Quarta-feira, 27 de Abril de 2005

Parasitas

Lianas_in_old_gap.jpgAutor da foto: Francis E. Putz



Sobem sempre e continuam a subir, utilizando os outros como seu suporte de apoio. São autênticos parasitas que, não dispondo de apoio ou legitimidade própria, agarram-se aos outros desalmadamente, e, iniciam uma caminhada ao copado, com taxas de crescimento em altura, comprimento e abastança, que, faz corar de inveja qualquer Brutamontes. São muito flexíveis e normalmente não escolhem os hospedeiros, apresentando-se munidos de artilharia e astúcia suficientes que lhes permitem uma grande diversidade de mecanismos e argumentos para estarem sempre a subir. É difícil travá-los no percurso desta vontade. Extremamente difícil!! Apresentam-se normalmente com grandes níveis de diversidade e agressividade, próximo do equador, e, o processo da sua remoção ou combate é dificultado por esta mesma diversidade. Não há gente que não rogue pragas às criaturas em causa ou que não recorra ao nosso “curandeirismo caseiro” para minimizar os níveis de infestação provocados. Muitos indivíduos de algumas espécies em causa, são tão agressivos no seu parasitismo endémico, que, chegam a se entrelaçar ao redor dos seus hospedeiros, sufocando-os paulatinamente e provocando com isso, a morte sem dor dos mesmos. E eles riem… riem e voltam a rir, lá do cimo do copado onde se instalaram, como deuses da natureza. Uma vez ai, precisam de mais suportes, quanto mais altos melhores, estabelecendo ligações perigosas e faustosas com outros copados. Se os hospedeiros caírem, eles estão condenados a caírem com os mesmos.
Todos sabemos que, os hospedeiros carregados das fanáticas e parasitárias criaturas, crescem mais lentamente e produzem menos sementes e frutos saudáveis, do que, os hospedeiros desprovidos das mesmas. No entanto, ninguém faz nada ou recomenda a remoção destas assassinas parasitas.
Qual é a relação que tudo isto tem com a política ou sociedade Sãotomense?? Nenhuma!! Pois como viram na foto acima, estava a dissertar ou escrever sobre as LIANAS…


UM POEMA COM LÁGRIMAS

Há-de nascer de novo o micondó:
exacto, perfeito
no centro do quintal.
À meia-noite
quando as bruxas emigrarem
para ocás imaginários
e o cucucu piar pela última vez
na junção dos caminhos.
Sobre as cinzas contra o vento
bailarão ao amanhecer
ervas e fetos e uma flor de sangue
cabaças de milho hão-de florir nas pupilas dos velhos
e não mais sonharão as crianças
com gatos pretos e águas turvas
porque a força do marapião
terá voltado para espantar o mal.
Lianas abraçarão na curva do rio
o queixume dos mortos
quando a primeira mulher
lavar as tranças no leito ressuscitado.

Reabitaremos a casa
nossa intacta morada.

Conceição Deus Lima – S.Tomé e Príncipe




publicado por adelino às 22:28
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Terça-feira, 26 de Abril de 2005

Eles comem tudo....

ovos.jpg



A ideia sistematicamente reiterada de que, em democracia tudo é transparente e que a igualdade de oportunidades é um bem adquirido sem necessidade de conquistas diárias, parece-me um autêntico absurdo. Isto é sobretudo mais evidente, num contexto de mimetismo organizacional e institucional como o nosso, que desresponsabiliza em vez de dar confiança e fé aos cidadãos; que desumaniza em vez de socializar; que mata aos bocados, em vez de recriar. Por isso, passámos a vida a fingir, e, a fronteira entre a democracia e a subversão, o direito e a ilegalidade, são ténues e confundíveis propositadamente. O acesso de um lado para o outro desta mesma fronteira é livre, confuso e estimulado, para mais facilmente facilitar a promoção do “jogo democrático” desigual entre os cidadãos. É uma espécie de jogo de cabra-cega, em que, de um dos lados se posiciona um conjunto maioritário de jogadores de olhos vendados, e do outro, reguilas obstinados, que, nos fintam de todas as formas e feitios. E nós, estamos tão entretidos no jogo, que, de quando em vez, quando envergonhadamente conseguimos tocar num destes reguilas e recebemos um rebuçado como compensação, ficamos embevecidos com a façanha. O pior é que, necessariamente, tem que lá estar sempre alguém, para que o jogo possa continuar, e, possamos dizer ao mundo, que, estamos a jogar, já que, o outro não o pode fazer sozinho. Seria descaradamente BATOTA! Mas não é?! ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA….

publicado por adelino às 21:10
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Segunda-feira, 25 de Abril de 2005

Gugú: Lenda ou Realidade?

monstro.gif





A celebração da Páscoa é sempre convidativa aos períodos de reflexão, tendo em conta todo o simbolismo religioso e afectivo inerente.
S.Tomé é dos Santos da Igreja, aquele que é ciclicamente invocado por causa da sua incredulidade. Consta que, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, fugindo dos Judeus, veio Jesus, colocou-se no meio deles mostrando-lhes as marcas do seu corpo crucificado. Foi enorme a alegria daqueles discípulos pelo facto de terem visto o Senhor. S.Tomé, um dos doze Apóstolos, não estava presente quando isto aconteceu. Os discípulos disseram-lhe: “Vimos o Senhor!” Ele, perante uma declaração destas, não se deixou impressionar, permanecendo insistentemente no seu cepticismo: “Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei.” Dias depois, estando os discípulos outra vez em casa e já com a presença de S.Tomé, apareceu Jesus no meio deles e disse: A paz esteja convosco! Dirigindo posteriormente a S.Tomé rematou: “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente. S.Tomé respondeu-lhe: Meu Senhor e meu Deus! Jesus disse-lhe: porque me viste, acreditaste; felizes os que acreditam sem terem visto.
Provavelmente todos nós, “parentes” de Tomé, rendemos ultimamente aos contornos desta evidência, resolvendo amplificar o significado desta réplica de Jesus, e, na impossibilidade de O ver e confraternizar com Ele, arranjamos um exemplar semelhante: o nosso “Gugú”. Toda a gente já ouviu falar em “Gugú” e acredita piamente no mesmo sem nunca o ter visto. Há quem vai mais longe e declara que são seres anormalmente baixos, anões, simpáticos e acéfalos. Estas características transformaram-lhes em seres muito procurados, sobretudo em momentos marcantes da nossa vida colectiva como os eleitorais. Indiscretos e selectivos, os “Gugús” só alimentam de ovos que arrancam diariamente das parcas reservas alimentares dos humildes, em troca de promessas milionárias que contribuem para a mitificação do seu reino. Toda a gente quer ter um “Gugú” em casa! Toda a gente sonha com “Gugú”! O problema é que se transformaram em seres invisíveis. Acomodatícios, mudam sistematicamente de opinião, tantas vezes quantas as necessárias, de acordo com o barulho da plateia ou com a cor dos ovos que ingerem diariamente. Alimentando-se de ovos, todos nós percebemos os propósitos destes minúsculos seres invisíveis, tendo em conta o simbolismo de nascimento, origem ou princípio de vida, inerente à dieta alimentar em causa. Têm medo que os indiquem a dedo, que profiram o seu nome ou ainda, que refiram a sua existência. Por isso, poucos são os humildes que declaram já terem visto o “Gugú”. Incapazes de tomar qualquer iniciativa, propor e/ou mobilizar para uma causa ou desígnio nacional ou de sonhar com um futuro que nos sirva a todos, os “Gugús” assumem poses, discursos e práticas, legitimadoras da lenda de que são autênticos protagonistas históricos. E assim, vamos construindo um país de “Gugús” que, momentaneamente deixou de ser lenda e virou realidade. Quem se ressente com o espectáculo destas criaturas é a Pátria que, exausta, enxovalhada, humilhada e triste, reclama a virtude dos nossos Santos para atenuar a regressão cultural e intelectual que nos assola. Somos de facto, um país de extremos: passamos rapidamente de cépticos compulsivos para os contornos de uma crendice patológica incompreensível. Só assim se compreende que, num contexto de grande vulnerabilidade e incerteza, fomos capazes de, com grande dignidade recusar trabalhar nas roças dos colonos extorquidas por violência ou manha aos “filhos da Terra”, num gesto indiciador de grande carga e simbolismo político; da mesma forma se compreende a origem da rendição que se apoderou de nós, transformando-nos em súbditos patéticos e descontrolados dos invisíveis “Gugús”. Poucos países de dimensão minúscula, foram tão importantes, para o bem e para o mal, em momentos diferentes da história económica e capitalista do mundo como o nosso, fruto da sua situação geográfica e do consequente desenvolvimento do comércio de escravos, do negócio altamente rendível do açúcar e mais tarde do café e do cacau. Momentaneamente, descortina-se um “ciclo de petróleo”que, aparentemente, atormenta mais do que mobiliza; enfraquece em lugar de solidificar. Esta polivalência (açúcar, escravos, cacau, café, e petróleo) compreensível e entendida, tendo em conta os condicionalismos de natureza histórica, económica, geográfica e geológica, encerra uma aparente contradição. Não sendo inicialmente povoado, contribuímos de forma decisiva com o armazenamento e fornecimento de mão-de-obra escrava para a consolidação de algumas economias do mundo; não tendo vocação natural para o desenvolvimento da monocultura, desempenhamos um papel importante ao nível do mundo, no negócio altamente rendível do açúcar e mais tarde do cacau e café; com uma dimensão territorial desprezível, o país alberga no interior do seu subsolo, reservas importantes de hidrocarbonetos.
Provavelmente é este património histórico, económico e cultural, repleto de polivalência e aparente contradição que, permitiu ao país ir resistindo ao logo dos tempos, os tumultos e devastação da moral provocadas pelos “Gugús”. Sou incrédulo relativamente à possibilidade de vencermos o “Gugú” nesta conjuntura errática de cedência à ligeireza, à desonestidade e esperteza saloia, sobretudo porque, são seres invisíveis que não são de ninguém e não pertencem a ninguém; mas sou crente na possibilidade de o combatermos de forma impiedosa, limitativa dos estragos que nos provocam, caso contrário, é próprio país que há-de transformar-se num “Gugú”. Se isto acontecer, não haverá ressurreição que nos valha.







publicado por adelino às 20:35
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Domingo, 24 de Abril de 2005

Boné do Jóquei

bj.jpgFoto de Jonathan Baillie


Da varanda dum amontoado de lava adormecida, que dizem ser teu irmão mais velho, vejo-te resplandecer de forma enigmática neste espelho vibratório. Que cavaleiro galga de forma tão obstinada um obstáculo tão especial? Não há uma cabeça, um tronco e muito menos qualquer cavalo. Por isso, dormes obstinadamente naquela massa salmoira que, vai e vem, e, contribui para amplificar o teu encanto escultural e beleza tranquila. Estas qualidades transformaram-te num boné energético que acalma os espíritos, e, num segredeiro especial de cavaleiros vencidos pela velocidade do tempo. És o BONÉ DO JÓQUEI!...

publicado por adelino às 15:23
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Sábado, 23 de Abril de 2005

O Congresso dos Conservadores

romanos.jpg



Parece-me dramaticamente insuportável, os contornos kafkianos inerentes à organização e consequente realização do congresso do MLSTP/PSD e, percebo a inquietação ou sobressalto dos críticos do referido evento. Por isso mesmo, algumas evidências relacionadas com o congresso em causa merecem referências.
Em primeiro lugar, nunca se falou e especulou tanto, na comunicação social, nos corredores do poder, nas conversas de taberna e afins, sobre as virtudes, defeitos, negociatas, truques, organização e malabarismos político, pessoal e institucional, no período anterior à realização de um congresso partidário no país, como neste caso. Sendo isto aparentemente benéfico, até pela história e importância local do partido em causa, os seus dirigentes preferiram a autoflagelação em detrimento da glória, a aparência no lugar da substância e a continuidade em vez de ruptura, perdendo com isso, uma boa oportunidade para acelerar reformas no partido em causa e no próprio país.
Por mais ruídos que vozes embriagadas de um saudosismo paroquial, façam chegar aos céus, desesperos inerentes à despedida do criador da “espécie” em causa, ele mesmo, em carne e osso, já se encarregou de dizer bem alto do seu posto de timoneiro que, “…não me vou recandidatar nem me despedir de vós…” (sic) prometendo vigilância e controle apertado aos actuais detentores do poder, directamente do seu posto ou núcleo de base em Pantufo.
Em segundo lugar, parece-me absolutamente evidente que, a vontade expressa e reiteradamente propagada pelos órgãos e dirigentes do partido em causa, de sobrevalorização da ideia e objectivos inerentes à renovação dos quadros, métodos e práticas no interior do mesmo, com a realização do evento em causa, ficou muito aquém do razoavelmente esperado, por culpa dos propalados renovadores e indolência meticulosa dos barões da corte. É óbvio que, a conjuntura política e a consequente essência estratégica, premeditadamente assumida, de diluição de antagonismos internos estéreis, favorecedor de uma imagem externa de união, rumo aos combates eleitorais que se avizinham, contribuíram voluntária ou involuntariamente para a manutenção do status quo vigente. Se isto resolve aparentemente os problemas momentâneos do partido, parece-me no entanto, perfeitamente prejudicial aos interesses do país, na medida que, o partido em causa, perdeu uma grande oportunidade de se confrontar consigo próprio e com as suas capacidades, preferindo definir as suas posições e estratégias, somente como reacção ao que os outros fazem ou pensam fazer, num futuro político e eleitoral próximo, aceitando atitudes e procedimentos de risco máximo para a conquista do poder. Como é que um partido importante e com vocação de poder como o MLSTP/PSD pode contribuir para o enraizamento da democracia política na nossa sociedade, ajudando assim a construir um futuro de liberdade para todos nós, conservando no seu seio, vícios e tiques antitéticos ao sistema político vigente no país ?
Não me apetece momentaneamente, relembrar Rosa Luxemburgo e as suas discussões com Lenine, porque provavelmente, os barões do MLSTP/PSD conhecem-na melhor do que eu. No entanto, ela dizia que “… a liberdade é sempre unicamente liberdade para quem pensa de outro modo. Não é por fanatismo de “justiça”, senão porque tudo o que possa haver de instrutivo, saudável e purificador na liberdade política, depende dela, e perde toda a eficácia quando a “liberdade” se torna um privilégio…”
Neste congresso, os conservadores não terão tido um tratamento privilegiado de liberdade em detrimento dos renovadores ? Como é que se pode fazer referência ou alusão às várias correntes de opinião ou tendências existentes no seio do partido, (renovadores / conservadores) como Pinto da Costa fizera no seu discurso de abertura, e ao mesmo tempo, diluir ou suprimir a manifestação dessas correntes e do seu antagonismo no seio do partido, através de tentativas forçadas ou aparentes de construção de unidade ? Isto só é possível e compreensível à custa de direitos de participação e sobretudo de decisão que, constituem essência de qualquer sistema democrático. A diferença gritante entre votos expressos e contabilizados que contribuíram para a eleição do actual Presidente do partido e o número de delegados ao congresso em causa, não será sintoma dessa fragilidade ?
As tendências ou correntes de opinião no interior dos partidos, sobretudo em tempos de crises, constituem uma inevitabilidade, e é o próprio Pinto da Costa que admite a sua existência no interior do MLSTP/PSD, e, como tal, a sua livre expressão devia ser um sinal de saúde democrática, manifestada em propósitos de apresentação de candidaturas alternativas para os diversos órgãos do partido, incluindo a Presidência.
Os supostos renovadores, também têm culpas, na medida que, submissos e em silêncio, deixaram o partido percorrer a partir de agora, um caminho que aparentemente discordavam, pouco favorecedor da regeneração necessária, após uma presidência carismática e personalizada como a do Pinto da Costa. O que é que os renovadores pensam por exemplo da reorganização do partido, tendencialmente dirigida para protecção do mesmo em relação a estratégias de manipulação por minorias, políticas de facto consumado, golpes, capacidade de dramatização das situações introduzidas por alguns agentes políticos singulares, etc ? O que é que pensam do alcance informativo, acesso a espaços de debate, intervenção e decisão, de todos os militantes do partido no interior do mesmo ? Quais são os protocolos de comunicação e abertura que devem ser estabelecidos com a sociedade civil, maximizador da satisfação dos objectivos políticos momentâneos do partido ? É óbvio que, não conhecendo, por omissão e/ou submissão dos propalados renovadores, as respostas para estas e outras questões com que o partido e o próprio país se confrontam, os mesmos acabaram por claudicar e ajudar a transformar este congresso partidário do MLSTP/PSD num congresso dos conservadores. É óbvio que os barões do MLSTP/PSD sabem que o modelo excessivamente personalista da nossa cultura política, prevalece sobre qualquer tipo de doutrina ou voluntarismo de ocasião. Por isso mesmo, nada melhor do que explorar o “filão” Pinto da Costa até ao limite ósseo, por vontade e interesse deste e contentamento de uma parte do partido. É a simbiose perfeita para os próximos tempos de “guerra” e incertezas. Se isto assusta e atormenta meia dúzia de pessoas bem identificadas no interior do partido, o que me parece normal, o mais significativo é que deixa excitada a generalidade da oposição e uma parte da elite local.





publicado por adelino às 14:05
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Sexta-feira, 22 de Abril de 2005

Coqueiro

ST06r.jpg


Autor da foto:Lionel Healing


E se os coqueiros falassem? Será que não falam?! Embora nascessem firmes; resistem às agruras do tempo, dobrados, vergados e tortos, com medo de tocarem o chão que suporta as suas raízes. Temos de inventar uma linguagem para os coqueiros, onde possa caber a palavra ESPERANÇA...








Coqueiro



Ali, na rua do Carmo
um coqueiro ficou abandonado
quando destruiram a casa velha
a que deu sombra.


E onde um par enamorado
teve sonhos de Amor,
nesse pedaço de Luanda antiga
agora modernizada.


E o coqueiro ligado à terra,
tombado na direcção
da Rua da Pedreira,
como filho nos maternos braços
ali ficou.


Talvez para saudar alguém
que muito sofreu e amou...



Mas tudo acaba e o tempo
tudo anda a destruir,
- porque tudo é passageiro,
quando se vive a mentir.


Ó pincelada verde na cidade,
ruina e gótica coluna
de marmore verde...


Morre, coqueiro morre,
Antes que os homens, tão maus,
cometam a crueldade
de te expulsar e matar.


Morre de pura saudade...


E perdoa, mas sofre como um homem,
coqueiro das verdes palmas,
porque tudo, afinal, na vida, é triste
quando se matam almas...



Autor: Tomáz Vieira da Cruz - Angola


publicado por adelino às 21:43
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Quinta-feira, 21 de Abril de 2005

A impunidade de Tlúki Sum Dêçu e o fenómeno de Compra de Poder

zunzuncito.jpg



Salta, Salta... Salta Passarinho! A virtude do teu voo rasteiro, matreiro e solitário, há-de congelar na gravana do tempo.







Mesmo mortos, depenados, esquartejados, cozinhados, comidos e digeridos, eles renascem qual Fénix, e, saltitando velozmente, de ramo em ramo dos pequenos arbustos, abençoam-nos ciclicamente, amplificando o nosso adormecimento:

N`sa Tlukí Sún Dêçu !
Cu bi dá bençon ….


Este favor divino, repleto de ironia e simpatia, em forma de cântico, traduz o modus vivendi de uma ave, aparentemente insignificante, que, não sendo de rapina, atormenta a vida das pessoas, despojando-as de todos os bens e da própria vida, sobretudo em casos extremos de teimosia e desafio.
Esta estória de Tlukí Sún Dêçu, de grande carga simbólica, ganha relevo e importância momentaneamente, sobretudo para quem acompanha a realidade de S.Tomé e Príncipe através de noticiários da R.D.P/ R.T.P África, bem como alguns relatos da imprensa.
De facto, o estado de alma do país, mesmo à distância, é muito mau. Descobrem-se todos os dias, mais casos que indiciam corrupção – no sentido jurídico-penal ou restrito do termo – e contribuem para minar ainda mais, a credibilidade dos políticos, junto dos cidadãos.
Pode um ministro, - qualquer que ele seja – que assina um contrato ruinoso para o país, continuar a saltar de governo em governo, sendo ainda, compensado nos períodos de reabilitação forçada, com cargos de assessoria, direcção, administração de empresas ou de institutos fantasmas, renascendo incólume, política e criminalmente, aos olhos dos cidadãos, com retórica musical e comportamento que estimulam a indiferença, apatia ou adormecimento popular ?
Qual ave de rapina, estes seres têm um apurado sentido de visão; aparentemente depenados, mortos, esquartejados e comidos, ressuscitam com uma velocidade estonteante aos olhos do povo; irónicos e simpáticos, atormentam sem piedade a nossa vida colectiva. E assim, vai-se aumentando o número de Tlukís Súm Dêçu na comunidade, que, com a auto-estima reforçada, consequência da impunidade com que são votados, contribuem com as suas repetidas acções, para o bloqueio de qualquer tentativa coerente e organizada para o desenvolvimento do país.
Compreende-se pois, que, num curto intervalo de tempo, tenham sido denunciados ou anulados contratos assinados, comprometendo o Estado Sãotomense, com ERHC/Chrome, T.D.N, Energem Petroleum/Diamondworks e mais recentemente com a empresa de telecomunicações Ronda. Parece-me ser uma anormalidade factual gritante, para quem, vocifera e reiteradamente questiona a existência da corrupção no país, com a ausência dos suportes materiais que indiciam a prática do crime em causa. Mesmo não se tratando de corrupção, e, mesmo assim, os contratos em causa foram anulados ou questionados por iniciativa governamental e/ou pelo ministério público respectivamente, por prejudicarem gravemente o país, então, tratar-se-á de um caso flagrante e repetitivo de incompetência, o que se afigura como um desastre de proporções incomensuráveis para o país, na medida que, estes mesmos Tlukís Sún Dêçu, para além de impunes, são gratificantemente promovidos posteriormente, para tarefas mais exigentes do ponto de vista político e/ou técnico.
O caminho parece tendencialmente irreversível, - geracionalmente falando – na medida que, há muito tempo que, estes picos conjunturais e cíclicos de falatório nacional, impacto mediático e impunidade generalizada associada, encarregaram-se de espalhar a ideia e convicção junto da plebe, de que, se a elite e os políticos fazem este papelão, nada melhor do que generalizá-lo no seio da administração pública e outros sectores importantes da vida nacional. Está instalada assim, desde há muito tempo, no contexto comunitário, a cadeia de relação, de cumplicidade e um ciclo vicioso que, fará arder impiedosamente, qualquer quantidade de petróleo extraída do nosso subsolo. Muito dificilmente, qualquer enquadramento legislativo de utilização dos recursos petrolíferos, por si só, minimizará o problema, e, sendo o mesmo estrutural, com causas sócio-económicas, culturais e políticas, englobando algum sector da comunidade internacional envolvida na ajuda ao desenvolvimento do país, não creio que, medidas avulsas como remodelações governamentais – por mais profundas que sejam – ou convocação de eleições legislativas antecipadas, resolvam definitivamente o problema.
Será porventura esta constatação, relativamente à temática da corrupção no país, que, levou o Senhor Presidente da República a declarar, em 09/07/02, antes da partida para Durban, para a cimeira da U.A o seguinte: “… Trata-se de uma doença enorme, eu tenho impressão que é igual ao SIDA, ou igual ao paludismo, que nos rói economicamente e que nos mantém neste subdesenvolvimento…”
Esta declaração feita há dois anos é reveladora da falta de autenticidade do poder na nossa Terra, na medida que, sendo Sua Excelência Senhor Presidente da República, o principal impulsionador da realização do Fórum Nacional, devia em coerência com a proclamação em causa, criar condições objectivas ao nível organizacional e do desenvolvimento dos trabalhos do evento em causa, que, possibilitasse a concentração de esforços e atenção, no debate do tema da corrupção no país, em detrimento da pulverização temática sem resultados concretos.
Que resultado concreto, palpável ou realizável, inerente à temática da corrupção no país, saiu dos trabalhos de realização do Fórum Nacional ? Que objectivo operacional, decorrente da realização do evento em causa, materializável num contexto de curto ou médio prazos, e, envolvendo os diversos actores políticos e institucionais do país, ficou definido, com a realização do Fórum Nacional, como medida dissuasora do fenómeno da corrupção no país ? Que ideias ou objectivos, sobre o problema da corrupção no país,
têm os diversos partidos políticos definido nos seus programas, depois de realizados os respectivos Congressos partidários ?
É óbvio que, estou a falar agora da corrupção no sentido amplo ou lato do termo, compatível com a ideia de degenerescência do poder, dificultadora do enraizamento da democracia no país. Por que razão, persiste instalada nalgumas mentes com grandes responsabilidades políticas no país, a ideia do não respeito da norma constitucional vigente, ou a sua manipulação para atingir determinados fins políticos ? Que contributos trouxe o Fórum Nacional, para minimizar o problema generalizado de compra de votos ou de consciência, durante os actos eleitorais no país, já também extensível aos contornos de luta e prática nos Congressos partidários, como no caso recente do Congresso do ADI ?
Num contexto de debilidade institucional a todos os níveis e limitativo em termos de reivindicação e participação cidadânica, estão criadas assim, desde a base até ao topo, as condições para o processo de compra do poder, enquanto uma mercadoria ou negócio, posicionando-se já, na primeira linha, decorrentes do interesse e apetite pela temática petróleo no país, compradores endinheirados, de origem mais ou menos longínqua. Neste caso, o processo político como fenómeno de conquista da adesão do governado desaparece, e, os partidos políticos estão a transformar-se paulatinamente, em agências mercantis. Por isso, é que, torna-se imprescindível muito dinheiro e envolvência de países terceiros bem identificados, nos momentos eleitorais em S.Tomé e Príncipe.
É neste quadro de angústia colectiva e de manifestação da pequenez da nossa alma que, vamos intensificar a nossa integração regional. Que Deus nos proteja!!
A competição agressiva entre os diferentes grupos que constituem a elite política dirigente, fruto do desmembramento forçado do governo alargado de unidade nacional, criou condições objectivas, para o surgimento e denúncia pública de uma quantidade anormal de casos indiciadores da corrupção no país. Depois da RONDA, serviram-nos G.G.A para que pudéssemos chegar mais rapidamente aos BALNEÁRIOS, transformando assim o país, no maior BACANAL VIRTUAL do mundo, onde os Tlukís Sún Dêçu podem cruzar e multiplicar, reproduzindo socialmente, num futuro não muito distante, o mesmo quadro fílmico do presente.
Torna-se urgente momentaneamente: repensar as condições de funcionamento do nosso sistema partidário; criar condições políticas, sociais e económicas que propiciem a mudança de mentalidade num futuro próximo, minimizadora da indiferença e apatia popular perante os problemas do país; criação de um código de conduta ética inter-partidário, sob fiscalização de uma entidade de natureza semelhante que, sensibilize e obrigue os nossos políticos e governantes a submeterem-se à lei que os próprios editam e executam; aceleração da reforma da administração pública, não descurando incentivos de natureza financeira e mérito aos trabalhadores mais empenhados; criação de uma agência específica e independente, de luta anti-corrupção, dependente exclusivamente da Assembleia Nacional, constituída por cidadãos idóneos, com objectivos de investigar e levar aos tribunais os casos de corrupção, recomendar ou propor mudanças legislativas e administrativas minimizadoras de actos de corrupção e, com fins pedagógicos, tendencialmente dirigidos para a mudança de crenças e expectativas dos cidadãos.
Espero, sem grandes pretensões moralistas e muito menos ainda, sem ilusão relativamente à regeneração global do sistema político vigente no país, ter dado um pequeníssimo contributo para a reflexão necessária, pertinente e desejável, sobre a temática em causa.










publicado por adelino às 21:09
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Quarta-feira, 20 de Abril de 2005

Rinoceronte-Branco, Búfalos, Lagaia e outros Bichos

Lagaia.jpgAutor da foto: Xavier Munoz (Yahoogroup-STP)


Procura-se domesticadores para espécies exóticas...






Domingo, 17 de Agosto! Começo a calcorrear em passada descontraída, um estreito caminho, esculturalmente comido pela avareza do tempo e desleixo humano que, me há-de levar ao recanto, momentaneamente mais simbólico do país. Trata-se da Capela de Nossa Senhora da Boa Morte. Aí há sinais de festa: a bandeira que continua içada perante tímida exaltação popular; inquietação dos juízes com o inconstante brilho das tochas de azeite que, ajudam a colorir a enegrecida e descomposta mobília do Santuário local e, a agitação do festeiro-chefe, imaculadamente vestido de branco, perante deslizes imperdoáveis de organização, relacionados com a chegada atempada de iguarias necessárias, para satisfação de apetites selectivos dos seus convidados de honra.
Como povo, somos provavelmente ao nível do mundo, o expoente máximo de eficiência, relativamente ao casamento entre manifestação da fé e exaltação festeira. Aos Templos juntamos o rufar dos tambores e, para suavizar o rigor no cumprimento dos dez preceitos do Mandamento e salvação das almas, nada melhor do que, muita comida e bebida.
Por isso, temos “FESTA ATRÁS DE IGREJA” continuamos a rir descontraidamente das nossas próprias desgraças e, transformamos os sucessivos golpes de Estado no país, em autênticas festas. É uma particularidade notável ao nível do mundo.
É neste ambiente de festa na Boa Morte, que, encontro o Rafael numa roda grande de amigos. Momentaneamente convertido em escrivão da referida festa, Rafael despacha os convidados especiais com relativa facilidade para os respectivos lugares, de acordo com a ordenação dos mesmos existentes numa lista, aparentemente secreta, que, esconde debaixo dos braços. Homem de sete-ofícios que, cultiva a discrição, sabe muito bem, ser suficientemente astuto, para mobilizar simpatias em torno dos seus projectos pessoais e ambições. É por isso, conhecido na freguesia e no país, como “TODA-MESA” e, não dispensa o seu papel – quase vitalício – de escrivão, saltando de festa em festa, em todas as freguesias do país.
Eu e a generalidade das pessoas presentes nas imediações da Capela, - maioritariamente masculinas – somos convidados pelo “TODA-MESA”, para dirigirmos para o interior da mesma, cuja estreita entrada, encontra-se completamente entupida. Espreito com alguma dificuldade para o interior da Capela e desisto imediatamente da tentativa de desobstrução daquela montanha humana. Um facto curioso desperta a minha atenção: cerca de noventa e cinco por cento das pessoas que se encontram no interior da Capela são mulheres; enquanto a maioria dos homens preenche o espaço exterior da mesma, em grupos mais ou menos conspirativos, sobre a essência organizativa da festa, pouca diversidade gastronómica disponível e valor aromático e qualidade do vinho de palma, precocemente distribuído aos presentes. Os homens desistiram de Deus e entregaram às mulheres, a tarefa valente de salvação das almas.
Cumprido o ritual da praxe que ajudou a consolidar a imagem do “TODA-MESA” na generalidade das freguesias e no próprio país, este convida-me e mais uma dúzia de amigos seus, para um recatado jantar, num dos célebres restaurantes da cidade de S.Tomé. Estranho inicialmente o convite tendo em conta, a amplitude dos convivas, generosidade inesperada do anfitrião e duplicação espontânea de cenários festivos, embora com características distintas. No entanto, o paleio argumentativo e dinâmica discursiva habitual do “TODA-MESA”, contribuíram para suavizar as minhas dúvidas. Lá fomos os catorze convivas espremidos em dois carros, para o supracitado jantar.
Não se tratando de celebração de nenhuma efeméride importante, esperava eu, que, fossem adoptadas regras preliminares anteriores à dinâmica dos pedidos e recheios dos pratos, para que, o montante final da conta, não fosse excessivo para qualquer dos participantes, no referido jantar. Pura ilusão! O “TODA-MESA” no seu desconcertante jeito de anfitrião ensaiou a proposta de divisão da conta, igualmente por todos. Era o que faltava para que os tigres esfomeados pudessem saltar impiedosamente para cima de presas indefesas. Sendo assim, assistiu-se a uma corrida desenfreada às iguarias mais selectivas da casa, regada com champanhe Francês, sobremesa exótica e uísque Escocês raro. O resultado foi catastrófico: uma factura exorbitante para que todos pagassem e tiques de melancolia entre os presentes.
O cenário descrito acima, não é muito diferente daquele que sustenta a realidade do país, ou seja, naquele contexto, faltou: a adopção e cumprimento de regras por parte de todos os convivas no jantar; um chefe que centralizasse as escolhas de entre os pratos ou iguarias disponíveis no restaurante; ou em alternativa, boa fé ou civismo dos participantes.
De facto, as causas da nossa baixa auto-estima como povo e caos institucional que se vive no país, têm raízes profundas. Não pode haver boas decisões e mobilização para a tarefa de desenvolvimento, sobretudo em intervalos de tempo amplos, se, não houver organização, regras adoptadas e cumpridas por todos e sobretudo, autoridade. A organização é essencial porque permite criar alicerces para um trabalho colectivo continuado com fundamentações qualificadas. Isto só é possível no estado actual do desenvolvimento do nosso país, com o estabelecimento de novos protocolos de comunicação e de relação entre o PODER e o SABER. A adopção e cumprimento de regras é imprescindível porque, torna possível o contrato de organização e acção e amplificam as possibilidades de sucesso. A autoridade é o embrião e factor determinante da acção porque, implica orientação e comando.
No entanto, no contexto actual – social, económico e cultural – do país, falta organização onde há um mínimo de regras estipuladas que podiam ser cumpridas por todos; ou na generalidade dos casos, não há organização nem regras adoptadas e cumpridas por ninguém, o que, dificulta a emergência e consolidação da figura de autoridade. Só assim, se compreende a inversão e confusão dos papéis dos vários agentes políticos e sociais; o colapso crónico das instituições e a emergência e poderio de novas “espécies exóticas” no nosso “(ECO) SISTEMA POLÍTICO”, com reflexos na consolidação da democracia no país. De facto, os efeitos devastadores provocados pelos “BÚFALOS”, “RINOCERONTE-BRANCO” e outras espécies exóticas introduzidas – voluntária ou involuntariamente – no nosso “ ( ECO ) SISTEMA POLÍTICO” merecem preocupações e reflexão profundas.
Os “BÚFALOS” como têm um carácter excêntrico e recusam o adestramento, intimidam e deixam marcas insanáveis no “(ECO) SISTEMA” . Além disso, sendo ruminantes, têm tendência a remoer os alimentos que voltam do estômago à boca.
Os “RINOCEROTÍDEOS” sendo animais de corpo robusto, cabeça e orelhas grandes, têm uma boa audição, no entanto, apresentam um sistema visual diminuído.
Sendo ambos mamíferos e herbívoros, estão reunidas as condições para uma luta titânica nos próximos tempos, em prol do controle da hierarquia, na cadeia alimentar, no nosso “(ECO) SISTEMA POLÍTICO”, sobretudo num momento em que, algumas espécies refugiam-se estivando.
Estando “LAGAIA”aparentemente fora desta luta, mas; sendo conhecedor antigo dos meandros das relações bióticas que se estabelecem no “(ECO) SISTEMA” e noctívago por excelência, - embora em vias de extinção - não abdica do seu papel de predador de primeira linha.
Estamos assim, na fase preliminar da alteração da configuração inicial do nosso “(ECO) SISTEMA POLÍTICO” , com : a emergência de novas espécies; aparente extinção de algumas e envelhecimento precoce de outras. As consequências serão nefastas, na medida que, não há “(ECO) SISTEMAS que resistam a transformações desta envergadura, sem danos colaterais, sobretudo, num contexto de ausência de um conteúdo colectivo de defesa de causas nobres, de que o país tanto carece.







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Terça-feira, 19 de Abril de 2005

A Erosão do Tempo observada de uma Discreta Janela...

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Autor da foto: Lionel Healing



Sessenta e Um virou Trinta e Um...



Chove torrencialmente nas ilhas! Uma placa desajeitadamente colocada nas ombreiras superiores da porta, assinala: BOTEQUIM – MARIA PRETA & CARDOSO. Lá dentro, esconde algo mítico, apelativo, que devora qualquer cenário de indiferença.
Ao redor de uma mesa, encontra-se uma pequena multidão, maioritariamente masculina, cujos tiques, oscilações de expressão e entusiasmo, não consigo descortinar as causas. Aproximo-me lentamente, com cuidado e zelo de quem pode interromper, involuntariamente até, uma qualquer sessão ritual mágica ou coisa parecida. Ninguém dá pela minha aproximação. Um silêncio sepulcral rasga as minhas tentativas forçadas de imaginação e compreensão do comportamento daquela pequena multidão.
Qual a causa daqueles tiques? Por que razão mudam de expressão e entusiasmo com tanta rapidez? Se não há música nem qualquer outro estímulo adequado, por que razão gesticulam no vazio sonoro?
Coloco-me estrategicamente num dos bancos fixos, defronte do balcão, suficientemente perto para detectar a origem dos códigos que parecem embriagar de entusiasmo e inquietude, a alma daquelas pessoas. Descortino quatro figuras masculinas, de meia idade, sentadas em cada um dos lados da mesa, com os cotovelos ou as mãos sobre a mesma. Aqueles quarenta dedos parecem autênticas guarnições, no interior dos quais se escondem vinte cartas que, hão-de ditar a melancolia ou felicidade de cada uma das duplas em contenda. No meio da mesa, o Ás de copas esconde o rosto de outras vinte cartas que se encontram enfileiradas. Joga-se a “bisca sessenta e um”! Há enorme tensão, códigos e simulacros naquela mesa que, sustentam as oscilações de comportamento daquela pequena multidão, e, transformam o jogo, aparentemente banal, num acto de transcendente religiosidade. Aí, o individualismo não tem expressão e toda a manobra táctica e/ou estratégica para levar de vencida o adversário, exige desempenho e interesse inter-pares que, contamina, empolga e divide a plateia aí representada ao redor da mesa. Há como que, uma “solidariedade mecânica” inter-pares que, alimenta os propósitos daqueles jogadores e dá essência estética aos códigos aí presentes. Os dedos das mãos falam, os oito olhos seguram os segredos das quarenta cartas do baralho e os murmúrios na língua materna, lançam um aroma no ar que, suspende a respiração dos presentes. As cartas são acariciadas, vasculhadas na sua intimidade, e, mesmo nos momentos de exaltação ou manifestação fugaz de domínio sobre o outro, como nos “casamentos”que, acontecem durante os jogos, existe uma singularidade, enobrecedora do acto em causa. Não há rotinas nos gestos, nem assombro perante investidas do adversário, e os jogadores parecem descobrir particularidades novas, nas cartas descascadas de velhas. Os trunfos ganham importância redobrada, porque, permitem conter ímpetos aventureiros de manifestação de superioridade perante o adversário e minimizar estragos decorrentes da falta de sorte do parceiro do jogo. Aí, a solidariedade inter-pares é máxima; a organização é espontânea e indispensável ao sucesso; a desordem ou caos podem contribuir para contornar negativamente, o destino de qualquer das equipas em jogo. É esta a essência da “bisca sessenta e um” que, mobiliza aquela pequena multidão ao redor da mesa; solidifica a nossa religiosidade nos momentos de infortúnio inerentes aos nozadus, e, embala timidamente a nossa auto-estima, perante extremismos de manifestação de poder. Mata-se e morre-se voluntariamente, jogando! Casa-se com engenho, correndo riscos! Há igualdade de oportunidades para todos. Não há registo de qualquer outro jogo naquelas paragens, com tanta carga simbólica. Hoje, perante erosão escandalosa dos mais elementares valores morais na nossa sociedade, as pessoas optaram por jogar o “trinta e um” naquele mesmo botequim, debaixo das mesmas condições climatéricas. O único registo nostálgico naquele contexto, diferenciador da moda actual e valorizador dos alicerces da nossa identidade cultural, é a música de MÉ POMBO e MÁ PÉTU que, irrompe dos altifalantes velhos, estrategicamente colocados na rua principal onde se situa o botequim. As figuras do jogo e assistência, são as mesmas; só que, mais velhas, com tiques e comportamentos antitéticos da versão da “bisca sessenta e um”. Compreende-se facilmente esta atitude, já que, no “trinta e um” predomina a confusão, o individualismo, o egoísmo, e é mais susceptível aos contornos da batota. No “trinta e um” não há códigos nem regras que, consubstanciam uma estratégia inter-pares, nem comportamentos ou intenções que, ajudem a fomentar hábitos de solidariedade. Cada um defende os seus interesses e fortalece a sua posição táctica no jogo, fazendo-o de preferência, contra jogadores fracos. O recurso à batota é estimulado. Destas particularidades de jogar o “trinta e um” e consequentemente da nossa vida actual, resulta um perturbante desequilíbrio afectivo da nossa sociedade, com grandes implicações em todo o processo de educação e/ou socialização das nossas crianças e jovens, com repercussão na sociedade que pretendemos construir no futuro.
Alguns estereótipos decalcados de modelos importados e adoptados acriticamente nos comportamentos de alguma elite saloia local, acabam por provocar um certo tipo de caos moral, em que o cidadão comum, se vê obrigado a adoptar ou rever. A generosidade e solidariedade foram banidas do nosso quotidiano; o egoísmo e a ganância geraram o sucesso social; a delicadeza no trato e sensatez, constituem autênticas aves raras em vias de extinção. A agressividade, pelo contrário, é eleita como recurso para sobrevivência e a vaidade constitui factor indispensável de promoção social e política no país.
Os curandeiros ergueram-se em pedestal próprio e, em competição com os políticos, transformaram-se rapidamente, em figuras centrais das nossas vidas: existem curandeiros para ricos e para pobres. Há quem vaticine que, nos próximos tempos, serão estes senhores a decidirem sobre assuntos importantes da nossa vida colectiva – política, económica e social. Não raramente, os meninos da rua – que constituem juntamente com os nossos velhinhos, os elos mais fracos da nossa sociedade – pregam-nos partidas que, ajudam a antecipar o cenário fílmico do nosso destino colectivo. Como produto ainda inacabado da sociedade que estamos a construir, estes inocentes foram julgados à revelia, nos tribunais dos poderosos.
As nossas mães e avós, são indiferentemente rotuladas de feiticeiras, e, em alguns contextos, espancadas até a morte, perante passividade popular e policial.
Passamos a vida, a amenizar as nossas culpas, pecados e angústias, indo ao encontro dos sermões matinais nas igrejas e, para embalar os nossos medos, desejos escondidos, ambições e felicidade pessoal, recorremos às sessões vespertinas do nosso curandeirismo caseiro. Estamos definitivamente, de bem com Deus e com o Demónio. É neste equilíbrio espiritual que, encontramos forças e energias, para nadar nas águas agitadas do materialismo que atormenta os pilares da nossa sociedade.
Só que, este “trinta e um” pode-nos trazer problemas, sobretudo porque, as nossas crianças vão crescendo privadas de modelos consistentes que, lhes permitam “saber ser” e “saber fazer”, e, a erosão de todo o sistema de valores clássicos na nossa sociedade, começam a permitir a interiorização da ideia de que: onde existe um Sãotomense, há poder; dois, haverá necessariamente confronto; três, reinará a desorganização; quatro, implicará a anarquia e cinco, será o caos total. Começa de facto, a ser já evidente, a nossa incapacidade de união e mobilização em prol de um projecto colectivo. Por paradoxo que pareça, a materialização e moda recente, dos governos de unidade nacional e os conflitos institucionais que aconteceram recentemente no país, reflectem sintomas desta fragilidade.
Será difícil encontrar e adaptar novas matrizes de organização política e social, perante estas novas configurações que, constituem constrangimentos à sedimentação da democracia na nossa Terra, sistematicamente ignoradas (consciente ou inconscientemente) pelos políticos. É bom que, os nossos políticos entendam que, a função nobre do poder é criar as condições para minimizar ou atenuar os constrangimentos. De nada servirá o desfile da verborreia fácil habitual, em redor de temas como a liberdade de expressão e manifestação, tolerância, respeito pelas opiniões dos outros, solidariedade, companheirismo, etc, se, a montante, não se criarem as condições que, permitam a interiorização e materialização de tais condutas.
Ainda continua a chover torrencialmente na ilha, e só espero, que, as pessoas fiquem suficientemente molhadas depois de se franquear as portas e obrigá-las a saírem do interior do botequim, para que, a condição subjacente aos contornos da experiência, se transforme num diálogo reflexivo permanente, que, permita a mobilização de todos, para um empreendimento colectivo, que traga felicidade ao nosso povo.












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Segunda-feira, 18 de Abril de 2005

Banho de Conóbia e a miopia Americana

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Autor da Foto: Jonathan Baillie





Lembro-me perfeitamente de, quando criança, contemplar demoradamente nos beirais próximos dos rios, ou nas margens dos mesmos, a vaidade, preguiça e subtileza higiénica das conóbias. Sendo aves com um enquadramento cromático inconfundível, sempre despertaram a minha curiosidade e preferência enquanto criança, em detrimento do espectáculo sazonal das andorinhas que enegreciam momentaneamente os céus da minha cidade, ou irrequietude dos melros nos ramos secos de algumas árvores. Esta curiosidade e interesse, relativamente às conóbias, ficou irremediavelmente amplificada na minha adolescência, quando descobri – como qualquer adolescente Sãotomense – as crenças relativas às potencialidades do sangue e coração da conóbia e o sucesso com o sexo oposto. Juro que esta fantasia, acompanhou-me durante parte significativa da minha adolescência, e, embora tenha perseguido dezenas de conóbias, nunca logrei matar uma, com a minha afinada fisga. Por outro lado, sempre me arrepiou a subtileza higiénica da conóbia. Elegante e vaidosa nos gestos, embora preguiçosa, ela reduz as suas obrigações higiénicas, ao mergulho instantâneo nas águas límpidas dos rios, seguido de um estremecimento que, a ajuda a libertar-se da água nas plumagens. Tudo isto é feito com uma ligeireza que, embora autêntica, não deixa de arrepiar. É o “banho de conóbia!”
A nossa democracia tem particularidades, tiques e registos que, tendem a cristalizar-se, e, transformaram-na num autêntico “banho de conóbia”, sistematicamente enfraquecida com espectáculos de estremecimentos, traduzidos em crises, cujo hipocentro é a Presidência da República. Tal como a conóbia simula que toma banho; nós fingimos materializar através das instituições democráticas e participação cívica tímida, o nosso estatuto democrático, constitucionalmente vigente. Este fingimento, tem como consequências práticas, um conjunto de insuficiências que, directa ou indirectamente, contribuem para mascarar a democracia e afectar a vida das nossas populações, designadamente: a crise crónica dos partidos políticos; a ausência de separação de poderes; o nível de corrupção no país; a ineficácia organizativa da nossa administração pública; a parcialidade e inércia do nosso sistema judiciário; pouca ou nula participação cívica; tiques de censura ainda prevalecentes, limitativos da liberdade de expressão e opinião e a extensão das desigualdades económicas e sociais no país que, episodicamente levam à desordem social. Todas estas questões específicas são muito mais importantes que o abstraccionismo formal da “democracia,” repetidamente propalado pelos diversos agentes políticos no país, sem utilidade prática. Não estando reunidas estas condições básicas de suporte à democratização do país, percebe-se mal a miopia Americana que, sobrevaloriza os seus interesses geoestratégicos na região e no próprio país, em detrimento de um efectivo apoio e pressão às reformas no mesmo, contribuindo com a atitude em causa, para dar músculos aos projectos ou pseudo-projectos pessoais de poder que, deformam a essência e objectivos da nossa democracia. Tudo isto é pouco perceptível ainda, quando, a agenda de política externa Norte Americana, é suportada por neoconservadores, cujas principais doutrinas e ideais, englobam entre outras prioridades, a promoção da democracia e valores democráticos além fronteiras. Se o desejo de implementação de um projecto, de construção de uma base ou porto de abrigo Americano no nosso contexto insular, é compreensível à luz da supracitada doutrina e ideais, como forma de prevenir a emergência de conflitos na região, eventualmente hostis aos seus interesses, compreende-se mal, a timidez ou renúncia dos E.U.A no que se concerne à pressão, rumo ao aprofundamento destes valores e princípios políticos democráticos, de promoção da democracia em S.Tomé e Príncipe, como em qualquer outra latitude, sobretudo num contexto internacional unipolar.
Eu sei que no interior de um ou outro aparelho partidário nacional e no íntimo de alguns “predadores” insaciáveis, esta ideia parece absurda e contra natura, mas, os últimos acontecimentos relacionados com a crise governativa no país, bem como os contornos utilizados para a sua minimização ou resolução, reforçam a minha convicção de que, os E.U.A devem intervir, material e politicamente, para a mudança de rumo e aprofundamento da democracia em S.Tomé e Príncipe, caso contrário, os interesses dos E.U.A no país e na região, podem ser confundidos com os interesses de meia dúzia de “predadores” nacionais, e isto não será bom nem para os E.U.A nem para o povo de S.Tomé e Príncipe. Para além disso, a teia de interesses pessoais e privados, decorrentes da temática petróleo e as condições estruturais de natureza social e económica do país, maximizam os propósitos de tais “predadores”, na união de esforços, para atrofiar a essência e os mecanismos de aprofundamento democrático no nosso país, tornando a tarefa em causa espinhosa e hérculea para a empreedermos sozinhos e de forma voluntária. Os acontecimentos da crise governativa e institucional recente, reforçam as preocupações e convicção supracitadas, na medida que, é angustiante saber e constatar, que, pessoas com imensas responsabilidades no país, bem informadas, aparentemente preparadas para a missão de defesa dos interesses do país, como é o caso de Sua Excelência Senhor Presidente da República, continuarem a tomar decisões, não na base dos factos, mas; na base de preconceitos, ressentimentos, ou até por vezes, com objectivo de defesa de interesses político-partidários mesquinhos, sem tirar as devidas consequências políticas das suas atitudes. Interessa-me pouco, ou mesmo nada, saber se, na crise governativa e institucional recente, foi o Senhor Presidente da República, a Senhora Primeira-Ministra ou os Senhores ex-Ministros dos Recursos Naturais e Negócios Estrangeiros, quem esteve a mentir, ou ainda, preocupar-me sobre conteúdos de dissertações extemporâneas inerentes aos riscos que o país corre, decorrentes da anulação unilateral do contrato com a empresa Energem Petroleum/Diamondworks. Interessa-me sim, reflectir sobre factos, para os quais não houve consequências políticas adequadas e oportunas, e, continuam a contribuir para minar a credibilidade das instituições e dos políticos nacionais. É ou não verdade, que:

• nunca o país ouvira falar nem vira mencionado em nenhum jornal nacional, anteriormente à assinatura dos respectivos contratos, os nomes das empresas ERHC/Chrome , TDN e mais recentemente Energem Petroleum/Diamondworks, e de repente, toda a gente ficou a saber de um dia para o outro, que, o governo Sãotomense assinara contratos ruinosos com as respectivas empresas, tendo com isso que anular os contratos em causa, minando assim as condições futuras de negociações e credibilização das instituições do país;

• as negociações e consequente assinatura do contrato com a empresa Energem Petroleum/Diamondworks, deviam ser precedidas de um concurso público, posteriormente à discussão na Assembleia Nacional e consequente aprovação e promulgação, da Lei de Gestão dos Recursos Petrolíferos que, se encontra em fase de elaboração;

• a importância do evento – assinatura do contrato com a empresa Energem Petroleum/Diamondworks - e impacto real da iniciativa para o país em termos de sensibilização da população e credibilização das instituições, requereria maior transparência e maior intervenção da Senhora Primeira-Ministra, em detrimento do protagonismo exagerado do Senhor Ministro dos Recursos Naturais na tarefa em causa;

• o Senhor Presidente da República garantiu em entrevista pública , desenvolver todos os esforços no sentido de maximizar a transparência no dossiê petróleo e com isto, minimizar-nos da contaminação com os problemas existentes noutras latitudes;

• a frequência de crises governativas e institucionais no país, aumentou extraordinariamente, desde a chegada do Senhor Presidente da República, Fradique de Menezes, ao palácio cor de rosa, tendo em menos de metade do seu mandato Presidencial que, exonerar dois Primeiros-Ministros, resistir a um golpe de Estado e a várias crises institucionais por si provocadas – consciente ou inconscientemente.

O panorama político e institucional no país não é nada bom, mesmo após a remodelação governamental recente, fruto da crise instalada, e, um Presidente da República aparentemente susceptível a influências, ou particularmente desejoso em proteger uma qualquer concepção específica ou interesse particular, torna-se um elemento manipulável por uns interesses partidários em detrimento dos outros, fazendo perigar os esforços de aprofundamento da democracia no país e a essência e objectivos do próprio Estado. Sem Estado, não haverá cidadania e sem cidadania não haverá democracia no país.
Resta-nos evitar a extinção das conóbias no país, num contexto, onde os rios que suportam os espectáculos dos seus banhos estão a desaparecer. A mesquinhez, malvadez e masoquismo que, tende a cristalizar no interior de algumas mentes de que “ quanto pior melhor” e de que, “de crise em crise até a vitória final”, tem contribuído para a decadência e degradação da moral e do nosso sentimento patriótico. O momento é de luta, coragem e determinação e exige esforços de todos.








publicado por adelino às 21:15
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Sábado, 16 de Abril de 2005

Carta ao General Embaixador

07.jpg




Fonte: Cena Lusófona


Quinze de Agosto de 1972! Primeira alvorada do ano em que o choro da corneta desafia o cacarejar teimoso e fiel da maioria dos quintais. Aqui e ali, nota-se uma competição sonora que antecipa o cenário vespertino de guerra, entre mouros e cristãos, que, há-de sacudir e emocionar toda a ilha. Hoje, a música dos grilos, tendencialmente ciumenta, escondidos na multiplicidade de pteridófitas regadas com o orvalho, que pululam um pouco por todo o lado, de forma, tamanho e lâminas diversas, deixou de ter importância fundamental para as crianças. O que de facto encanta, são os passos cadenciados e apressados do solitário “general embaixador” suportado por uma corneta e tambor que fumegam, arrastando neste calor, bandos de gaiatos que, mais parecem “pixinhos” desgovernados perante múltiplas armadilhas de panos.
Eu era um destes gaiatos meu caro “general embaixador” que te acompanhavam naquele ritual nas avenidas e ruas descalças da nossa pequena cidade. Vi-te recolher sucessivamente, um, dois, três, quatro e cinco pares, e, aparentemente desconsolado, entregar a corneta e bandeira ao “Orangel”. Ainda lembro-me do estilo, argúcia, dedicação, empenho e prontidão, com que defendias as ideias e observações do monarca Almirante, deixando a generalidade dos soldados e capitães boquiabertos e entontecidos. Afinal de contas eras um “general embaixador”!!!
Lembro-me perfeitamente de teres cumprido com desassombro as tuas obrigações na “primeira embaixada”, junto do castelo inimigo, num contexto de prognóstico generalizado de prisão ou morte. Não só escapaste nesta e noutras batalhas, como foste sucessivamente promovido pelo monarca, perante estupefacção dos cristãos, mouros e generalidade dos bobos. Assim, trepando de degrau em degrau no interior do castelo e sem qualquer estardalhaço, chegaste ao cargo de primeiro-ministro. Há quem vaticine que, do mesmo jeito, sem levantar ondas, com paciência, humildade e diplomacia ainda intactos, inerente ao desempenho do cargo de “general embaixador”, chegarás ao cargo de Presidente da República. Não é impossível mas, será difícil, pois falta a indispensável corneta e o tambor para mobilização de soldados fiéis. Além disso, os níveis agressivos de competição no interior da corte, prometem um espectáculo dantesco nos próximos tempos, e a tua reiterada teimosia em continuar a vestir a pele de “general embaixador”, já lá vão trinta e dois anos, sendo no entanto primeiro-ministro, fragilizam as hipóteses de sucesso no decurso da viagem.
O Presidente da República vindo de outras terras, não teve pejo em anunciar ao povo, que, um aliado circunstancial, sob sua influência e poder, apresta-se para conceder mais um avultado empréstimo ao país, para que o mesmo possa fazer face aos constrangimentos de natureza social e económica prevalecente, sendo a disponibilidade em causa, extensível aos contornos de vontade e interesse, na abertura de uma missão diplomática no país. O mesmo actor político e institucional, não hesitou em afirmar publicamente que, a alavanca estratégica para o desenvolvimento do país, deve ser a aposta no sector primário, em detrimento de medidas avulsas sem retorno e descontextualizadas do modelo de desenvolvimento que de facto serve o país.
Em contraposição, não descurando o teu papel de “general embaixador” que, mais se assemelha ao de tesoureiro do reino, e sobretudo para o sossego da coroa, tens percorrido o império todo, num espalhafato mediático sem precedentes, levando novas, e distribuindo mantimentos, alfaias de culto e muito dinheiro aos pobres. Neste passeio interno mediático-obsessivo, não tens perdido a oportunidade de recomendar aos pobres em causa que, regressem à roça, não descurando nos teus sermões aos coitadinhos, dissertações no âmbito da psicologia cultural ou individual, sobre a evolução e conceito de pobreza entre nós. Ou seja, os tiques de conservadorismo e lealdade imperial, não te deixam despir a pele de “general embaixador” que sempre foste, sendo momentaneamente primeiro-ministro. Daí a confusão de papéis e funções no reino: o Senhor Presidente da República é cada vez mais, primeiro-ministro; da mesma forma que desempenhas cada vez melhor, o teu papel de “general embaixador moderno”.
Meu caro “general embaixador”, não conheço nenhum país do mundo que resolveu o seu problema de abando escolar, ou melhorou de forma sustentada a sua taxa de escolarização, oferecendo dinheiro de forma avulsa aos pais ou encarregados de educação, para que estes ajudassem a estimular a mudança de hábitos dos respectivos discentes e com tal contribuir estatisticamente, para o sucesso escolar nacional. As causas da baixa escolarização e do abandono escolar no nosso país, são estruturais e múltiplas, e, perspectivar a análise em causa de forma tão simples, avulsa e leviana, desculpabilizadora da própria insuficiência e negligência do Estado em todo o processo, parece-me um flagrante despropósito. As estratégias para o combate ao abandono escolar – entendida como perda de efectivos discentes ao longo do percurso escolar – não pode nem deve incidir exclusivamente sob condicionalismos motivacionais de natureza estatística. Tem que ser muito mais do que isso e constituir um desígnio nacional. É urgente recuperar entre nós, a ideia da Escola como espaço onde os nossos jovens, sem excepção, tenham acesso a uma formação comum, com objectivos de socialização e também de aquisição de competências essenciais, expressa em conteúdos programáticos pertinentes, que, permitam o aprofundamento da democracia na nossa Terra, a gestão responsável e crítica dos nossos recursos naturais e consequentemente, a construção de um país mais próspero, justo e equilibrado.
Meu caro “general embaixador,” tudo isto não se faz somente, com medidas avulsas de apoio financeiro às mães carenciadas (que bem precisam!) num espectáculo mediático de gratificação aos súbditos, transformando a acção em causa, aparentemente meritória, num precedente perigoso e esbanjador dos fundos públicos, sem resultados sociais palpáveis. Além disso, os nossos problemas sociais de hoje, decorrem em grande medida, do menosprezo, falta de orientação e coordenação do sector educativo, num passado recente na nossa Terra. Ou seja, os problemas diagnosticados hoje, reflectem as insuficiências políticas de ontem. Por isso, para além de combater ou minimizar os constrangimentos sociais existentes, temos que romper com o ciclo titubeante, avulso, trapalhão e sem resultados, de políticas adoptadas no país. Sendo assim meu caro “general embaixador”, não fique preso aos contornos de um passado claustrofóbico, legitimador anacrónico de linhagens que entristece-nos e transforma o país num cemitério de súbditos. É o momento de pegar em três ou quatro ideias (elaboração e execução de um plano de combate e prevenção da corrupção no país, análise, avaliação e reforma do nosso Sistema Educativo, melhoramento do rendimento das famílias Sãotomenses e aprofundamento da democracia no país) preparar tropas, transformá-las em desígnios colectivos, arregimentar consciências, e marchar…marchar. Sê primeiro-ministro meu caro “general embaixador”!!! Não haverá tão cedo, uma terceira oportunidade para causar boa impressão.Com os melhores cumprimentos, subscrevo com a mais alta consideração.





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