Domingo, 19 de Novembro de 2006

Importar Expectativas e Exportar Satisfação

 

Chego ao trabalho com algum entusiasmo decorrente de alguns ajustes profissionais, solidificados ao longo do tempo, que me permitiram entrar, no local onde desenvolvo as minhas actividades, assobiando e, com a sensação de felicidade repescada. Dou de caras com a “minha chefe” respirando “decepção” por todos os buracos do seu débil corpo. Rapidamente a minha felicidade transformou-se, involuntariamente, em capricho coscuvilheiro. «…Então, o que é que se passa contigo?» Disparo convencidíssimo da vulnerabilidade da presa que está diante de mim. Ela encolhe os braços entrelaçados, que suportam com as mãos o seu comprido pescoço, bem como a face, e jazem angularmente sobre a mesa avantajada do seu gabinete, num movimento de aparente resposta ao ataque do presumível predador. Os papéis inverteram-se a partir daquela altura e eu passei a ser a vítima dos caprichos da minha própria felicidade. Qual felina, a “minha chefe” responde ao meu disparo com enormíssimas e diversificadas armas de ataque: «…Querias que eu estivesse satisfeita depois de umas férias como esta?! Como é que vocês estragaram um país como este? Isto é que é o paraíso turístico? Isto é que é a maravilha que fartaste de evocar nas tuas longas dissertações sobre as ilhas? Olha, nem sequer pude ir ao Príncipe por falta de transporte! ….» Atordoado com tantos disparos abro os braços denunciando paz e incapacidade de prosseguir a luta resultante do confronto entre a decepção e a felicidade. Fico, no entanto, com a sensação de que a decepção pode contribuir para a morte: da vítima e do causador da mesma. É uma sensação estranha, para mim, porque fora eu, involuntariamente, o causador da tamanha decepção, convencido que estava, ao sugerir a minha colega uma ida ao paraíso da felicidade numa longa viagem, de férias, ao meu país. Ela continuou no seu estilo, não sei se de presa ferida ou predadora decepcionada, vomitando angústias, insatisfação e pedaços de algumas recordações saudáveis: «Aquele aeroporto miserável, meu Deus! Sem condições de conforto mínimas. Não percebo porque razão o tapete rolante não funciona e, em vez de ajudar a vida dos utilizadores do aeroporto, maximiza a desorganização. Por que razão a casa de câmbios está sempre fechada? Não suporto o cheiro nauseabundo daquele lugar. Aquilo é a porta de entrada para a desorganização, incompetência e desleixo. Meu Deus! E, já agora, para quê um retrato do Presidente da República naquele lugar? É para autenticar toda aquela irracionalidade? E as estradas meu Deus! Como é possível fazer-se sessenta quilómetros em duas horas e meia?! O que gostei muito foi do Calulú, tanto o de peixe como o de carne. Que bom! As praias também são muito lindas. Adorei! O meu marido gostou muito da cerveja nacional. Gostei também do Clube Santana e do Ilhéu das Rolas. Olha, vão correr com aqueles autóctones que vivem no Ilhéu das Rolas se, entretanto, vocês não fizerem nada. Coitadinhos! Já me esquecia, as pessoas também são muito simpáticas…» É óbvio que excluindo aquela insignificância (há coisas mais importantes para resolver no país) do retrato do Presidente, no aeroporto, típicas de republicazinhas desorientadas com o anacronismo do culto de personalidade tive de dar razão à “minha chefe” e sentenciar-me pelo incómodo ou insatisfação que, involuntariamente, a causei. Prometi, a mim mesmo, a partir daquela altura, que, só em condições muito especiais sugeria ou recomendava a alguém umas férias no meu próprio país. Também sei que, ao contrário daquilo que aconteceu com a “minha chefe”, existem turistas que regressam de S.Tomé e Príncipe com as suas melhores expectativas realizadas e satisfeitíssimos com o destino turístico em causa. Só que para países como o nosso, pequenos e pouco competitivos do ponto de vista económico e produtivo, o turismo tem de ser encarado como factor de desenvolvimento, apresentando-se vestido de uma estratégia, bem definida, do ponto de vista da sua sustentabilidade, capaz de introduzir valor e efeitos multiplicadores nas economias (nacional e regional). Poder-se-á falar em sustentabilidade, relativamente ao turismo nacional, quando se pretende “arrancar” a população autóctone, do Ilhéu das Rolas, do seu “habitat”, para satisfação de apetites empresariais, de natureza turística, que têm pouco ou nada de sustentável? O que pensa o governo, a Direcção Nacional de Turismo e algumas ONGs, relacionadas com o assunto, sobre tudo isto? O que me preocupa é que sejam alguns auto-proclamados especialistas na matéria (nacionais e estrangeiros) a defenderem esta tese de expulsão daquela população, para fora do Ilhéu, como forma de dinamização do turismo local em total desrespeito pela integridade social, económica e cultural da população em causa. Para onde é que a população em causa (que sempre viveu e tem ai as suas raízes) há-de ir? Vão viver do quê? Também vão engrossar o lote daqueles que estão, agora, na Feira do Ponto? Isto é que é a essência do “turismo sustentável” assumido e compartilhado pelos presentes, na cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, que defende: “…todas as formas de desenvolvimento turístico, planeamento e actividades que mantenham a integridade social e económica das populações, bem como a perenidade do património natural, construído e cultural?” S.Tomé e Príncipe só terá a ganhar se diversificar o seu produto ou oferta turística adaptando-a às motivações e desejos dos turistas que nos visitam designadamente, no que se concerne aos desejos não materiais como a natureza e cultura. Por que razão aquelas pessoas, que vivem no ilhéu das Rolas, não podem ser envolvidas (directa ou indirectamente) no projecto e dinâmica do desenvolvimento turístico local? Sei que são os operadores exteriores que impõem as suas regras e decisões, na maior parte das vezes, na nossa Terra, ridicularizando o papel dos governantes e outros actores institucionais em prol das suas políticas comerciais divergentes das necessidades económicas e conservacionistas das diversas comunidades locais. Por isso começaram, preferencialmente, por escolher os ilhéus (Bom-Bom e das Rolas) para se implantarem. Os ilhéus com este potencial acabaram no país e, agora, voltaram as baterias para a construção de “resorts turísticos blindados”que constituem autênticas guarnições. Percebo a necessidade e urgência que o país tem de aumentar os níveis de investimento, estrangeiro e nacional, neste domínio, como forma de melhorar a economia, mas, é só deste tipo de projectos que os turistas que nos visitam procuram? De uma forma geral os turistas viajam para melhorar a sua qualidade de vida e isso é perfeitamente compatível com os pequenos interesses económicos locais independentemente dos grandes interesses dos operadores exteriores. É neste aspecto que o Governo, a Direcção Nacional de Turismo e as comunidades locais devem ter um importante papel a desempenhar. Poder-se-á falar em sustentabilidade, no desenvolvimento do turismo, quando existem constrangimentos inultrapassáveis ao nível de conforto no aeroporto e comunicação nas (inter)-ilhas que fazem com que alguns turistas saem do aeroporto, já cansados, e chegam aos locais onde vão ficar instalados com vontade de regressarem, de imediato, aos seus países de origem? O Príncipe, por exemplo, tem uma individualidade Histórico-Cultural, no contexto nacional, que pode acrescentar valor, diversidade e importância ao desenvolvimento do turismo na nossa Terra. Basta citar a gastronomia, certas manifestações culturais ou mesmo o património paisagístico local como exemplos. Por que razão insistir na miopia e desvalorizar esta realidade? Por que razão não melhorar, substancialmente, as comunicações aeroportuárias inter-ilhas, minimizando assim os estrangulamentos resultantes da dupla insularidade, que ajudam a promover a diferenciação de propostas turísticas no contexto nacional? Por que razão não reavaliar e reactivar dentro do quadro dos acordos já assinados com Portugal (Programa Indicativo de Cooperação 2002-2004) o Plano de Recuperação Integrado da Cidade de Santo António do Príncipe e sua envolvente numa estratégia de desenvolvimento sustentado que poderia conduzir, posteriormente, a sua classificação como património da Humanidade beneficiando-se, com tal, o Turismo nacional com esta atitude? Tenho dificuldade em compreender a desvalorização de um projecto com estas características e ambições nacionais, já pensado e planeado, para o substituir (?) por outro na cidade de S.Tomé (menos ambicioso e mais dispendioso) que tem como objectivo acabar com o excesso de feirantes na Feira de Ponto e minimizar o impacto negativo que o fenómeno em causa provoca. Pensam eles que conseguem acabar com a degradação que caracteriza uma parte da Feira de Ponto “reconstruindo” a cidade de S.Tomé. Esquecem-se, no entanto, que a Feira de Ponto é um produto da pobreza extrema que assola o país e que ela renascerá por cima de todas as cidades que forem “reconstruídas” se, entretanto, não se resolver, preliminarmente, a montante, o problema da pobreza extrema no país. A “minha chefe” é que tem razão. Relativamente ao turismo o país tem de começar a mudar de vida, ou seja, tem de começar a importar expectativas e exportar mais satisfação.

 A.C 

publicado por adelino às 16:48
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