Sexta-feira, 27 de Outubro de 2006

O Lixo

 

A brincadeira, no quintal, pariu outra criança: o lixo. O governo Sãotomense é acusado e criticado de ter importado lixo. É mesmo isto que leram: lixo!

Os críticos afirmam que se trata de resíduos perigosos, e, com algum grau de toxicidade. O governo, entre o disfarce de donzela ofendida e a sagacidade de mestre-de-obras, diz, de forma trapalhona e confusa, que se trata de lixo doméstico. Pergunto eu: qual é a necessidade que qualquer instituição, organismo ou pessoa individual tem de exportar lixo doméstico, desde o lugar da sua origem, qualquer que fosse, até S.Tomé e Príncipe utilizando meios tão sofisticados e caríssimos de transporte como meia dezena da barcos? Um governo que tem este gesto e comportamento, como o mais importante no contexto da sua inoperância, merece continuar a ter o respeito e crédito da população? Não tendo o país condições de fiscalização marítima quem é que nos garante que, não sendo possível este lixo ser depositado em terra, como seria o desejo inicial do governo, os responsáveis pelo lixo em causa não depositem a encomenda num lugar qualquer da nossa zona marítima? Quando a brincadeira, dos mais velhos, atinge os níveis de irracionalidade, que permite transformar o país num contentor para resíduos tóxicos, talvez seja o momento de começarmos a pensar em exportar as nossas crianças para lugares mais seguros do mundo.

A.C

 

 

 

publicado por adelino às 15:38
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Sexta-feira, 20 de Outubro de 2006

Os Criadores

 

 

Sobre o novo livro de Albertino Bragança, “ Clarão sobre a Baía”, Pires Laranjeira escreveu no JL:

 

«... O romance associa-se, pois, ao recente livro de poemas de Conceição Lima no preenchimento de interstícios identitários, culturais e sociais de feição ficcional, que se somam ao de outros escritores como Aíto Bonfim ou de pensadores como Inocência Mata. Os discursos de todos eles alargam consideravelmente o horizonte de referências culturais...»

Pires Laranjeira – J.L

 

 

Há, de facto, algum dinamismo cultural, na actual geração de criadores Sãotomenses, que nos apraz registar e saudar, não obstante a quantidade de constrangimentos existentes.

Cada vez mais, tenho a firme convicção que, a ninguém se deve pedir que deixe de ser o que é ou o que quer ser; mas, também se lhes exige que não façam valer a sua suposta identidade contra a diversidade que caracteriza a sociedade Sãotomense. Somos um pedaço, muito pequeno, do Mundo feito de fragmentos diferentes que se foram amontoando, uns ao lado e por cima dos outros, ligados por um cimento ainda vadio e baço. Façam o favor de criar e embevecer os Santos…

A.C

publicado por adelino às 14:49
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Quarta-feira, 18 de Outubro de 2006

O Congresso do Táxi

 

 

A aterragem do voo 225 no aeroporto de S.Tomé dá-se, sensivelmente, depois de 6:00 horas de partida de Portugal. Mal refeito das condições penosas, que, qualquer voo com estas características, proporciona, sobretudo para quem não consegue dormir durante as viagens, como é o meu caso, aventurei-me empreender uma viagem num jipe emprestado, razoavelmente bem equipado, rumo ao interior do país. Aqui e acolá paro e bebo uma água de coco, compro cana para os miúdos, cobiço uma cabeça de jaca estrategicamente colocada por cima de um banco, à beira da estrada, e, meto conversa com alguns putos, aparentemente reguilas e simpáticos, cujos sorrisos abertos desafinam com o miserabilismo socioeconómico local reinante. De regresso ao interior do jipe ouço: «… Depois dizem que o país está mal!... Nós mas é que estamos mal… Ladlón…Kéi, pequeno sofre!...»

Olho através do retrovisor do carro e descortino quatro presenças femininas, de meia-idade, e não consigo detectar, entre elas, a autora daquelas bocas misteriosas nem a motivação e o alvo a atingir. Serei eu?! Por que razão disseram aquilo? Meio encabulado e estupefacto com a recepção, ainda ensaio, timidamente, a tentativa de estabelecimento de diálogo com as quatro senhoras para, prontamente, concluir que não valia a pena porque eu não percebia as suas motivações, interesses e desejos nem elas entendiam a minha perplexidade e admiração. Rasgo o caminho, completamente esburacado, em direcção à cidade, conversando em intimidade indisfarçável com o volante do jipe: «… Ladrão?! Porquê? Quem são elas? Por que razão disseram aquilo? Aqui e acolá este diálogo coxo é interrompido pela curiosidade dos miúdos que seguem no banco traseiro do jipe e também querem participar na conversa. Já na cidade vou abastecer o jipe, numa bomba de gasolina, na Água Arroz, e, depois de educadamente agradecer o funcionário pelo serviço em causa, este pergunta-me se sou Cabo-verdiano. Estranho o propósito e, pela primeira vez, senti uma sensação de deslocado na minha própria Terra. Vou directamente para casa. Na manhã seguinte, constato que, um acto vandálico, provavelmente premeditado ao milímetro, prejudicara profundamente o jipe emprestado que, até então, utilizava. Não queria acreditar! Para além de ter dificuldades em digerir esta cadeia imperceptível de acontecimentos fico com a nítida sensação que, há códigos e regras de conduta, localmente, que fazem com que “ninguém perceba ninguém em S.Tomé e Príncipe” sobretudo se o meio de transporte que utilizamos, como os jipes, contribuir para a amplificação desta desconfiança, confusão e inércia entre os cidadãos. No dia seguinte o meu grande amigo, Boca, dá-me emprestado o seu táxi amarelo. O táxi em causa ajuda-me a vasculhar os segredos das zonas limítrofes da cidade, e, parte de algumas zonas do interior, servidas por estradas, em estado decente de conservação. Aqui e acolá alguns transeuntes levantam a mão, acenam ou simplesmente mandam parar o táxi em causa e, prontamente, começam a falar, de forma simpática, em Português e na maior parte das vezes em crioulo forro. Falam-me do(a) estado das estradas; polícias; nojo da senhora que morreu, recentemente, de doença súbita; festa da Nossa Senhora das Neves; político X corrupto que foi promovido; dono do restaurante Y que roubou dinheiro do projecto Z; fracasso relativamente à política do combate à pobreza; inutilidade dos partidos políticos nacionais; preferência pessoal político-partidária; distribuição de terras, etc. Disfarço-me, inicialmente com alguma dificuldade, de taxista zeloso e interessado nestas conversas e vou dando as minhas opiniões, concordando algumas vezes e discordando noutras, até ao destino sugerido pela generalidade dos ocupantes do táxi que, invariavelmente, termina ao lado da Igreja da Nossa Senhora da Conceição. No final constatei duas coisas: todos aqueles que foram transportados no táxi demonstraram uma grande disponibilidade e iniciativa para falar e trocar ideias, sobre quase tudo, respeitando, na maioria das vezes, a minha opinião, mesmo sendo contrária à deles; manifestavam, também, alguma estranheza e admiração, quando, no final da viagem, eu lhes dizia que não era taxista e recusava, com tal, receber o dinheiro correspondente ao “trabalho” realizado.

Estabelecendo analogia com a nossa realidade politica e social actual acho, pois, que o país entrou, mais uma vez, demasiadamente cedo, num processo de hipnose colectiva de jipes, fazendo com que, o novo governo, apodreça de velho, sentado, sem aprender a andar. Que programas tem o novo governo para combater a pobreza generalizada que assola o país? O que pensa o governo dos gravíssimos problemas da Saúde? Que programas tem para minimizar os estrangulamentos do nosso sistema educativo? Só num país completamente hipnotizado, é possível que, a senhora presidente do Supremo Tribunal de Justiça diga, com toda a desfaçatez e irreflexão, que não é possível resolver, momentaneamente, os variadíssimos casos de corrupção que minam a credibilidade do país porque os Tribunais não têm papel e computadores, e, a legislação penal, está completamente desactualizada. Onde é que a senhora Presidente do Tribunal de Justiça tem andado durante este tempo todo? Em Marte? Já basta da pequenez irracional dos governos nacionais se escudarem, ciclicamente, no chavão “não há financiamento” para fazer isto ou aquilo ou transformarem as organizações do Estado em pedintes viajantes sôfregos. A política é a arte de se fazer o que se puder com o que se tiver. Por onde é que andam os partidos da oposição e movimentos concorrentes às recentes eleições legislativas no país? Onde está o Movimento Novo Rumo? Onde está a irreverência dos jovens da Geração Esperança? Onde está o CODO? Por onde anda o PSR? E o ADI e os outros? O MLSTP/PSD deve sair do desconforto do jipe e transformar o seu próximo conclave num “Congresso do Táxi” dando sinais, como noutras ocasiões, de um partido reformador, no contexto político-partidário nacional, reinventando um espaço público de debates sobre as grandes questões nacionais. Já não há paciência nem disponibilidade para a existência de estruturas, que suportam pessoas, cujas acções e discursos se reduzem à alimentação da inércia e fechamento sobre si próprios, em antítese aos objectivos que estiveram na base da formação das estruturas partidárias em causa. Tudo isto torna-se pertinente, momentaneamente, sobretudo, porque o MLSTP/PSD agoniza-se depois de um ciclo de derrotas consecutivas, mal digeridas, e as correntes de opinião no seu interior, que são inevitáveis e até desejáveis, deram origem aos extremismos grupais paralisantes que põem em causa a sobrevivência do próprio partido. Por isso mesmo, acho que, o próximo congresso, do MLSTP/PSD, ao contrário dos anteriores, deve: analisar em profundidade os resultados obtidos pelo partido em causa nas recentes eleições; questionar e actualizar os estatutos do partido e o pensamento estratégico do mesmo; estimular o debate e o confronto de opiniões respeitando a diversidade e as correntes de opinião existentes; e, até, mudar a forma de organização e realização do próprio congresso transformando-o num espaço de debate estruturado e mais produtivo. Do ponto de vista metodológico o congresso deveria servir, preliminarmente, para analisar, discutir e eventualmente alterar os estatutos do partido criando condições para que, posteriormente, fosse possível a eleição do presidente do mesmo, num próximo congresso extraordinário, por sufrágio directo e universal de todos os militantes e, também, permitir uma maior responsabilização de alguns dos seus representantes, designadamente, submetendo os eventuais candidatos a deputados, às eleições primárias no interior do mesmo. Isto traria maior democraticidade interna ao partido, contribuiria para diluir a expressão de ruptura entre as várias correntes de opinião existentes no seu seio e revitalizaria o debate interno de ideias e programas. Do ponto de vista estrutural o partido deveria criar um espaço permanente de debates e produção de políticas públicas sob a coordenação geral do seu presidente que permitisse desenhar ou esboçar políticas sectoriais que minimizassem o impacto da situação paradoxal, que acontece com frequência na nossa terra, dos programas políticos concretos só serem elaborados por partidos ou coligações partidárias após a conquista do poder pelos mesmos. Além disso o partido criaria condições que lhe permitiria confrontar-se consigo próprio e com as suas capacidades e não estar sempre a definir as suas posições como reacção ao que os outros fazem. Quem está disposto a conduzir este táxi?

 A.C

 

 

 

 

 

publicado por adelino às 22:47
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