Há qualquer coisa de insólito, profundo, devastador e silencioso que nos atrai para o abismo de forma irremediável. Devagar, devagarinho, mas de forma sustentável e sem vergonha, vamos saltando o muro, para o lado de lá, onde não existe o mínimo de decência, moral e integridade que regula o comportamento dos dirigentes políticos e de alguma elite local. Uma vez do lado de lá, do muro, tudo será permitido fazer, ou realizar, politicamente, reduzindo à pó, o respeito pelos outros, a dignidade pessoal, o esforço, o mérito, o rigor, a correcção, o empenho e, no fundo, tudo de bom que o processo de construção da civilização nos “ofereceu”.
Poucas almas ainda resistem do lado de cá do muro e, todos os dias, regista-se um engarrafamento popular e pré-disposição para saltar para o lado de lá.
Neste cortejo assombroso nem o Liceu Nacional, instituição de grande prestígio para várias gerações de Santomenses, escapou aos chamamentos dos malfeitores. Ficou-se a saber, nesta semana, que na referida instituição, Liceu Nacional, foi descoberta uma fraude, de proporções gigantescas, de falsificações de habilitações literárias.
Não é preciso ser um génio para saber o resultado deste escândalo, que, contribuirá para danificar, de forma irremediável, a imagem da maior instituição pedagógica do país. Só nos faltava esta traição dolorosa: que este ícone intemporal, de gerações de Santomenses, fosse chamado para a lama, apedrejado, vilipendiado e cobardemente sacrificado.
Foi no Liceu Nacional que fiz todas as coisas que todos os adolescentes e jovens de diversas gerações fizeram. Foi lá que: admirei e conquistei as primeiras namoradas; fiz e solidifiquei amizades; dei e levei porrada; pisquei o olho ao mundo com os meus incessantes sonhos de adolescente; vasculhei segredos de colegas e professores; nadei, sem descansar, nas contradições de correntes políticas e ideológicas; aprendi a cumprir e respeitar regras; fui repreendido e castigado por infringir regras e regulamentos; plantei uma árvore; escrevi cartas de amor; balancei-me, semanalmente, entre África Negra, Úntues, Leonenses ou Sangazusa; descobri Newton; levei umas pequenas bofetadas de Albert Einstein; apalpei metáforas; impliquei-me com um Inglês e escapei-me pela tangente, entre equações e viagens às civilizações Egípcias, Mesopotâmias e Gregas, de companhias desagradáveis que interrompessem a realização do meu maior sonho.
Conseguiram transformar tudo isto num pesadelo! Recuso-me passar para o lado de lá.
A.C
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