Quinta-feira, 28 de Julho de 2005

Cidadãos, Súbditos e a Independência


Reflexões para Férias





Parece que está na moda no nosso país, apoucar os críticos, como coisa que estes pertencessem a uma espécie exótica, ou, denunciassem com a sua atitude afirmativa e combativa, desejos escondidos de vir a fazer parte da “mobília” institucional da Polis. Os papéis e funções parecem estar completamente invertidos na nossa sociedade: alguns são cortejados, aclamados e promovidos, pela fidelidade demonstrada na promoção e sobretudo aceitação da inércia, como característica ideal da vivência na comunidade; outros, são hostilizados ou tratados com desdém, porque ousam falar, criticar, opinar, e no fundo, relacionar com os outros. A institucionalização desta inércia de súbditos no país, regada de forma empenhada nas instituições educativas (formais ou informais) e materialmente reforçadas nos momentos eleitorais, tem contribuído para gerar autênticos rebanhos, cujo lema é a servidão, com prejuízos incomensuráveis na consolidação do nosso processo democrático e consequentemente no desenvolvimento do país. Para o poder instituído, é mais fácil mastigar ou sacrificar carneiros, do que adestrar cavalos ávidos de liberdade, por isso, a receita é religiosamente guardada, alimentada e multiplicada. Péricles no seu famoso discurso aos Atenienses, já dizia que, “o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política” era considerado “ um inútil à sociedade e à República”. Eles dizem e conseguem mostrar o contrário: o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política, é considerado útil à sociedade e à nossa República. Temos por isso, um país que fraqueja ou soçobra perante múltiplas dificuldades, e a culpa, dizem alguns, é da própria independência. Estes esquecem-se no entanto que, as nações e os fenómenos a ela associados, constituem um fenómeno dual edificado a partir do topo, mas que, não pode ser compreendido se não for também analisado a partir da base, ou seja, em termos das necessidades momentâneas, desejos e interesses do povo, não sendo estes, necessariamente nacionais nem nacionalistas. Parece-me mais óbvio e aceitável culpabilizar alguns súbditos letrados pelo fracasso dos nossos interesses comuns, do que, andar a procurar sob recalcamentos doentios, associações entre o nosso fracasso socioeconómico e cultural momentâneo e a independência nacional. É verdade que nem tudo foi feito com rigor, prudência, inteligência e sobretudo responsabilidade, durante o percurso da formação do país, mas, a culpa é nossa. Como diria Ernest Renan, “enganar-se na história faz parte de ser de uma nação.” As nossas dificuldades socioeconómicas momentâneas, têm pouco ou nada a ver com a independência do país e tudo a ver com o Homem. Todos somos culpados: uns menos, outros mais. Com o nosso silêncio ou cepticismo inconsequente, fomos passivamente fazendo a política do poder instituído. Há trinta anos atrás, adormecemos inadvertidamente num manto vulcânico ainda quente e esperançoso, e, hoje acordámos, todos bobos, (como um idoso retratou e bem na televisão) assustados ou súbditos. O apelo às emoções identitárias, como forma de encontrar soluções para a resolução dos nossos problemas comuns, parece pouco racional e inteligente. Alguns chegam mesmo a sugerir uma refundação da nacionalidade. Acham eles que, um novo Estado é condição necessária para que a nação passe a ser verdadeira. Ironicamente, acabam por entrar em contradição com aquilo que criticam em todo o processo de construção do país desde a independência nacional, como coisa que, fosse possível por decreto, ir eliminando sucessivamente, a síntese de contribuições distintas que suportam a nossa alma colectiva. Anteriormente o problema era da colonização, agora, a mãe de todas as culpas é a independência. Daqui por trinta anos, será porventura a própria democracia, a responsável pelo nosso atraso socioeconómico. De forma soberbamente fácil, continuámos a arranjar explicações para os erros do presente culpabilizando o passado. Vivemos um tempo pouco propício à reflexão fecunda e, assiste-se todos os dias à exibição e passeio arrogante nos púlpitos improvisados, do fácil e acessório em detrimento do essencial. Nesta arena, enquanto os súbditos iletrados são requisitados para animar a lide de touros selectivamente escolhidos, alguns súbditos letrados estão somente interessados em garantir apenas a sua tranquilidade privada ou a preservação cumulativa das suas propriedades. A conquista do direito de sufrágio, é apenas um instrumento público de decisão, fruto de controvérsias racionais entre os cidadãos. Momentaneamente precisamos de cidadãos e não de súbditos. O exercício ou estatuto de cidadania, implica necessária e primordialmente, o reconhecimento do outro como igual, e não súbdito ou monarca. Ora, a mercantilização sucessiva e teimosa do sufrágio eleitoral no país, faz exactamente o contrário, ou seja, reconhece o outro como inferior, num contexto declarado e assumido de domínio e de ausência de liberdade. Tenho consciência que existem constrangimentos clássicos à implementação e aprofundamento da cidadania activa na nossa terra, designadamente a alta taxa de analfabetismo ainda prevalecente e a precariedade das condições materiais de existência da generalidade das nossas populações. Mas, isto justifica a cedência ao caminho mais fácil, cómodo, e egoísta, embora espinhoso? A privação actual do direito de sufrágio, em condições de liberdade (no sentido lato do termo) terá entre muitas consequências no futuro, a de aumentar ainda mais a indiferença política, manifestando-se de forma preocupante no aumento da abstenção nos próximos actos eleitorais. O que é que podemos fazer para minimizar o fortalecimento desta tendência, que, relega cada vez mais os cidadãos para a condição de súbditos?
Em primeiro lugar, e, ao contrário do apelo às emoções identitárias exacerbadas, questionando a própria independência do país, proposto demagogicamente por alguns sectores insignificantes da nossa sociedade, acho que, devíamos criar e disseminar localmente, instrumentos de intervenção com carácter pedagógico e cívico, que, contribuíssem para as pessoas reunirem, debaterem e argumentarem sobre questões de interesse comum. Neste sentido, acho louvável, oportuna, desejável e pertinente, a acção dos promotores da “Plataforma, Participação e Cidadania”.
Em segundo lugar, acho que é o momento ideal para se realizar um grande debate nacional sobre a finalidade do sistema de ensino que estamos ou que queremos construir, com o objectivo de dotar a nossa escola pública de meios e conteúdos, que, permitam a elaboração e implementação de um projecto de educação para a cidadania. Só assim, estaremos a contribuir para a criação de verdadeiros cidadãos, que, possam ter e desenvolver a capacidade de controlar e fiscalizar os nossos governantes, de decidir e argumentar em função das competências adquiridas anteriormente, e, escolherem com conhecimento de causa, as diversas alternativas políticas consideradas mais adequadas ao nosso interesse comum, sem constrangimentos de mercantilização do sufrágio eleitoral.
Em terceiro lugar, acho inadiável uma reforma de práticas, métodos, organização e programas dos diversos partidos políticos, que, permita o reforço da dimensão horizontal, passando a ser a dinâmica partidária a responsável pela produção das soluções políticas na nossa terra, ficando a Presidência da República com funções formais de representação.
Por último, parece-me determinante a valorização do papel da comunicação social no país, nesta etapa do nosso desenvolvimento. A nossa fragilidade socioeconómica, é hoje, a maior fonte da ruptura do nosso contrato democrático. Como podemos pedir ou exigir aos nossos profissionais da comunicação social, que, trabalhem em função do interesse colectivo, quando não lhes são asseguradas condições mínimas de independência, sobretudo em casos que envolvem corrupção no país?
Alguns preferem encontrar razões para o nosso atraso socioeconómico, na independência. É provavelmente, uma forma fácil e engenhosa de auto-consolo, resultante de cicatrizes que ainda doem, só que, desprovida de um substrato analítico que possa convencer o pior dos cépticos. Enquanto no país continuarmos a fabricar súbditos em série, em detrimento de cidadãos, este consolo extemporâneo de alguns permanecerá vivo e religiosamente guardado, à espera da pior das gravanas para a emancipação da dor.







publicado por adelino às 11:23
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Quarta-feira, 27 de Julho de 2005

Férias

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Entrei hoje de férias; mas, é como se não estivesse ainda. Há qualquer coisa de insólito e transcendente, que, arrefece o apetite lúdico de fazer outras coisas que todas as pessoas fazem, num contexto de férias. A tensão interior exagerada, para com coisas que todas as pessoas acham uma banalidade e, o desleixo afortunado, para com tarefas que toda a gente pacienta, mutila a normalidade, e, transforma-me num preguiçoso de serviço em férias. Lá no fundo, falta-me jaca onde todos os serviços me oferecem maças e melões; falta-me o murmurinhar carinhoso do pico, que substitua esta selva barulhenta automóvel. Não há cozidos nem guisados que impressionam a nobreza princepesca do molho no fogo. Quero contar estórias ao mar, na imensidão do vazio da terra. Quero voar sobre a cidade muda, gritando como um papagaio cinzento anunciando a aurora. Quero ser Mouro ou Cristão, na diversidade de batalhas diárias, na Terra de um Santo Pregador. Quero simplesmente ir de férias e trepar um coqueiro, num mar de floresta que dorme profundamente.

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Segunda-feira, 25 de Julho de 2005

Balanço



A pobreza do eu
a opulência do mundo

A opulência do eu
a pobreza do mundo

A pobreza de tudo
a opulência de tudo

A incerteza de tudo
na certeza de nada


Carlos Drumond de Andrade


«…A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos…»

Mia Couto
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Domingo, 24 de Julho de 2005

Universidade em S.T.P



S.Tomé e Príncipe vai ter uma Universidade. Não sei se será privada ou pública, mas, falando-se reiteradamente na Universidade Lusíada, será provavelmente um projecto privado. Não se sabe ainda, se existirá alguma parceria especial a estabelecer com o Governo Sãotomense para a implementação deste projecto. Algumas interrogações merecem desde já, algum destaque:
1- os encargos com financiamento serão exclusivamente suportados pelos alunos?
2- estes beneficiarão de algum apoio social?
3- como será feita a política de acesso?
4- que projecto educativo irá ser implementado na referida Universidade? Um projecto em que predominará a componente técnica? Um projecto que dá mais atenção à componente Científico-Humanista?
5- como será feita a articulação com o Ensino Secundário local, de forma a garantir a qualidade do ensino prestado na referida Universidade, optando a mesma por um projecto (vertente Técnica) ou outro (vertente Científico-Humanista) ?
6- Como é que tudo isto se integra num hipotético plano estratégico de desenvolvimento nacional médio/longo prazos (se é que já existe) ?
7-que contributos a Universidade trará para a causa do aprofundamento da nossa democracia e da coesão social?

Parece-me consensual que, um projecto universitário é normalmente associado ao desenvolvimento. Mas, tendo em conta alguns indicadores, acho que uma decisão desta envergadura, deveria ser precedido de algum debate interno, alguma prudência e sobretudo, de um balanço ou avaliação global do estado actual do nosso sistema educativo, tomando como referência o Plano Nacional de Acção 2002 – 2015 – Educação para Todos (EPT) .
Segundo alguns indicadores de EPT (2002-2015) :
- a taxa de pré-escolarização no ano 2002 era de 16,6%;
- a taxa de analfabetismo é actualmente de 25% e, em 1989, mais de 45% da população era analfabeta;
- a taxa de escolarização dos jovens de 12-15 anos, tem estado a diminuir desde 1992, atingindo em 2000 53%;
- a escolaridade básica é de 6 anos e não é cumprida a 100%;
- a taxa de insucesso escolar é elevada em todos os níveis de ensino, atingido um máximo de quase 40% na 6ª classe;
- parque escolar está concentrado nas regiões mais desenvolvidas como a cidade capital, havendo muitas zonas rurais onde não existe o ensino secundário;
- o abandono associado aos elevados níveis de insucesso escolar, cria determinados constrangimentos. De 100 alunos que ingressam na 1ª classe do ensino primário, apenas 55% chegam à 5ª classe; 29% à 8ª classe; 26% à 9ª classe e apenas 18% à 11ª classe;
- apenas 27% dos professores do ensino secundário (5ª a 9ª classe) possuem alguma formação, enquanto que, 73% de professores do mesmo nível de ensino não possuem qualquer formação específica.

Tendo em conta estes indicadores, podemos concluir que, este sistema é altamente selectivo, desde a sua fase inicial (pré-escolar) e de baixa qualidade. Além disso, só sobrevivem até ao final do ensino secundário, aqueles que possuem condições económicas, interesses e capacidades, que lhes permitam aparentemente, vir a frequentar o ensino universitário fora do país, através de uma bolsa de estudo, nem sempre garantida em condições de equidade como todos sabemos. A maioria dos alunos vai ficando pelo caminho. Este sistema está desenhado para a elite (salvo raras excepções) desde a sua base. Até que ponto uma Universidade privada vem acentuar esta tendência elitista do nosso sistema????


publicado por adelino às 20:36
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Quinta-feira, 14 de Julho de 2005

Desespero da Elite



A distância entre a escassa elite económica nacional e o denominado “pequeno”, aumentou de forma clara. Aqueles caminham para o céu; estes, num jacto supersónico, viajam para o inferno, sem direito ao bilhete de regresso. O problema é que, a vitória retumbante desta elite autista, anestesia o país, tornando-se no sinónimo da “derrota da independência”, no sentimento dos “pequenos”. Os Sãotomenses, de uma forma geral, são extremamente tolerantes para com as situações mais desumanas. No entanto, começa a ser inadiável, fazermos uma reavaliação dos nossos comportamentos, manifestações e valores, no sentido de encurtarmos a distância e convergirmos os interesses da escassa elite económica com o dos “pequenos” na nossa terra.
Um facto importante merece atenção no entanto. Uma pequeníssima parte desta elite que idealizou, arquitectou e contribuiu decisivamente para a vitória do Presidente Fradique de Menezes, nas últimas eleições Presidenciais, suportado ideologicamente num cliché gasto e mal intencionado, “Por Amor à Terra”, desmobilizou cedo e sorrateiramente desta retumbante vitória, incompatibilizando com o protagonista político em causa. É precisamente, esta reduzida parte da elite económica nacional, que, “emagreceu” ultimamente, na mesma proporção que o Presidente Fradique de Menezes e seus séquitos “engordaram” na proporção inversa. Esta porção da elite em causa, que, contribuiu decisivamente para a vitória do Fradique, adoptando-o como um “tranquilizador messiânico” no período pré-desespero, começa a ser vítima de uma mobilidade social e económica descendente, perdendo com tal status e acumulando um sentimento de humilhação e desespero. Isto pode ser uma componente importantíssima que irá marcar indelevelmente os próximos actos eleitorais no país. A campanha eleitoral já começou no dia da comemoração do trigésimo aniversário da independência.


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Quarta-feira, 13 de Julho de 2005

Independência

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Lá se foi mais um aniversário da independência nacional, comemorado com pompa e circunstância. Notou-se pela primeira vez, a presença anormal de vários chefes de Estados e outros representantes, mais ou menos importantes, de vários países. Dois factos relevantes merecem a atenção:
a) o discurso descrente, triste, emotivo e autêntico da generalidade da população que, tive a oportunidade de ouvir e ver num registo radiofónico ou televisivo;
b) o discurso avulso, com alguns rasgos de esperança, titubeante, e, com tiques de autismo, que alguns políticos nos ofereceram.
Nunca no país “as águas” estiveram tão separadas, tão distantes, comportando-se como líquidos imiscíveis. É cruel constatar, que, exactamente no trigésimo aniversário da independência nacional, isto tenha acontecido. Não sendo nada inesperado, até pela fartura festiva, programada ao milímetro, com a finalidade de fazer o “povinho” esquecer as amarguras diárias e enterrar-se de corpo e alma na referida festa, acho no entanto, que, o momento deveria ser mais de reflexão do que de comemoração. Não creio que possa haver mais artifícios que, nos possa distrair do desespero geral. Paulatinamente começamos a caminhar para o ponto de saturação. Isto torna-se perigoso, quando a forma o conteúdo e o tom discursivo, de largos sectores da população, começam a convergir, no sentido de colocar em causa os desígnios e a motivação, inerente à luta que permitiu a independência nacional. Concordando-se ou não com estas pessoas, para as mesmas, é a própria independência nacional que está momentaneamente em causa. Os próximos tempos prometem. O que me parece no entanto preocupante, é que, alguma elite intelectual, com responsabilidades, entre neste jogo demagógico, furtando-se no entanto a lutar, a afrontar e a investir, permanecendo subjugada aos contornos de um cepticismo tacanho, fazendo com tal passivamente, a politica do poder estabelecido


publicado por adelino às 00:24
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Terça-feira, 12 de Julho de 2005

Camarão que dorme, Acorda no prato...

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Era uma vez um pequeno, gordo e bonito camarão. Era uma coisa rara num crustáceo comestível, sobretudo naquelas paragens. Vítima da inveja e troça de alguns peixes das redondezas, o camarão em causa, começou a deslocar-se de esconderijo em esconderijo sob aquela massa medonha de água. Gastava com tal mais energia nestes seus movimentos solitários, embora se sentisse bem nesta pequena aventura. Um cherne invejoso, quase quadrado e ambicioso como todos os chernes, aproximou-se do referido camarão, propondo-lhe os seus serviços de protecção. Uma garoupa mal amada, que, se proclamara dono do referido camarão, zangou-se com o cherne perante tamanho atrevimento. Cocumba, que vivia na outra margem e muito distante desta ciumeira familiar, juntou-se ao cherne, e, também ela começou a fazer guerra à garoupa. Corvina e tainha, envoltas em mistérios similares pelo facto de terem a mesma ascendência, ou seja, serem inicialmente provenientes da água doce, reconheceram com facilidade os tiques inconfundíveis da cocumba, e, também elas, desataram a bater na garoupa. Todos os outros peixes do mundo, assistiam àquele espectáculo inesperado de zangas, manifestação de amor e desamor, de forma apaixonada e interessada. Alguns faziam questão de tomar partido de forma mais agressiva e engrossar a fila dos contendores. O camarão foi crescendo, crente na inviolabilidade desta cadeia de solidariedade familiar oceânica, e, já seguro de si, dispensa quaisquer favores de protecção que, pudessem contribuir para minar a sua credibilidade de maior e vacinado. Nada de forma livre nas profundezas do oceano, faz novas amizades, e, não abdica do seu novo propósito: crescer livre de quaisquer protecções e solidificar o seu conhecimento relativamente à outros camarões de quem não recebia novidades. Entregue aos caprichos, vaidade e aventura, típicas de uma fase de desenvolvimento da vida, promotora de auto-conhecimento, o referido camarão mergulha em destinos oceânicos cada vez mais longínquos, contraditórios e inesperados. O Atlântico parece pequeno para dar forma aos seus propósitos identitários. É nesta aventura atípica que, contorna o Pacífico e chega ao Oriente. Aí, conhece o salmão e outras espécies típicas desta paragem, e, fica positivamente impressionado com aquilo que ouve sobre os mistérios da vocação divina do apóstolo S.Tomé. Um salmão chega mesmo a sussurrar-lhe que, S.Tomé foi um homem, por quem as pessoas nestas paragens se apaixonaram; e que, por sua vez, ele também apaixonou-se por elas. Feita esta confidência, o camarão, vaidoso como era, proclamou-se no novo S.Tomé e transformou-se num apóstolo oceânico. De regresso ao Atlântico, vai perdendo energias, e agora, mais magro e já na companhia de outros camarões, é perseguido por cardumes de roncadores. S.Tomé, o apóstolo oceânico, dirige este desfile de camarões, que vai resistindo à fúria da água. Quando atacados por roncadores furiosos a coluna desfazia-se momentaneamente, e os camarões sob a coordenação de S.Tomé, formavam um circulo, com as suas pinças afiadas para fora. Assim se foram defendendo dos inconstantes e inesperados ataques dos roncadores. Já perto do golfo da Guiné, e, ciente do infrutífero e imperscrutável passeio oceânico, S.Tomé e seus pares, deparam com um ruído imperceptível vindo de longe. Inicialmente torna-se difícil decifrar a mensagem. Aproximando-se do local donde vinha o ruído, e, não descurando a atenção e comodidade desejáveis, os camarões ainda em círculo, ouvem o seguinte:
«…O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a Terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a Terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a Terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a Terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a Terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? …»
À deriva e já sem forças, o novo apóstolo oceânico dispara timidamente perante seus pares: - Eu já ouvi isto de algum lugar! Conheço isto! Deixem-me ouvir melhor … Deixem-me ouvir melhor… S.Tomé tinha razão. Tratava-se de uma tentativa de recriação do “Sermão de S.António aos Peixes”, tendo como pregador e centro das atenções, o polvo. O grande, o incontornável e desejável polvo. Era a trigésima tentativa do polvo e seus amigos, para a recriação de tal acto, num mimetismo sanguinário sem precedentes. O camarão, já muito magro, convertido em apóstolo oceânico, voltou a dormir como das outras vezes, perante a tentativa de recriação do sermão em causa. Foi sempre assim, provavelmente será sempre assim. A corvina e outros peixes divertem-se com o sono profundo do camarão apóstolo, e, anunciando banquete, promovem uma cantoria que agita as águas do golfo: camarão que dorme, acorda no prato… camarão que dorme, acorda no prato!





publicado por adelino às 00:56
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Segunda-feira, 11 de Julho de 2005

Mesa Redonda

«...Desde 2002 que São Tomé e Príncipe elaborou a estratégia para redução da pobreza. O documento que apresenta pistas para combater a pobreza absoluta que afecta 53,8% da população vai dar corpo a um projecto de desenvolvimento que as autoridades do país vão apresentar aos doadores internacionais em Outubro próximo.
Segundo Adelino Castelo David, ex- ministro do plano e finanças, agora coordenador dos trabalhos preparativos, a implementação da estratégia nacional para redução da pobreza, exige financiamentos avultados, que o país não pode suportar. Dá a importância da mesa redonda com os doadores internacionais. « A sua implementação carece de financiamentos avultados que São Tomé e Príncipe, sozinho não tem capacidade financeira para poder sustentar os programas e projectos que são apresentados no documento», explicou Adelino Castelo David....»


Excerto da notícia extraída do jornal "Téla Nóm"



É óbvio que os resultados das negociações com os doadores internacionais, seriam positivos, se a montante, fosse realizado algum "trabalho de casa" atempadamente, que, denunciasse mudança de rumo, incompatível com o status quo vigente. Não se vislumbra indícios de mudanças nenhumas, na complexa teia de interesses instalada relacionada com o dossiê petróleo; pelo contrário, assiste-se ao incremento de outras formas mais musculadas e labirintícas de sobreposição de interesses individuais em detrimento do interesse colectivo, que, acaba por minar a essência e função do Estado, maximizando o fenómeno de corrupção no país. Não estando a casa arrumada nem preparada, e, havendo sinais, que contribuem para cristalizar e generalizar a ideia (interna e externamente) de que o esforço financeiro dos parceiros internacionais é desbaratado, sem resultados palpáveis no combate à pobreza extrema, fruto da nossa desorganização interna e da corrupção endémica instalada no país, parece-me razoável pensar que, o resultado desta eventual mesa redonda será um fracasso. Organizem-se primeiro!! Há muito "trabaho de casa" que já devia ser feito e os sucessivos programas de governo não podem constituir uma manta de retalho sem coerência estratégica, organizativa, avaliativa e temporal.


publicado por adelino às 01:14
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Sábado, 9 de Julho de 2005

O Falso Arrastão

“Dez de Junho, praia de Carcavelos. Muitos jovens juntam-se ao Sol. Há tensão e insultos. Depois chegará a polícia. Às 20h, as televisões apresentam ao país “o arrastão”, um crime massivo, centenas de assaltantes negros, em pleno Dia de Portugal. O noticiário torna-se narrativa apaixonada de um país de insegurança e “gangs” terror e vigilância. A maré engole o desmentido policial da primeira versão dos incidentes e vários testemunhos sobre uma inventona.
“Era uma vez um arrastão” passa em revista um crime que nunca existiu, a atitude dos media perante uma história explosiva e as consequências políticas e sociais de uma notícia falsa. Antes que esta nova crise de pânico passe ao arquivo morto, é necessário inscrevê-la na história da manipulação de massas em Portugal.”


Extraído de www.eraumavezumarrastao.net





Agradeço de forma emotiva e profundamente sincera, à Adriana Andringa, pelo desempenho, num verdadeiro trabalho de "jornalismo cívico" que desenvolveu, ciente que, contribuirá para abrir "novas estradas" na abordagem e tratamento profissional de problemas desta e de outra natureza no país. Sempre tive uma exemplar e singular impressão desta profissional do jornalismo Português, de nome Diana Andringa. Raramente perdia um programa da jornalista em causa na "Dois". Mesmo quando o enquadramento temático não fosse motivador; a força, rigor, profissionalismo e carisma da jornalista em causa, faziam-me acreditar na excelência do programa, e, lá estava eu a "carregar no botão" envergonhadamente. Desta vez, juro que o seu trabalho ajudou-me a "descalçar" uma grande vergonha. Sou negro, e, assisti de forma impotente como estes factos foram aparente e cirurgicamente montados, divulgados e mais tarde interiorizados pela generalidade do povo Português. Também eu bebi na mesma fonte que a generalidade dos Portugueses e condenei sem piedade aqueles que praticaram os actos em causa, convencido que foram milimetricamente perpetrados por 400 Negros. A forma como a notícia foi sistematicamente reproduzida, dezenas de vezes, por órgãos de comunicação social, associada impiedosamente às imagens de negros, sem nenhum "toque" que quebrasse a unanimidade editorial ou opinativa, ajudou-me a sedimentar esta decisão. Condenei mil vezes aqueles "meus patrícios" que cometeram aquela barbaridade. Fui diplomaticamente nalguns casos, e abertamente noutros, mal-encarado na rua, nos cafés, nas lojas e provavelmente no local de trabalho, aparentemente carregando também, a culpa de ter perpetrado aqueles actos, sem sequer ter lá estado. É o preço que tive que pagar, pela forma pouco profissional, atenta e rigorosa, como alguns profissionais da comunicação social Portuguesa resolveram tratar o assunto em causa. Espero sinceramente que estes mesmos profissionais que tiveram a pressa, ligeireza e prontidão em apresentar um produto com aquela qualidade, sejam os mesmos que possam aproveitar esta bela oportunidade para redimirem deste acto, pouco profissional, sério e rigoroso. Ainda bem que existem jornalistas como Diana Andringa. Ou melhor : se não existissem jornalistas como esta Senhora o que seria do mundo???? Hoje já posso andar menos envergonhado na rua.



publicado por adelino às 18:50
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Sábado, 2 de Julho de 2005

Transparência




Periodicamente surgem notícias que abalam a credibilidade dos políticos nacionais. Recentemente dois casos mereceram a atenção e discussão pública: a) o Presidente do Tribunal de Contas recebeu um automóvel novo para seu uso pessoal, de acordo com a actividade pública que exerce, no valor de 45 mil Euros, segundo alguma imprensa;
b) foram distribuídos apartamentos, e segundo se diz, a maioria dos contemplados são políticos, ex-governantes, actuais governantes, etc. Estas duas notícias passariam despercebidas, se, o contexto socioeconómico não fosse de aperto rigoroso para a generalidade dos Sãotomenses, e se, a conduta, métodos e prática institucional e dos detentores de cargos políticos, denunciasse alguma transparência. Num contexto de aperto e dificuldades de natureza económica e financeira, percebe-se mal, que, um titular de cargo público, neste caso, o Senhor Presidente do Tribunal de Contas, tenha um privilégio que choca com o discurso de austeridade proclamado pela generalidade dos governantes, e que, suporta a essência intransigente do governo em negociar com os sindicatos da função pública. Que moralidade terá o governo para dizer aos sindicatos da função pública, que, o país não está em condições de suportar as suas exigências, depois de contemplar o Senhor Presidente do Tribunal de Contas com um automóvel deste calibre e custo?? Relativamente aos apartamentos, distribuídos de forma avulsa e irresponsável aos políticos, percebe-se também mal, a motivação, na medida que, alguns destes políticos contemplados com os referidos apartamentos, já usufruem de casas do Estado. Como é que se pode conquistar a confiança dos cidadãos nas instituições da República, com este tipo de comportamentos predatórios ?? Torna-se urgente que a Assembleia Nacional reforce e aprofunde o sistema de controle da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos, elaborando e aperfeiçoando legislação que vise dotar a vida pública de alguma transparência. A confiança dos cidadãos no nosso sistema político democrático, na qualidade do seu funcionamento, depende em larga medida, da possibilidade efectiva de avaliação pública das actividades e dos interesses que os nomeados ou eleitos para os cargos públicos detêm.


publicado por adelino às 12:32
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