Domingo, 22 de Julho de 2007

O Nosso Trinta e Um e o Menino da Bola

 

 

Há qualquer coisa de estranho, na nossa política caseira, que transformou o nosso sistema partidário numa espécie invasora inadaptada às exigências, dos valores, do regime que ele, aparentemente, deveria suportar. Todo e qualquer tema parece-me relevante ou pertinente se, a seu propósito, forem produzidas, estruturadas e fundamentadas as respectivas estratégias políticas. No entanto, não é isto que acontece na nossa Terra. Quem diria que iríamos acabar assim, neste trinta e um caótico e angustiante, agora que o trinta e dois nos bateu a porta, em jeito de despedida, alertando-nos para o dramatismo colectivo, inerente à idade de Cristo, se, entretanto, insistirmos nesta paródia e irresponsabilidade.

Muitos dizem que a culpa deste trinta e um é do regime político vigente no nosso país. Eu diria, que, as questões políticas não mudam de forma ou de gravidade, nem modificam a sua manifestação concreta, só para melhor corresponderem aos valores abstractos de um regime político qualquer.

Outros, dirão, que a culpa é do sistema político vigente. A estes eu, simplesmente, questionaria: quais são os instrumentos de acção política, indispensáveis em qualquer sistema político, de organização pluralista, com responsabilidades, activa ou reactiva, em todos os acontecimentos políticos que nele ocorrem?

Mais recentemente, surgiu uma outra teoria, que, atribui as causas deste nosso trinta e um ao défice de comunicação governamental. A estes eu diria, que, uma má comunicação governamental pode asfixiar, momentaneamente, uma boa política; mas, uma boa comunicação, não salva, de certeza absoluta, uma má política.

Outros, ainda, dirão que a mãe deste nosso trinta e um é a corrupção que assola o país. Concordo, só parcialmente, embora ressalve que, aquilo a que chamamos de corrupção é, apenas, uma manifestação de delitos exercidos por um ou mais agentes públicos. O facto deles, em contraposição, não os cometerem não garante que estejam à altura de uma verdadeira cultura política.

Por isso, o nosso maior problema não deverá ser, do regime político, do sistema político vigente, da comunicação governamental, ou, só, da corrupção. É, sobretudo, um problema de má política, consubstanciada na pobreza de iniciativa, na rotina, na indecisão e na falta de consciência das responsabilidades que uma nova configuração, política e social, trouxe consigo.

Nos regimes políticos de organização pluralista, mesmo em países em vias de desenvolvimento, como o nosso, os instrumentos de acção política, susceptíveis de criação de suporte orgânico do poder, deveriam ser os partidos políticos. O que é, no entanto, que se tem verificado na nossa Terra? Exactamente o contrário. Do ponto de vista organizativo, não existe, por parte dos partidos políticos e/ou coligações que têm governado o país, desde a implementação da democracia, uma concepção, clara, de modo de exercer e fundamentar o poder e a autoridade. Vejamos três casos simples que demonstram esta tese.

O actual governo da nossa Terra tem estado a implementar uma política de saúde denunciadora de grande insensibilidade social. De forma indiscriminada, e sem qualquer suporte conceptual, económico-financeiro, organizativo e fiscal, os nossos doentes, que recorrem ao hospital central do país, são obrigados a pagar várias taxas nos diversos actos administrativos e médicos realizados. Há registos de casos de doentes que regressam à casa, sem terem tido acesso aos cuidados médicos, mais elementares, no hospital, por não terem condições económicas para o referido pagamento. Esta política faz algum sentido num país onde mais de cinquenta por cento da sua população vive em condições de pobreza extrema? Mesmo admitindo que é este o traço essencial da política liberal, deste governo, o que é que os partidos políticos da oposição apresentam como alternativa? Concordam com este tique neoliberal, selvagem e cego, ou têm outras ideias no que se concerne à organização, regulação, financiamento e gestão do serviço nacional de saúde?

Um segundo exemplo, pode-se extrair da boca do senhor Presidente da República, no acto simbólico de construção de mais uma Escola Secundária no país. Disse, na altura em causa, o senhor Presidente da República, que, se estava a inaugurar um novo ciclo de descentralização de Escolas Secundárias. Presumo que o senhor Presidente da República quis transmitir a ideia que se iria iniciar um ciclo de construção de Escolas Secundárias, em todos os Distritos do país. Esta ideia iluminada está consubstanciada em estudos sérios de reorganização da rede escolar, que garantam, no futuro, o aumento do nível de qualidade do nosso ensino e propicie uma formação geral aos nossos jovens durante a escolaridade obrigatória? Como será pensado, concebido e desenvolvido o currículo, em moldes diferentes dos actuais, e em consonância com os objectivos supra citados, que garantam a aquisição e apropriação, plena, de um conjunto de saberes por parte dos nossos jovens, de forma que os mesmos possam usufruir desta formação geral? Em convergência com esta pulverização de Escolas Secundárias por todos os distritos do país, o governo, de Sua Excelência Senhor Presidente da República, pensou no desenvolvimento profissional dos professores, como garantia desta dispersão, num país em que apenas 26,9% dos professores, no ensino secundário, possuem alguma formação e 73% dos mesmos não têm qualquer formação específica, segundo os dados do Plano Nacional de Acção – Educação para Todos – 2002-2015? Como será feita a articulação vertical, com outros níveis de ensino, de forma a garantir a coerência do sistema e maximizar a mobilização de recursos evitando o isolamento que algumas destas Escolas, a construir, poderão correr? Faz algum sentido, num arquipélago de 1001 km2 e 160 mil habitantes, que o governo anuncie construir e/ou reconstruir estradas diminuindo, consideravelmente, distâncias entre o interior e os centros urbanos, e, ao mesmo tempo, publicite a intenção de pulverização de Escolas Secundárias, com mesma vocação, em todos os distritos do país? O que pensa a oposição desta decisão política? Concorda? Tem algum projecto alternativo? Qual é?

O último exemplo, está associado ao brilharete que o professor Campos e Cunha fez, no país, comportando-se, aos olhos de qualquer cidadão nacional, como o menino da bola. Tal atitude deixou os nossos digníssimos políticos tristes e o povo a sorrir. O referido professor, um brilhante economista, proferiu uma série de conferências, na nossa Terra, em torno das oportunidades e desafios para o país, não descurando na sua prelecção, entre outras considerações, a escolha do regime cambial, mais adequado, que o país deveria adoptar. Como o menino da bola, o professor Campos e Cunha chegou ao país, compartilhou, connosco, a bola e o jogo, deu um brilharete, entre fintas e golos, agradeceu-nos pela disponibilidade em jogar a bola com ele, agarrou na mesma e meteu-a na mala, entrou no avião e foi-se embora. O país ou o governo, que já tinha planos, aparentemente estabelecidos, (que ninguém conhece) relativamente à escolha do regime cambial, ficou, de repente, anestesiado e incrédulo com as traquinices alheias do menino da bola. Todas as vontades, infundamentadas, desmobilizaram-se, de repente, e sem bola para jogar, cada um recolheu ao seu canto e assim estabeleceu-se um consenso mudo sobre uma política económica de grande alcance e impacto para o país. O pior, de tudo isto, é que ninguém conhece, anteriormente à intervenção do professor Campos e Cunha, a posição da ministra das Finanças sobre este assunto. O que é que pensa, também, a oposição sobre este problema?

Num ápice, o país ficou a conhecer uma posição técnica, bem fundamentada, que pode sustentar uma decisão política de grande alcance para o país. Do governo, e dos partidos políticos, aguarda-se uma decisão politica. Para quando?

Estes três simples exemplos são demonstrativos daquilo que eu chamo de má política, na medida que, se os partidos políticos tivessem feito o seu trabalhinho de casa já teriam uma fundamentação técnica, há muito tempo, que salvaguardasse as decisões políticas, sobre estas três matérias, que acham mais adequada para o país. Não basta atirar, para o ar, medidas avulsas e sem qualquer sentido ou fundamentação, convencidíssimos que estão a fazer uma boa política, só porque, aparentemente, existe dinheiro para gastar.

Politizar é, exactamente isto, colocar as coisas num âmbito de discussão pública, arrebatando-as aos técnicos. Nos preferimos o “banho”, pois, é a forma mais fácil e cómoda de ganhar as eleições e chegar ao poder. Para fazer o quê com ele é que ninguém sabe. Por causa disto, os partidos políticos nacionais parecem todos iguais e não têm uma identidade própria que se manifesta no domínio político, social organizacional e de relacionamento entre si.

A forma mais eficaz de sairmos deste nosso trinta e um, tem de passar, necessariamente, por partidos políticos nacionais arrebatarem a bola aos meninos, de forma construtiva e responsável, e jogarem-na entre si de forma transparente, competente e séria, sem caneladas, bicos ou rasteiras. Temos da passar a confiar, se os nossos políticos assim o quiserem, sobretudo na controvérsia, no conflito regulado entre propostas rivais. Se decidirmos que é no conflito leal e competente que reside a melhor garantia de um bom regime ou sistema, então o nosso problema deixará de residir em “quem deve governar” e passará a residir no “como deve governar”. Assim sendo, o nosso voto, passará a ser, apenas, uma das exigências da democracia que nenhum “banho” poderá comprar. Que venha o trinta e três.

 A.C

 

 

publicado por adelino às 17:15
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