Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008

A Prenda do Natal do Príncipe

Vendo imagens de imigrantes clandestinos, Marroquinos, que acabaram de chegar, ao Algarve, numa aventura para a morte ou humilhação, em frágil embarcação, recordo-me, com tristeza, raiva e inquietação, da mesma sorte, de dezenas, dos meus irmãos do Príncipe que, tiveram de passar pelo mesmo, no início da década de oitenta, do século passado. Só uma tentação incontrolável, angústia e revolta desesperantes, podem ter contribuído para o comportamento daqueles meus irmãos que preferiram morrer no mar, ou em terra firma em pleno continente Africano, do que continuarem vergados, famintos, perseguidos e transformados em farrapos, numa ilha isolada do mundo. Quem não se lembra do Benvindo, do Bernardo Sangazusa, do Costa, do Tonito, do João, do Arcanjo, do Morais e dezenas de muitos outros, incluindo crianças e mulheres desprotegidas, que resolveram embarcar, nesta aventura, em frágeis canoas? Só os definitivos donos do poder, instalados na capital do país, predadores de todos os nossos sonhos individuais e colectivos, podem dar-se ao luxo de esquecer tragédias humanas com esta amplitude e significado. É óbvio que eu não me esqueci, o Príncipe inteiro não se esqueceu, e, tenho a certeza de que, os verdadeiros homens e mulheres do nosso país não se esqueceram. Este acontecimento trágico e, aparentemente, retrospectivo, parece ganhar forma, conteúdo estratégico e obsessivo, e ameaça bater as portas das gentes do Príncipe, mais uma vez. Só assim se pode compreender a atitude desta coligação governamental para com o Príncipe. Se o MLSTP/PSD foi lento e programado, como a tartaruga, na materialização da supra referida tragédia; esta coligação governamental, contra todas as expectativas, parece-me astuta, perigosa e célere no seu expediente tragediógrafo. É pena, que assim seja, porque eu acreditava, na boa-fé e sentido de Estado de alguns protagonistas do poder em causa.

Estou a ficar farto de rodeios explicativos contraditórios de que: o país não tem meios financeiros; a crise é para todos; os bons tempos virão e outras maldades, mais ou menos encapotadas, cujo objectivo é perpetuar e acentuar o ciclo da marginalização do Príncipe no contexto nacional. Vejamos a sequência de acontecimentos, mais ou menos recentes, que comprovam isto mesmo.

1- Uma ex-ministra dá-se ao luxo de proclamar, sem rodeios ou hesitações, que o Príncipe não produz nada e, por isso mesmo, não pode ter qualquer reforço financeiro. Foi este o pequeno contributo, da referida ministra, para a consolidação da identidade da instituição que a mesma representou por pouco tempo. Ninguém, de bom senso, lhe lembrou, na altura, que, havia limites, mesmo para disparates. 

2- Uma ex-ministra, do plano e finanças, do alto do seu castelo, blindado com folhas de bananeira, desafiou a autoridade, dos senhores primeiro-ministro e Presidente da República, que declararam, publicamente, depois de aturadas negociações com o governo regional, o reforço de verbas para o orçamento do governo regional, não cumprindo, até hoje, o que estava inicialmente programado. Ninguém compreendeu a decisão da referida ex-ministra que, por alguma razão, deixou o governo, sem glória ou qualquer resultado decente de sustentação da política económica e financeira do Estado.

3- Nenhum investimento estruturante, no Príncipe, que pudesse melhorar a deslocação de pessoas e bens e/ou contribuísse para equilibrar os níveis de igualdade de oportunidades inter-ilhas, fora realizado, pelo governo central, ao mesmo tempo que, este, em clima de festa imparável, “lança pedras” para: o processo de construção da estrada entre a cidade capital e Porto Alegre; construção da Doca Pesca na cidade capital; construção de blocos de apartamentos em todas as zonas da ilha maior; construção de um liceu novo; construção de um mercado novo; construção de escolas novas e, imaginem, idealiza projectos para a construção de um porto de águas profundas e melhoria radical do aeroporto Internacional, ambos em S.Tomé. Que eu saiba, ninguém de bom senso, na capital do país, lembrou a senhora ex-ministra do plano e finanças de que, se não havia condições para melhorar, financeiramente, o orçamento do governo regional, para dar satisfação aos problemas sociais gritantes, de âmbito local, onde é que ela iria buscar tanto dinheiro para esta dispersão de investimentos realizados na capital, ou, ainda, esbanjar fortunas, com despesas de telecomunicações nos diversos gabinetes ministeriais e outros departamentos da administração pública central e em algumas viagens improdutivas da nossa classe política. É óbvio que o Príncipe e as suas gentes não se esqueceram destas maldades.

4- Mais recentemente, o governo central contratualizou com uma empresa estrangeira, em condições de sigilo ensurdecedor, por muitos milhões de dólares, a compra de novos grupos de geradores para resolver, definitivamente, os problemas energéticos da ilha maior. Há sinais, subjectivos ainda, de que o país entrou, provavelmente, numa escalada, desordenada, sem método e equidade, de endividamento, e o Príncipe, sem usufruir de quaisquer investimentos decorrentes deste propósito, irá, mais uma vez, sofrer as consequências, políticas, económicas e sociais do apertar do cinto, transformadas em bandeira nacional, quando a factura chegar, lá mais para diante. Muitos cidadãos do Príncipe devem estar a perguntar: o que é preciso fazer mais, em S.Tomé, para que o Príncipe possa ter direito a qualquer coisa?

Como se estes gestos de humilhação e marginalização do Príncipe não bastassem para encher a barriga de alguns carniceiros encartados, ávidos de verem, no futuro, com um sorriso de felicidade angélica, mais um acto cénico de debandada, em frágeis canoas, de farrapos humanos, do Príncipe, em direcção ao continente Africano, eis que o governo central decreta que, o único avião que fazia a ligação entre as duas ilhas, deveria ser desviado, desta ocupação, para cumprir outras funções. Ou seja, enquanto que em S.Tomé se projectam ou constroem estradas, que custam milhões de dólares e contribuem para encurtar distâncias entre a capital do país e a zona sul, e, consequentemente, rentabilizar investimentos turísticos existentes nesta zona; em relação ao Príncipe, faz-se de tudo para inibir qualquer tentativa de normalização de deslocação de pessoas e bens e, com tal, não favorecer o desenvolvimento empresarial, turístico ou de outra natureza, nesta região. Ninguém percebe a razão destes comportamentos que se transformaram, numa obsessão, sem sentido, contra uma região específica do país.

5- Quando todos esperavam que a cascata de maldades em relação ao Príncipe, atingira o limite e os seus autores, directos e indirectos, convertidos ao espírito natalício, surge-nos a mãe de todas as irracionalidades. Um empresário, estrangeiro, instalado na região autónoma do Príncipe, que é o maior empregador privado da mesma, sentindo-se extremamente prejudicado com as consequências empresariais do isolamento, imposto ao Príncipe, por desvio do avião que assegurava a ligação entre as duas ilhas, sugere, ao governo central e outras entidades envolventes, a possibilidade, óbvia e compreensível, de utilização do seu próprio avião para transporte de turistas, de S.Tomé para o Príncipe, e, consequentemente minimizar os seus prejuízos decorrentes da atitude em causa. Para espanto, dos comuns dos mortais, o governo e outras entidades envolventes, do poder central, recusam tal possibilidade. Digam-me lá, se, este acto e outros, não configuram uma obsessão, sem sentido, em prejudicar uma região e os seus habitantes? Para quê? Com que objectivos? Eles saberão! A ignorância é tanta que os autores deste acto maquiavélico esquecem-se, de, que, prejudicando o Príncipe, e o investimento estrangeiro para ai canalizado, poderá ter efeitos contraproducentes no tecido económico e social nacionais. Foi esta, no entanto, a prenda de Natal, do governo central, aos residentes no Príncipe (Minu´yês, Forros, Caboverdianos, Angolares, Moçambicanos, etc) que culminou com o despedimento momentâneo (posteriormente readmitidos) de cinquenta trabalhadores do referido empreendimento turístico. Nenhuma voz, autorizada, excluindo a do governo regional e a do próprio empresário prejudicado, manifestou-se perante tal maldade que no futuro poderá ter consequências institucionais inter-ilhas nefastas. Nem o senhor Presidente da República que, normalmente, se manifesta, emotivamente, perante situações desta delicadeza dirigiu qualquer palavra sobre a situação. Admito que, pelo facto da mesma afectar, sobretudo, trabalhadores e empresários residentes no Príncipe não seja motivo suficiente para emocionar o senhor Presidente da república.

6- Com o acordo conseguido entre as partes envolvidas – empresário, governo regional e o governo central – e a normalização operacional dos voos entre as ilhas fiquei convencido que o discernimento institucional regressara. Pura ilusão!

O senhor Presidente da República, no seu jeito emotivo de sempre, lastima, em público, a sorte madrasta do grupo empresarial que gere o complexo turístico do Ilhéu das Rolas. Segundo o Presidente da República «…temos de ter cuidado e sermos sérios…» com críticas ao grupo empresarial em causa pelo facto deste, supostamente, desejar expulsar os autóctones do referido ilhéu em prol da expansão do seu projecto. Segundo, ainda, o Presidente da República, temos de ter cuidado com os empresários que querem investir no país como o referido grupo empresarial. Onde é que o senhor Presidente da República estava quando o grupo empresarial que gere o complexo turístico do Ilhéu Bom-Bom, no Príncipe, foi enxovalhado, humilhado e maldosamente prejudicado, pelo governo central, obrigando o referido empresário a ameaçar fechar as portas e mandar para a casa cerca de meia centena de trabalhadores locais? Para o senhor Presidente da República existem empresários estrangeiros, de primeira e de segunda, consoante a área geográfica em que investem e, consequentemente, os interesses populacionais que defendem decorrentes deste investimento?

O senhor Presidente da República é Presidente de todos os cidadãos ou de cidadãos de uma parte específica do país? Que interesses, públicos e/ou privados, poderão ter contribuído para a posição do senhor presidente da República em defesa de um grupo empresarial específico ignorando o outro que foi vítima de um acto maquiavélico, milimetricamente preparado, com o objectivo de humilhar uma parte geográfica específica da nossa terra?

O país não pode continuar assim numa teia de maquiavelismo primário, desinteressante, prejudicial e autista. O Príncipe precisa de investimentos estruturantes, que minimize os efeitos da dupla insularidade, de que sofre, em prol do desenvolvimento nacional sustentável. Toda e qualquer tentativa para o sufocar, criando um ambiente claustrofóbico local que obrigue as pessoas, que lá vivem, a aventurarem-se em frágeis canoas para destinos incertos, de morte e humilhação, constituem autênticos desprezos. O Príncipe, e qualquer outra região do nosso país, não pode pactuar com desprezos, sejam eles conscientes ou inconscientes, ou mascarados, a montante, pelo populismo, demagogia e protagonismo estéril. Dir-me-ão que o estilo que faz escola, no nosso país, é mesmo este: não é o princípio e assunção do bom governo, o desenvolvimento equilibrado do Estado, a equidade na distribuição dos bens e equipamentos sociais, etc., suportado por uma cultura interiorizada de serviço público. Se assim for, então, dêem ao poder regional, do Príncipe, instrumentos de natureza política, administrativa, económica e financeira para que ele possa ser mais responsabilizado pela comunidade que representa.

 

 

 

 

publicado por adelino às 17:43
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