específico da São Deus Lima ou apenas dos jornalistas Santomenses. Como diria Glasser: “A vida em comunidade não é o que a democracia gera mas o que a democracia é. E a política não é o que o Estado e seus funcionários fazem, mas o que as pessoas privadas fazem na sua capacidade de cidadãos.

Estamos metidos num grande sarilho institucional, sobretudo, porque os nossos políticos, ciclicamente, recusam responder aos problemas e expectativas das mossas populações em detrimento de um “Paleio” que só contribuí para a sua engorda, satisfação passageira e “morte” precoce.

 A.C

publicado por adelino às 12:03
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