Segunda-feira, 22 de Setembro de 2008

Mexer no Sistema para Mudar o Regime?

 

Tenho lido, nos últimos tempos, com alguma frequência, algumas propostas, mais ou menos fundamentadas, mais ou menos rigorosas, sobre a necessidade de mudarmos de sistema político, rumo ao presidencialismo, atendendo às “insuficiências estruturais” do nosso semipresidencialismo provocador de crises e instabilidades governativas cíclicas e, consequentemente, do atraso económico e social. Mais recentemente, o senhor Presidente da República, em conferência de imprensa, decidiu contribuir, de forma assumida, descomplexada e avulsa, para o debate do referido tema. Há, desde logo, neste caso, uma análise redutora e ingénua na medida que relaciona a instabilidade governativa, com o sistema político vigente, negligenciando a contribuição do sistema partidário (não é a mesma coisa) nesta mesma instabilidade governativa.

Qualquer destes analistas, e políticos, devem saber que, não se pode dizer que o sistema presidencialista é mais propício à estabilidade do que o parlamentar, por exemplo, sem atender, ou ter em conta, o sistema de partidos considerado em concreto. Mas, já se pode dizer que o monopartidismo e o bipartidismo perfeito são mais favoráveis à estabilidade governativa do que o pluripartidismo. Por outro lado, o monopartidismo, ou o bipartidismo perfeito, por si só, não são sinónimos de desenvolvimento económico e social do país. Nós já tivemos a experiência de estabilidade governativa, num sistema monopartidário (regime totalitário) e nem por isso registaram-se impulsos favoráveis de desenvolvimento económico e social do país.

Outros sugerem, como argumento em favor do presidencialismo, que os cargos do primeiro-ministro e de Presidente da República e a complexa estrutura governativa do país, contemplando muitos ministérios, constituem um fardo financeiro insuportável para o mesmo. Isto parece-me um tremendo disparate na medida que relaciona o organigrama ou estrutura governativa, eventualmente pesada e susceptível ao desperdício, com o sistema político. Para se alterar o organigrama ou estrutura governativa do país, de acordo com a nossa realidade política, social e económica, diminuindo os gastos, é preciso alterar o sistema político vigente?

Outros, ainda, sugerem que as crises resultantes do nosso semipresidencialismo derivam da descontinuidade organizacional do modelo administrativo colonial, após a independência, sendo, por isso mesmo, o presidencialismo, mais favorável ao nosso desenvolvimento, democrático, económico e social. Não posso concordar com uma conclusão tão simplória e, ao mesmo tempo, contraditória. Se há coisa que a luta anticolonialista fez, inconscientemente até, foi criar e promover a formação de partidos políticos, moldados nas formas do poder colonial, com tiques monopolistas, centralizadores e autoritários, substituindo-o, assumindo as mesmas funções, do poder colonial, confundindo-se com o próprio Estado, que, por sua vez, era a imagem que poder colonizador transmitia. Ou seja, ao monopolismo e autoritarismo do aparelho colonizador seguiu-se o monopolismo e autoritarismo do partido único que assumiu o poder na nossa terra. A este propósito, escreve Gerhard Seibert «…quando os portugueses partiram do arquipélago em 1975, não legaram um quadro de instituições democráticas representativas. O poder colonial não foi capaz de iniciar os líderes políticos na ética do sistema democrático, uma vez que os portugueses acabavam, eles próprios, de se desembaraçar de um regime autoritário. Consequentemente, em S.Tomé e Príncipe, as figuras destacadas, que disputaram o poder, desde a independência, não possuíam atitudes ou valores enraizados nas práticas da democracia liberal…»

Como é que se poderia fazer o caminho para a democratização do país mantendo um formato administrativo, organizacional e político, minimizador deste propósito? Não seria, como é óbvio, mantendo as mesmas estruturas de um regime autoritário, coisa que nem em Portugal aconteceu. Tinha-se que, internamente, criar impulsos que permitissem a instalação de embriões de organização parlamentar e pluralista, de acordo com os traços característicos fundamentais da cultura política vigente no país. O sistema político deve estar ao serviço de um contexto histórico concreto, de acordo com a realidade social envolvente, e a democracia não deve ser construída sob alicerces de um regime ou de uma organização administrativa anacrónica para satisfação de saudosismos individuais estéreis. Isto seria a antítese da própria democracia. Reparem no aspecto da coisa: só porque o país era dirigido por um governador, no contexto colonial, tinha-se que adoptar, no contexto democrático, um sistema presidencialista que reproduzisse as mesmas funções, os mesmos princípios e o mesmo simbolismo, da figura do governador, independentemente do tipo e exigências do novo ambiente político. É bom não se esquecerem, contudo, que não há democracia sem partidos políticos e, o presidencialismo, pelas suas características, é, grosso modo, nas democracias pouco maduras, um sistema que “destrói partidos” enquanto o parlamentarismo os “constrói”. Neste contexto, fazia sentido, no processo de democratização do país, a implementação de um sistema político presidencialista ou semipresidencialista? Todos sabemos que a política em S.Tomé e Príncipe é excessivamente personalizada e, que, muitas vezes, alguns “dinossauros políticos” têm muito mais peso e significado político do que as estruturas partidárias que os alberga. Qual dos sistemas políticos, em análise, favorece o desenvolvimento deste individualismo em detrimento da expressão de estruturas de organização social como os partidos políticos? Qualquer estudante inicial de Ciência Política reconhecerá que é o presidencialismo. Se o presidencialismo favorece ou estimula a personalização da vida política, em detrimento de formas partidárias de intervenção e expressão política, parece-me contraproducente e inapropriado a escolha de um caminho ou sistema que viria contribuir para agravar, ainda mais, as deficiências da nossa democracia, asfixiando o crescimento natural dos partidos políticos nacionais. Além disso, é esta personalização excessiva da vida política, entre outras anormalidades, que tem contribuído para ensaios de projectos pessoais de poder, no nosso país, maximizando a despolitização ideológica, dificultando, assim, o fortalecimento do nosso sistema partidário. Provavelmente, estavam criadas algumas condições, desde a implantação da democracia, no país, para que o nosso sistema partidário evoluísse no sentido do bipartidismo, mais susceptível à estabilidade governativa. O PCD-GR e o MLSTP-PSD independentemente das dificuldades organizativas, percurso histórico e implantação nacional de cada um deles, poderiam desempenhar este propósito evolutivo do nosso sistema partidário. O que é, no entanto, que aconteceu, resultante da dinâmica do poder, na nossa terra, típico da personalização excessiva da vida política? Miguel Trovoada, tendo sido apoiado na sua eleição presidencial, pelo PCD-GR, cedo criou condições para o asfixiamento político desta estrutura partidária e, não parando por ai, fez nascer o seu próprio partido político, o ADI, que sustentasse o seu projecto pessoal de poder. Trepando, cada vez mais alto, e sem qualquer piedade politica pelos adversários e interesses colectivos, de qualquer natureza, ele mesmo, qual Luís XIV, decidiu que Fradique de Menezes deveria ser o seu sucessor natural. Dito e feito, independentemente da vontade de qualquer força partidária nacional, era esta a decisão soberana que tinha que prevalecer. Entretanto, o PCD-GR foi-se definhado, ao longo dos tempos, e, Fradique de Menezes, qual filho bastardo, que se queria afirmar, também tratou de formar o seu próprio partido, o MDFM-PL, para prolongar, autonomamente, o reinado que o se pai iniciara. O ADI e o MDFM-PL são, pois, instrumentos políticos, de projectos pessoais de poder, que alteraram a evolução natural do nosso sistema partidário, rumo ao bipartidismo. Uma vez na presidência, e querendo ficar salvaguardado dos falhanços políticos, que comprometessem o projecto pessoal de poder iniciado pelo seu pai, resultantes de juramentos de fidelidade conjunturais, Fradique fez aquilo que Miguel não ousara fazer por ausência de condições políticas. Iniciou, propositadamente, uma conjuntura extraordinária de crises políticas, de que resultou a nomeação de oito primeiros-ministros, num exercício presidencial de um mandato e meio, que lhe poderia levar ao propósito decisório popular de substituição de uma ordem constitucional, vigente, por outra. Para isso, contava, aqui e acolá, com alguns séquitos, prontos a demonstrarem-nos, numa perspectiva estruturofuncionalista, com uma teia contraditória de argumentos, a bondade e pertinência do sistema presidencialista. Ninguém de bom senso reclamou, junto destes seguidores incondicionais do senhor presidente da república, que, a perspectiva estruturofuncionalista possibilita-nos, apenas, uma visão estática e formal do aparelho do poder desprezando os processos de decisão política, das consequências tomadas, do impacto produzido no sistema social e das reacções que suscitam. Ou seja, não nos permite compreender a dinâmica do poder, designadamente as interacções recíprocas do aparelho do Estado com outros sistemas intra-societais. Quais são os nossos problemas crónicos, ciclicamente reproduzidos e diagnosticados em relatórios nacionais e internacionais, conferências, livros, imprensa, etc? É a corrupção, problema do “Banho”, decisões políticas erróneas e mal estudadas, assinaturas de contratos, com entidades internacionais, prejudiciais aos interesses do país, instabilidade governativa cíclica por interferência dos Presidentes da República na esfera governativa e/ou por desorganização partidária, deficiente funcionamento da justiça, excesso do personalismo como cultura política dominante, deficiente organização e funcionamento dos partidos políticos, prossecução de interesses pessoais em detrimento dos interesses colectivos, falta de autoridade de Estado, etc. É óbvio que todos estes problemas estão inter-ligados e são, eminentemente, de natureza política. Só num país de malucos e irresponsáveis é que se pode concluir, de ânimo leve, que aqueles problemas desaparecerão, e o país entrará numa espiral de desenvolvimento económico e social, fruto da substituição da ordem constitucional vigente por outra qualquer. Muito pelo contrário! Tendo em conta a nossa cultura política dominante e as características do sistema presidencialista prevejo, até, que alguns destes problemas se agravarão, no futuro. O “quadro constitucional” não deve ter como finalidade a resolução de problemas políticos conjunturais, caso contrário, teríamos de alterá-lo todos os meses, na nossa terra. As questões políticas não mudam de forma nem variam a sua manifestação concreta só para melhor corresponderem aos valores abstractos de um sistema político. Um sistema político não se limita apenas ao aparelho estatal e nem todas as estruturas políticas são estaduais, ou seja, integram o Estado e, consequentemente, nem todas as funções políticas são desempenhadas pelo aparelho do Estado. Assim sendo, mudar de sistema semipresidencial para o presidencialismo, por si só, resolveria os nossos problemas internos e estruturais relacionados com o aprofundamento da democracia, desenvolvimento económico, social e cultural do país? Não creio! A não ser que os defensores do presidencialismo identificassem o Estado com o sistema político; ou, dito de outra forma, a estatização de todo um sistema político. Isto só é possível e aceitável em regimes totalitários em que o Estado controla todas as funções e actividades das estruturas políticas da sociedade. Mas não é isto mesmo que o ensaio de projectos pessoais de poder, na nossa terra, pretende? Será que pretendem mexer no sistema político para mudarem o regime? 

 A.C

 

 

 

publicado por adelino às 22:58
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