Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2005

"Reaprender a chorar"

Quando era miúdo, em plena adolescência, lembro-me perfeitamente de um acontecimento familiar dramático que, mudou radicalmente a concepção, que até então, eu tinha da vida, do respeito pelos outros e da própria compreensão da resposta sentimental humana, aos vários tipos de dramas que, acontecem diariamente. Foi a morte de uma tia minha. A estrutura abandonada de um quilalá1 inacabado, o vão frágil de uma pequena escada da casa, as janelas, o quintal (já abarrotado de pessoas de todas as origens) a cozinha improvisada, tudo serviu para suportar o peso das lágrimas e do chorrilho ensurdecedor em forma de música que, saía daquelas gargantas cansadas de vida, e, acabavam por corromper as almas dos presentes, mais ou menos distantes do local em causa. Suavemente, esta sopa de lágrimas e quidarê, foi dando lugar aos gestos de solidariedade, cooperação e conforto menos espontâneos. De repente, já não havia lugar lá em casa e no quintal, para colocar tanta iguaria com origem tão diversa e genuína. Ligeiramente encostado a um coqueiro, que, transpirava até as fibras na parte inferior do tronco, como que, contaminado pela dureza do desastre emocional colectivo que acontecia, não consegui verter uma única lágrima, embora amargurado até ao tutano. Na altura, tive dificuldades em compreender e aceitar, os caprichos de natureza psicoorgânica pessoal, que, me limitava em termos de expressão emocional, compatível com a manifestação da generalidade dos presentes, deixando-me parcialmente desnudado, perante uma “tribo de sensíveis e iguais”. Naquele momento, eu era o insensível de serviço lá em casa. Aquelas pessoas choravam desalmadamente e, no entanto, as lágrimas fugiam de mim como Diabo da cruz. Estava e sentia-me só perante o mundo. Mas, tinha a certeza que, compreendiam e interpretavam favoravelmente o meu silêncio, a minha angústia e a minha verdade, manifestada naquela massa corporal de um adolescente, regularmente traquinas; mas, momentaneamente frágil, vincadamente marcado nos contornos indisfarçáveis de expressão facial que, o tempo congelou o sorriso. Juro que, desde aquela altura, “aprendi a chorar” e a minha capacidade de indignação perante os problemas e dificuldades dos outros, nunca mais foi a mesma. Tendo crescido assim, neste ambiente profundamente marcado pela cooperação e solidariedade entre as pessoas, habituei-me – e penso que todos os da minha geração e gerações anteriores – à ideia de um país identicamente cooperativo e solidário. Infelizmente, o tempo encarregou-se de me provar o contrário. Esta retrospecção vem a propósito dos acontecimentos recentes que, contribuíram para o estilhaçamento da nossa auto-estima. O primeiro-ministro Cabo-Verdiano, em visita de trabalho à S.Tomé e Príncipe, por ocasião de mais uma cimeira da CPLP, emocionou-se profundamente, ao verificar as condições de miserabilismo extremo, em que vive, uma parte considerável dos seus concidadãos naquelas ilhas, ao ponto de, não conseguir expressar qualquer palavra, quando questionado por um jornalista local. Passada a “hecatombe” emocional, o primeiro-ministro em causa e toda a sua “entourage” governamental, não têm poupado nos esforços, imaginação e diplomacia, envolvendo países terceiros, ONG`s e quadros Cabo-Verdianos, no sentido de, mais rapidamente possível, alterarem a situação de vida daquelas pessoas, reiterando juras, de que, se trata de um desastre humanitário. Consta mesmo, que, um jurista Cabo-verdiano, está a estudar a possibilidade de processar judicialmente o Estado Português, pelo seu contributo – directo ou indirecto – no caso. Aquele mesmo miserabilismo indescritível que, emocionou profundamente o primeiro-ministro Cabo-Verdiano, e, existe espalhado um pouco por todo o país, extensível à grupos variados da comunidade autóctone, não fora suficiente, até então, para emocionar de forma tão radical os decisores locais. Não me atrevo a especular muito e em abstracto sobre uma matéria tão complexa, mas, parece-me compreensível que, as emoções dos seres humanos, possam ser diferentes de indivíduo para indivíduo, e de igual modo também, as suas percepções dos problemas, expectativas, comportamentos e ambições. Acredito que, a interiorização e operacionalização de conceitos como a pobreza, solidariedade, cooperação e mesmo prática democrática, com conteúdos diferenciados para os decisores locais dos dois países, fruto dos percursos histórico-culturais, sociais e económicos, também diferenciados, tenham contribuído para a expressão diferenciada de tais comportamentos e atitudes. Só assim, compreende-se que, sob ovação dos decisores nacionais, segmentos significativos de populações, estejam condenadas aos contornos de uma dieta alimentar, baseada em banana, coco, pão, jaca e búzio, sem educação condigna, cuidados básicos de saúde, água e saneamento, mas, o quadro em causa, seja suficiente para fazer chorar um primeiro-ministro de um outro país. Desta vez, embora num contexto dramático completamente diferenciado, o insensível de serviço foi o primeiro-ministro Cabo-Verdiano que, angustiado, triste e só, comportou-se como um “menino mimado”, em antítese, ao espalhafato dos militantes do “clube de escrúpulo nacional”. Compreende-se desta forma, as razões para a diferença de desenvolvimento, capacidade de indignação perante os problemas e aprofundamento da democracia, existente entre os dois países. De quantos “meninos mimados” precisaríamos nós neste momento? As lágrimas sentem vergonha da nossa hilariante e inconsequente capacidade de indignação e refugiam-se noutras paragens. Por isso, não choramos perante dramas desta envergadura, e, as nossas ambições e expectativas perante os outros e o próprio país, são baixas. Ironicamente, menos de três meses após este gesto de denúncia pública do caso e assunção pessoal e institucional por parte do primeiro-ministro Cabo-Verdiano, de que, não abdicava de nenhum expediente para a mudança da situação dos cidadãos Cabo-Verdianos em S.Tomé e Príncipe, o país surpreende o mundo e uma parte dos seus cidadãos menos atentos, com uma cascata enorme de escândalos indiciadores da corrupção no país, tendo o Presidente do Tribunal de Contas declarado, que, os casos até então relatados, correspondem a uma gota de água no oceano. O primeiro-ministro Cabo-verdiano deve estar agora a rir-se, porque, a sua insensibilidade, depressa abriu caminhos para a implementação da transparência e honestidade como bandeira para a governação do país. Não bastando esta sensação de humilhação colectiva, soube recentemente através dos noticiários da RTP África que, Cabo-Verde está a formar os oficiais paramilitares Angolanos, país que, como se sabe, saiu recentemente de um contexto de guerra civil e tenta reerguer-se sob alicerces sólidos de um verdadeiro Estado de direito democrático, não descurando neste caso particular, dos contornos de formação das suas forças policiais, compatíveis com este desiderato. Compreende-se esta preocupação e expediente. No entanto, e, por paradoxo que pareça, as nossas forças policias têm sido formadas em Angola. Angola está definitivamente a organizar-se para a paz; nós estamos a preparar para a guerra. Temos todos de reaprender a chorar!


Cassandrex


 Setembro de 2004


 


Quilalá1 – nome dado a uma pequena cubata no crioulo do Príncipe, do género Vamplegá no crioulo de S.Tomé.

publicado por adelino às 23:58
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"Dispidi Longô angustiante"

Dezembro tem uma carga simbólica, evocativa dos contrastes que nos aprisiona em lugar nenhum. Por um lado, a vida familiar, afectiva e profissional, marcadamente territorial, impele-nos para formas de consumação de rotinas que maximizam o mundano. Por outro lado, o advento natalício, proporciona-nos períodos de reflexão que, ajudam a encurtar distâncias e aligeirar o fardo nostálgico inerente aos constrangimentos da ausência prolongada do país natal. É neste carrocel , que, a vagabundagem espiritual divorcia-se das algemas de qualquer estrutura física e compatibiliza-nos de forma sintónica, com um tempo, espaço, cultura e política, momentaneamente distante, mas suficientemente perto e real, para não permitir fugas ou ausências, indiciadoras da inacção individual e/ou colectiva, susceptível de ajudar a promover mudanças no nosso país. É neste contexto, que, releio o trabalho jornalístico do JON LEE ANDERSON, sobre S.Tomé e Príncipe, saído no “THE NEW YORKER” no Outubro passado. No referido trabalho, o jornalista em causa, refere que, num dia, estando FRADIQUE DE MENEZES mostrando-lhe a sede dos seus negócios de cacau, disparou com alguma tristeza : “ O ano passado, eu tinha uma boa vida, ganhava dinheiro, tinha meninas e festas, e vieram os TROVOADAS perguntarem-me se eu gostava de ser presidente, e aqui estou eu ! “ A frase, aparentemente inofensiva, revestida de autenticidade, embora com grande ingenuidade ao nível de forma e conteúdo político, revela-nos a essência da “praxis política” na nossa Terra, e , as dificuldades que, tendem a eternizar-se, relativamente à passagem de testemunho geracional dos diversos actores políticos, sobretudo num contexto marcadamente vincado, de forte personalização da vida política. O país vive uma crise de valores decorrente da sua situação económica e social, com repercussões ao nível dos partidos políticos nacionais, sendo esta última mais visível, porque, também existe uma crise de afirmação de projectos pessoais de poder, que, sempre existiu no nosso país. O reforço do registo “DISPIDI LONGԔ de MIGUEL e PINTO, não comportando ambições em termos de projectos políticos de natureza pessoal, é fortemente condicionado pelas preferências, escolhas, emancipação e carisma, dos substitutos que, cada um deles adoptou ou venha a adoptar, e pela dinâmica política e social no terreno. As preferências não trazem mal nenhum ao mundo porque não ultrapassam o nível do julgamento; as escolhas, pelo contrário, concretizam-se em actos, mediante uma pluralidade de possibilidades. Neste contexto, MIGUEL criou, preparou e engordou alguns falcões e papagaios que, actualmente proliferam no céu do país. Alguns falcões engordaram tanto, ao ponto de condicionarem a manutenção e crescimento do reino MIGUELISTA. Têm registos de voos mais ou menos rasteiros, condicionando a criação de pintos no quintal, que, acabam por enfurecer o seu criador. Os papagaios, aprenderam a falar tão depressa e bem, com uma habilidade desproporcionada, que, hoje constituem registos incomodativos da corte. Num momento particularmente complexo da nossa história, MIGUEL preferiu e escolheu FRADIQUE DE MENEZES, perante estupefacção e incredulidade do próprio e da generalidade da nobreza. Este, não hesitou em tratar o pai a soco, logo após a glorificação eleitoral. MIGUEL, eficiente e discreto, qual “cobra preta” ensaia o seu “passô” num clima de combate invisível com o filho bastardo, despido de artilharia convencional . Por isso, os ataques são telecomandados, disfarçados e com grande carga mortífera . É uma tarefa que requer paciência, passos seguros e milimetricamente escolhidos, embora possam ser assombrados pelas oscilações de conjuntura política, aqui e acolá desfavorável, pela dispersão de interesses pessoais e políticos dos falcões e papagaios que criou e pela oportunidade rara de desforra que PINTO espera concretizar. PINTO, condicionado em termos tácticos, espera e prepara cirurgicamente a “emancipação” política da sua “FLORIPES”, num contexto de alguma dificuldade, designadamente, a hipotética pulverização de várias correntes e/ou projectos no seio do seu partido e constrangimentos de natureza temporal, económica e política que, dificultam e/ou minimizam o brilho e eficiência do executivo governamental. Na corte existe cumplicidade incerta, registos de traições, inveja e ciúmes, que, podem contribuir para desmobilizar fiéis, outrora guerreiros temíveis nos campos de batalha. Além disso, PINTO espera tirar partido, do desgaste político do seu arqui-inimigo, decorrente do combate que este trava de forma silenciosa e discreta com FRADIQUE DE MENEZES. Nos próximos tempos o país precisa de lideranças, que adoptem um espírito claro de serviço, e um estilo participativo, empreendedor, motivador e sobretudo mobilizador. Por parte dos actores políticos, não deve haver lugar para arrependimentos, desculpabilizadores de fracassos sucessivos, decorrentes da incompatibilidade entre a vida privada e política; manifestações de abandono do barco, e, fuga para frente, como resultado da ausência de um projecto coerente e sustentado para o desenvolvimento do país. As escolhas de PINTO e MIGUEL – é disto que se trata infelizmente – quaisquer que forem, não devem continuar a espera de uma segunda, terceira ou quarta oportunidade, para causarem boa impressão, sobretudo porque o país continua pobre, com uma democracia ainda embrionária, carente de reformas estruturais e de inauguração de hábitos e posturas que dignifiquem o exercício da política e minimize o divórcio entre a classe política e a sociedade civil. Infelizmente, ainda há receitas que tendem a prevalecer, comportamentos e tiques anacrónicos que sobrevivem, inauguração de posturas e discursos que assustam. Até há pouco tempo, nos momentos eleitorais, era norma o recurso aos bens materiais e financeiros por parte dos partidos políticos, para maximização dos seus objectivos, transformando ciclicamente os actos eleitorais, em oportunidades raras de negócios para a generalidade dos Sãotomenses . Momentaneamente, tendo diminuindo as fontes de financiamento – externa e interna – que suportavam e alimentavam esta prática, a tendência será, adaptar e reajustar a fórmula, aos constrangimentos supracitados. Neste contexto, a nossa política, tem-se transformando paulatinamente em autênticos espectáculos, onde alguns dos seus principais comediantes, desempenham , com não rara frequência, uma autêntica farsa . Que relação de coerência ou racionalidade, por exemplo, existe entre o slogan “POR AMOR À TERRA “ e aquela frase assassina, reveladora de arrependimento, proferida por FRADIQUE DE MENEZES, ao jornalista JON LEE ANDERSON ? Qual é o objectivo político relevante, inerente à dignificação da política e instituições do país, que, se quer atingir, quando se insiste e reitera a intenção de garantia de felicidade a todos os Sãotomenses , num contexto temporal de dois anos ? O discurso político deixou de ser invariavelmente, a expressão de verdade, mas de ilusão, com fugas sistemáticas para o desenvolvimento da demagogia, baseada na maior parte das vezes, na utilização da emotividade das massas, cujas expressões mais evidentes, foram os comícios da presidência aberta, decorrente dos conflitos inerentes à revisão constitucional e mais recentemente, a organização e conclusões do Congresso do partido M.D.F.M . O Congresso em causa, que deveria inaugurar um discurso político dialogal, racional e responsável, optou pela prestidigitação e dissimulação, com períodos de autêntico show por parte de Sua Excelência Senhor Presidente da República, qual pavão, deslumbrou os delegados com entrada e pose que não se vislumbrava naquelas paragens. Tudo feito e pensado milimetricamente – com delegados uniformemente vestidos – com intenção subjacente de construção de um universo imaginário que, distrai as mentes menos avisadas e ajuda a adormecer as consciências nas correntes do rio “passô” . A única conclusão decorrente da realização do referido congresso, sistematicamente publicitada, é a intenção de uma hipotética revisão constitucional rumo ao Presidencialismo. Não se conhece o modelo a seguir para conseguir tal desiderato, nem tão pouco a política de aliança inter-patidária que a suporte, susceptível de minimizar conflitos institucionais estéreis. Não se vislumbra das conclusões do referido Congresso, linhas de força programática, ancoradoras da identidade do partido nem tão pouco, um pensamento, ainda que abstrato, sobre a política externa e de defesa para o país, designadamente a integração regional, modelo de organização das Forças Armadas Nacionais e/ou um esboço embrionário de desenvolvimento de um projecto geoestratégico para o país. “Por amor ao petróleo”, torna-se desnecessário percorrer tal caminho. Espero que o espirro em causa, não contamine os outros partidos que já têm os seus Congressos marcados para um contexto temporal próximo. De facto, temos que mudar de vida, relativamente à organização dos partidos políticos. Existem partidos que concorrem às eleições sem terem assegurado as condições próprias para executar as acções inerentes à delegação do poder e isto constitui uma fraude, porque, não está garantido que, os eleitores, ao fazerem essa delegação tenham inteiro conhecimento dessa deficiência. Daí a importância dos militantes partidários e da própria comunicação social, reforçando o debate de ideias no interior dos partidos – cuja expressão máxima são os Congressos – e nos momentos eleitorais. É bom, que, todos tenhamos a noção de que, a importância do Estado só é um factor de poder, quando se tem uma noção precisa e realizável do que se quer fazer com esse instrumento. Ou os partidos políticos têm um programa de qualidade para orientar as funções de Estado, ou é inevitável o agravamento dos problemas políticos que ai se originam, cujo exemplo se pode encontrar na génese dos problemas inerentes à recente revisão constitucional.


Cassandrex


15 / 12 / 02

publicado por adelino às 23:03
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"Participar ! O embrião da mudança..."

Quem contacta com o cidadão comum Sãotomense, mesmo à distância, percebe que, para a generalidade dos mesmos, o conceito de participação na vida pública se restringe aos actos eleitorais cíclicos, e mais recentemente, aos “Comícios – espectáculos” que, ajudam a embevecer o povo. Mesmo as campanhas eleitorais que, deviam ser momentos de apresentação e debate das propostas dos diversos partidos políticos ou coligações, susceptíveis de fortalecer aquele âmbito de participação dos cidadãos na vida pública, têm transformado de forma aparentemente irreversível, em oportunidades raras de negócios para alguns, de desilusão para poucos e de encantamento para os profetas. Constrangimentos de natureza económica, social, cultural e sobretudo política, contribuem para maximizar este divórcio, cujos efeitos gangrenosos se espalham como um cancro por todas as instituições do país, sendo extensíveis a própria sociedade. Num contexto temporal não muito distante, estaremos todos neste “Santuário Vulcânico”, a estabelecer acordos com os espíritos, num cordão de culpabilidade incerta, convencidos que o “pagá dêvê” haverá de nos abrir a porta da cura. O nosso sistema político ainda encontra-se muito dependente de um conjunto extremamente restrito de personalidades e, existem deficiências crónicas no funcionamento das nossas estruturas partidárias, o que faz com que, os centros de formação de decisões socialmente eficazes, sejam ineficazes e muito vulneráveis às crises. Só assim se compreende que, diversos partidos políticos concorrentes às eleições, apresentem sistematicamente os mesmos projectos de sociedade de um determinado actor político e, no rescaldo de uma crise política e institucional no país, sejam os próprios partidos políticos – por mais paradoxal que pareça – a sugerirem uma eventual revisão constitucional, facultativa da concentração pessoal de poderes, típicas de um modelo presidencialista. Creio no entanto, que, o PRESIDENCIALISMO tenderá a agravar formas de personalização do poder, em todos os seus níveis de manifestação, sobretudo num contexto político já muito dependente de um número reduzido de personalidades e, reduzirá à nulidade, os partidos políticos que, actualmente se constituem como meras agências suaves de protesto e/ou de selecção dos candidatos ao poder, a isso se restringindo a sua funcionalidade no formalismo do pluralismo partidário e da dinâmica democrática. Além disso, parece-me óbvio que, não é a CONCENTRAÇÃO de PODERES que preenche as insuficiências e a inferior qualidade das propostas que são apresentadas, permitindo apenas a deslocação artificial e ilusória do problema em causa, para a dimensão do exercício do poder. Por outro lado, essa CONCENTRAÇÃO de PODER, inversamente proporcional aos mecanismos de controlo democráticos clássicos actualmente existentes na nossa Terra, – não existe oposição na actual conjuntura – pode permitir que, tendencialmente, um partido e / ou outra entidade qualquer, possa ser tentado a construir – inconscientemente até - um sistema ditatorial por meios ou processos democráticos. Mesmo os partidos políticos – PCD e ADI – que já se declararam favoráveis a uma revisão constitucional, aparentemente limitativa dos conflitos institucionais que minam o país, não consubstanciaram aquele propósito com : adequada clareza no diagnóstico; linhas de força para a referida revisão constitucional, susceptíveis de minimizar tais conflitos e autocrítica inerente à capitulação em causa. O conceito anteriormente referido de participação dos cidadãos na nossa vida pública é pobre, e explica em parte exemplarmente , a sensação colectiva de vazio que todos sentimos, não obstante a existência de um sistema partidário e outras formas de movimento associativo no nosso actual regime. Não menos distante, fica a frustração de que, poderíamos e deveríamos ser bastante melhores, relativamente ao nosso desempenho actual como cidadãos. A culpa não pode ser exclusivamente da propalada incongruência constitucional do nosso regime. Se temos potencialidades ainda escondidas, ao nível da agricultura, pescas, turismo e mais recentemente ao nível de recursos petrolíferos, por que razão não conseguimos transformar essa riqueza potencial em riqueza efectiva, para posteriormente procedermos de forma justa e equilibrada à sua redistribuição de forma a que todos possam ter benefícios ? A inércia ainda presente no nosso “modus vivendi” é caracterizadora da ausência de hábitos que todos temos de participar de forma consistente, regular, activa e empreendedora na nossa vida pública. É lógico que, o caminho incontornável para que possamos alcançar a EXCELÊNCIA, passa necessariamente pela qualidade da generalidade dos nossos políticos e gestores públicos – é disto que falamos – e neste contexto, a nossa constante AVALIAÇÃO dos seus desempenhos, bem como da QUALIDADE dos serviços que as respectivas entidades públicas prestam, deve ser interiorizada e materializada por todos. Quanto maior for a exigência, a crítica, a responsabilidade e consequentemente a constatação e demonstração do que está mal, junto de quem de direito, tornando público este mesmo descontentamento e, se possível juntando a voz dos outros à nossa, os DECISORES das candidaturas a Presidentes / Secretários Gerais de partidos políticos, a Presidência da República, a deputados, a presidentes de Câmaras , a directores dos diversos departamentos estatais e outras figuras da administração pública do país, passariam a fazê-lo com muito mais rigor e honestidade, sobretudo porque os riscos dos detentores do poder – quaisquer que forem – virem a perdê-lo serem maiores. Não esqueçamos que, um dos maiores defeitos – entre muitos – dos partidos políticos da nossa Terra é a ausência de actos concretos que, maximizam a responsabilidade, acção e projecto próprio, potencializadores da inauguração de outro tipo de funcionamento. Mas se diminuirmos ou reduzirmos à nulidade a nossa participação na vida pública, temendo represálias e/ou outros constrangimentos de quem detém o poder ou venha a detê-lo, estaremos a contribuir grosseiramente para o “stato quo” e Santo nenhum nos valerá . Não creio que, FLORIPES nenhuma, por mais competente que seja ou boa intenção que carregue, nos salvaria do passo final para o abismo. Todos temos responsabilidades - uns mais do que outros – no estado em que o país se encontra. Por isso, existem formas – umas mais clássicas do que outras – de participação efectiva na vida pública que estão ao alcance de todos : - para aqueles que têm uma vivência partidária ou simplesmente estão inscritos nos diversos partidos nacionais, devem maximizar os níveis de actividade das suas militâncias, serem mais exigentes na filtração dos seus representantes e concomitantemente mais rigorosos na execução dos seus programas e formação das listas partidárias que apresentam aos eleitores - RIGOR e EXCELÊNCIA devem ser exigidos prioritariamente em nossa casa ; - fazer parte de movimentos de carácter associativo – cultural, académico, desportivo, etc. – bem como participar de forma activa nas suas actividades, promovendo debates, tertúlias, etc. ; - tomar partido num sentido ou noutro, escrevendo nos jornais, grupos de discussão na Internet, na imprensa local – jornais de parede ou formatos reduzidos fotocopiados – expondo os nossos pontos de vista, acerca das diversas instituições públicas ou privadas, cujas decisões sejam importantes relativamente ao nosso destino colectivo. É provavelmente mais cómodo estar a gozar delícias de uma das nossas praias desertas, no reconforto de um bom vinho da palma . Todavia, se queremos de facto um país MELHOR, mais JUSTO e DECENTE, temos muito que fazer para merecê-lo.


 Cassandrex


10 de Outubro de 2002

publicado por adelino às 22:59
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"Bocadu indigesto do Governo"

Quarta-Feira de Cinzas! Num contexto de recatamento, prolongamento penoso e insustentável de um “Nozadu” célebre e pedidos de sacrifícios, reiterados à generalidade das pessoas da freguesia, o governo resolveu patrocinar o “Bocadu” deste ano, empanturrando os presentes com azagôa e djogó, cozinhados levemente e com insuficiência de condimentos. Quinta e Sexta-feira Santas! Quarenta e três dias após a aventura organizativa do dito “Bocadu”, ainda existem resquícios de mal-estar evidente. Entre pânico diarreico dos promotores da iniciativa, provocado pela inesperada reacção da plebe, excessivamente generosa habitualmente, e desespero do ancião que, projectara sedimentar o seu poder entre promoções periódicas de “Nozadus”, um grupo de desalinhados atrevera importunar o silêncio sacrífero da nossa Sexta-feira Santa. Este episódio provocou uma tempestade no país, pelo arrojo, ineditismo temerário e desalinhamento com os contornos da praxe imposta. Nunca tal acontecera no país no actual regime, e, nem o simbolismo ritual da época fora suficiente, para mascarar os contornos da revolta e realçar a epopeia dos anciões que, desdobraram em intervenções aos órgãos de comunicação social, relatando as suas opiniões e descrições dos acontecimentos, de forma enfática e ameaçadora. É verdade que temos uma componente judaíco-cristã na nossa cultura, cuja retrospecção deve ser enfatizada, mas, não se resolvem crises desta envergadura, com processos evocativos de natureza religiosa, com cenários catastrofistas de mais polícias para a rua com intenção de cercear a liberdade de opinião e/ou de manifestação das pessoas, ou ainda, com relatos intimidatórios, ou processos de intenção sem provas fundamentadas, de generalização de prisão para supostos cabecilhas da iniciativa. Isto torna-se menos compreensível ainda, sobretudo, quando a prática política num passado recente, situava-se nos antípodas destes propósitos. Quem não se lembra de comícios-espectáculos inflamados, aquando da crise de revisão constitucional, com beneplácito de Sua Excelência Senhor Presidente da República que, contribuíram directa ou indirectamente, para a banalização da actividade dos deputados nacionais e consequentemente, da própria autoridade do estado? Quem não se lembra de expressões como: Deputados são ladrões! Deputados para rua! Não sendo actos comparáveis em termos de expressão arruaceira, são contudo similares, no contributo que conferem, em termos de erosão dos pilares da autoridade do estado. Não se admirem pois, que, estes fenómenos ganhem relevância e expressão dramática, quando os contributos que vêm de cima não são compagináveis com a essência e pedagogia democráticas. A acção política, qualquer que seja o grau de poder que lhe esteja associado, só se transforma em realidade concreta, se for compreendida e prosseguida pelos diversos grupos sociais. Por isso, cada vez mais, faz menos sentido, o recurso ao chavão, considerando o estado como um conjunto de organizações que possa ser apropriado, somente por imposição dos resultados eleitorais, descurando a montante, a preparação, objectivos e interesses comunitários inerentes à delegação do poder em causa. Por tudo isso, e ao contrário daquilo que pensa a generalidade das pessoas, eu creio, que, fenómenos dramáticos recentes que aconteceram no país, são sintomas de uma “revolução silenciosa” começada há dois ou três anos atrás, fruto da mudança de um ciclo político por outro, que ainda não se estabilizou, bem como a crise de valores, associada aos problemas sócio-económicos graves, que tendem a perdurar, e, ajudam a amplificar o problema. Do ponto de vista político, torna-se relevante salientar que, num contexto de forte personalização da vida política e, tendo em conta os papéis desempenhados por Pinto da Costa e Miguel Trovoada no país, é natural que a despedida dos mesmos acarrete problemas de afirmação de novos rostos ou figuras na cena política nacional. Não é por acaso que, existe uma forte unanimidade, em torno da ideia, relativamente ao facto de serem os dois, a escolherem os seus respectivos sucessores, independentemente da dinâmica, objectivos, interesses ou quaisquer estratégias partidárias. Infelizmente as coisas ainda se passam assim! Isto por si só, provoca pequenos tremores de terra, de intensidade variável, controle e resolução difíceis. Por outro lado, a recente crise de revisão constitucional que opôs dois órgãos importantes de soberania – Assembleia Nacional e Presidência da República – resolvida de forma aparentemente saudável, contribuiu para minar a essência da actividade política no país, - sobretudo do ponto de vista psicológico – na medida que: - anestesiou as referidas instituições do país que, momentaneamente deixaram de existir, de ter peso político e institucional desejável, fruto do desgaste que foram submetidas durante o processo em causa e dos contornos encontrados para resolver a referida crise; - mudou o centro de gravidade de conflitualidade política no país, para outras paragens, ou seja, permitiu a deslocalização da dinâmica conflitual inerente à qualquer sistema democrático, para zonas interesses ou grupos, até então, pouco expressivos em termos de iniciativa política no país. Se por um lado ficou demonstrado a vitalidade da nossa sociedade civil, por outro, pode tornar-se insustentável num contexto temporal ilimitado, porque ajuda a diluir a essência dos instrumentos mais poderosos de acção política no país que, são os partidos políticos, - pouco funcionais e organizados – e a fomentar formas avulsas, descoordenadas e caóticas de intervenção política na nossa Terra, cujo exemplo mais recente foi a presente manifestação, com os resultados que se conhecem. Esta fragilidade da Assembleia Nacional por factores supracitados, tornou-se aparentemente irreversível, pelo menos para qualquer observador atento da política nacional, pelo facto de, parecer existir, uma espécie de pacto secreto, entre o Governo e a Presidência da República, manifestado através da concordância e conteúdo discursivo similares, desprezo aparente pelas iniciativas fiscalizadoras daquele órgão legislativo do estado e reforço da solidariedade institucional entre estes dois órgãos. Não havendo formalmente oposição na Assembleia Nacional pelos constrangimentos inerentes à formação de um Governo de Unidade Nacional alargado, haverá tendência para minimização do estatuto do direito da oposição e consequentemente do trabalho, actividade ou importância da Assembleia Nacional. Neste contexto, é justo pensar que, quando a funcionalidade dos partidos na sua acção de fiscalização não fica provada em resultados socialmente perceptíveis ou, pelo menos, satisfatórios para os grupos sociais que se candidatam representar, a sua utilidade social fica anulada. Temo, ver já nas minhas próximas férias, todo o litoral do meu Príncipe, repleto de yankees contratados, de pistolas nos coldres, ar intimidatório, vestidos a preceito e com tiques suficientemente censórios, com o objectivo de afastar ou minimizar eventuais tentativas comprometedoras da suposta paz e tranquilidade que se irá viver nos areais.


Cassandrex


21 / 04 / 03

publicado por adelino às 22:54
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" A agonia de Ferrabrás II"

Entre golpes de espada dilacerantes, desferidos pelo Oliveiros, consumidores da massa muscular, energia e combatividade do Ferrabrás, ouvem-se gemidos cada vez menos imperceptíveis, e circunscritos ao local de peleja, denunciadores da fragilidade física e emocional do pequeno gigante, definitivamente abandonado pelo seu Mafoma : Agora verás ! Agora verás ! Agora verás se o teu Deus tem poder !! Oliveiros rejubila-se com a destruição gradual do gigante que, tanta energia lhe consumira na peleja, e, não obstante o jeito truculento-obsessivo embora inofensivo, ainda presente naquelas palavras, desfere-o golpes cada vez mais suaves, denunciadores da vontade de poupar-lhe a vida. Interessa-o a conversão ao Cristianismo do Ferrabrás, aparentemente imprescindível para a conversão de outros mouros e conquista de outros reinos importantes. Desculpem !!! Estava inadvertidamente a ver o filme errado no momento errado ! Numa sessão de zapping involuntário, aterro precipitadamente e de forma abrupta no canal da R.T.P África . Aí o tempo parece-me mau, com chuva, TROVOADA, relâmpagos, DIQUE(S) rebentados e ondas invulgares de tamanhos consideráveis, rebentando na COSTA, indiciadores dos efeitos desastrosos do sismo que está para chegar. Para complicar ainda mais o panorama, ouço o Presidente Fradique de Menezes declarar aos jornalistas, ter sido vítima de uma tentativa de golpe de estado. Não consigo acreditar ! Golpe de estado na minha pobre Terra !? Com respiração suficientemente suspensa para sentir a velocidade estonteante do sangue na veias, olhos esbugalhados diante do televisor e mãos trémulas que seguravam desajeitadamente o comando, aumento descomensuradamente o som do televisor, o suficiente para apagar o registo sonoro descompassado e autêntico do bebé da vizinha que, lutava ingloriamente com o sono. Uffff !!!!!! Ouço melhor o comentário da notícia e, de facto, não se trata de um verdadeiro golpe de estado. Fradique de Menezes classifica-o de “golpe de estado palaciano” . Não consigo descortinar a génese da chave dicotómica encontrada pelo Presidente da República, para classificar daquela forma tamanha iniciativa política no país, nunca antes conseguida, com tanto alargamento de base política e social de apoio. De facto, não me lembro de ter visto uma iniciativa congregar tanta vontade política e social, susceptível de dotar o nosso país de um instrumento importante que, permita consolidar o regime e partir em direcção ao desenvolvimento. Num contexto temporal ainda não muito distante, tal consenso inter-partidário parecia inatingível, resultante de tacticismos partidários escondidos, denunciadores da debilidade organizativa do nosso sistema partidário. Como explicar então, esta mudança de vontade e congregação de esforços inter-partidário ? Entre muitas razões, a mais evidente parece-me estar relacionada com tiques insaciáveis de concentração pessoal de poderes por parte do Senhor Presidente da República – contrariando os preceitos constitucionais vigentes – matando assim, as responsabilidades executivas do Governo – não se esqueçam que se trata de um Governo de Unidade Nacional – e diminuindo com tal, o poder legislativo e fiscalizador da Assembleia Nacional. A teimosia em não querer arrepiar caminhos e agir dentro do quadro jurídico-constitucional vigente no país, contribuiu assim, para acelerar a morte da ténue esperança do Presidente, de instaurar uma nova forma de organização política no país – Presidencialismo . Tenho dúvidas, que, os partidos políticos estivessem de facto, inclinados convictamente, - embora denunciassem alguma hesitação, dúvida e apatia inicial – para esta nova forma de exercício de poder político no país, compaginável com as aspirações de Sua Excelência Senhor Presidente da República, sobretudo porque : - a proposta da fórmula em causa – Presidencialismo – nasce num contexto de crise dos partidos, o que, estimulou ou motivou os propósitos do Senhor Presidente da República de uma fuga para frente; - a eventual manipulação de alguns interesses partidários contra outros, por parte de um Presidente da República que, já deu mostras de oscilações frequentes de humor, de estratégia e de parcerias políticas, encontrando-se como tal, desprovido de um código político estrito. O Senhor Presidente da República esqueceu-se que, o Presidencialismo como estratégia real, só pode existir se conseguir responder ao problema da crise momentânea dos partidos políticos na nossa Terra, ou, ao problema da crise do nosso sistema partidário. Alguns seguidores do Senhor Presidente, vão mais longe, ao ponto de defenderem a mudança de regime, simultaneamente acompanhada da reformulação dos partidos políticos e melhoramento da qualidade dos deputados nacionais. Provavelmente tudo isto se resolveria por decreto ou passe de mágica, independentemente da dinâmica política, económica, social e cultural inerente ao desenvolvimento do nosso país. A organização jurídico-constitucional de um país é sempre uma obra incompleta, tão exigente e dinâmica como a própria sociedade em que se insere, por isso, seria prudente, rupturas suaves, compatíveis com a nossa história e cultura. O semipresidencialismo, melhorado na actual proposta de lei de revisão constitucional – já vinda ao público – parece-me vir de encontro aos anseios nacionais, sobretudo porque : - é um sistema caracterizado como instrumento corrector do sistema parlamentar, e, não multiplicador dos vícios deste e dos excessos habituais inerentes ao Presidencialismo ( sobretudo num contexto em que as instituições de controle e fiscalização democrática não funcionam) ; - foi conseguida uma construção mais adequada do princípio da separação de poderes; o Presidente da República ficou mais claramente definido como órgão de garantia das instituições e de poder moderador, sem responsabilidades executivas; a Assembleia Nacional ficou com mais amplo poder legislativo ; o Governo ficou como único titular do poder executivo, quer em matéria de política interna, quer nos domínios de política externa e da política de defesa nacional. O único pecado dos deputados subscritores de tal proposta de lei e concomitantemente da Assembleia Nacional, foi não ter conferido maior transparência e discussão pública à iniciativa em causa, sobretudo num contexto em que os órgãos de comunicação social não estão apetrechados de requisitos técnicos e outros meios de acompanhamento da dinâmica da Assembleia Nacional – apresentação e discussão de propostas legislativas, tanto nas comissões de especialidade como no plenário . Embora não se tratasse de um acto formal/legal imprescindível para a materialização da iniciativa em causa, seria prudente em termos de mobilização de toda a comunidade e pedagogicamente certeiro, sobretudo para atenuar simbolicamente, perante a opinião pública, os desmandos constitucionais várias vezes praticado por Sua Excelência Senhor Presidente da República. Não percebo como é que o Senhor Presidente da República sugere a materialização do instituto de referendo para um instrumento crucial e importantíssimo da vida política e social do país, quando tal figura não está regulamentada na nossa actual constituição e, amplifica e reitera ameaças prejudiciais para o processo de revisão constitucional em curso na Assembleia Nacional, esquecendo-se que, se trata do maior edifício legislativo do país e que a acção daqueles deputados subscritores do projecto de revisão da constituição, resulta da vontade livremente expressa dos cidadãos nas eleições legislativas anteriores . A revisão da actual constituição tornou-se, a partir deste momento, num facto político que não admite qualquer recuo, sob pena do descrédito da Assembleia Nacional atingir níveis preocupantes aos olhos dos cidadãos e consequentemente a própria essência dos partidos políticos e do nosso sistema partidário ser posto definitivamente em causa. Na nossa embrionária democracia nunca houve tão grande congregação de esforço para mudança e, a experiência que podemos retirar destes percalços recentes, é que, um regime democrático semipresidencial como o nosso, ou consegue auto-regular um excesso de conflitualidade que eventualmente o atravesse transversalmente, ou se autodestrói . Qualquer tentativa de sua hetero-regulação será o seu assassinato por uma ditadura de contornos irreconhecíveis.


Cassandrex


 Novembro de 2002

publicado por adelino às 22:49
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"A agonia de Ferrabrás"

Entre choro das cornetas, rufar harmónico dos tambores e galope impressionante do seu cavalo, Fradique de Menezes, tal qual Ferrabrás, prometera reduzir às cinzas, resquícios da cristandade que, obstaculizava a mourização do pequeno Império que pretendia conquistar. Tendo recebido surpreendentemente a espada das mãos do pai – Almirante Balão – sob olhares e apetites estranhos, jurou fidelidade ao reino que ajudara a crescer e consolidar. Por isso, no balanceamento eufórico dos resultados das presidenciais, entre expectativas inocentes de figurantes crentes e pseudo-enterro faraónico de Pinto da Costa, exibe do alto do seu Castelo, estratégias, profecias e promessas que, ajudam a consolar o povo. Secundado por séquitos esfomeados, aconselhado por uma Corte milimetricamente escolhida e sob protecção de Mafoma, demite o então Governo de Pósser da Costa, sob pretexto de criação de condições para materialização do seu “Projecto de Sociedade”, num clima de maior estabilidade, suportado por um Governo de Unidade Nacional . Convencido da irreversibilidade da morte e enterro de Pinto da Costa, seria mais fácil surpreender o pai metendo-se em cavalarias altas. Neste sentido, convida Gabriel Costa para Primeiro Ministro, fomenta e dirige contactos que possibilitam a formação do referido Governo de Unidade Nacional – aparentemente sem ferir susceptibilidades ao nível de interesses político-partidários existentes – e proclama-se chefe do poder executivo, não dispensado a faculdade de presidir os Conselhos de Ministros e dinamizar, mesmo à distância, os objectivos operacionais do referido Governo. Organizada a estratégia para implementação do seu “Projecto de Sociedade”, enfrenta de forma ingrata e imprudente o pai, que, lhe oferecera a espada de aço tão bem utilizada no combate aos cristãos. Durante a peleja, reabilita Pinto da Costa por conveniência táctica, como parceiro, e exorta as tropas ao combate sem tréguas aos cristãos. Num registo profético ímpar, idealiza, sustenta e publicita o projecto de garantia de felicidade para todos os Santomenses num contexto temporal de dois anos – nem mais nem menos . Para o povo e generalidade dos analistas e observadores, mais ou menos atentos, este rasgo profético de Sua Excelência Senhor Presidente da República, serviu para consolidar a ideia – expressa anteriormente pelo próprio em actos e palavras – do efectivo poder executivo que passava a deter a partir de então. Nos intervalos de peleja contra a multiplicidade de adversários que adquirira de forma provocatória – por necessidade de afirmação forçada – e, entre goles do bálsamo que lhe revitaliza a alma, promete acabar com todas as formas de corrupção no país e prender todos os prevaricadores. O povo ouve, rejubila mas começa a ter dúvidas . Não satisfeito com a façanha, promete rasgar e não cumprir os contratos assinados voluntariamente pelo Estado Santomense com a empresa ERHC – detentora de interesses na área do petróleo no país – e, irado com as traições de Mafoma, lembra e reitera ao povo a intenção de ir-se embora, se assim quisessem, na medida que, estaria a perder muito dinheiro exercendo as funções de Presidente da República. Provavelmente terá começado aí, os primeiros passos da provável rendição e conversão ao Cristianismo do Ferrabrás. A lenta agonia leva-o ao desespero, e num gesto irreflexivo, demite o Governo que, desalinhara perante uma ilegalidade cometida pelo próprio Fradique de Menezes. Não deve existir minimização ou anulação de responsabilidades para pequenas ou grandes ilegalidades, pequenas ou grandes imprudências, nem para pequenos ou grandes desastres políticos, praticados pelos representantes do poder no país – quaisquer que sejam – sobretudo quando estes mesmos actores políticos, apresentaram como bandeira estratégica para a sua eleição – posteriormente reiterada no programa do Governo – a restauração da autoridade do Estado no país . É difícil restaurar a autoridade do Estado no país, se, o próprio Presidente da República comete uma ilegalidade grosseira – promoção ilegal de dois oficiais das Forças Armadas, entre os quais o Ministro da Defesa – provocando com isso, um terramoto político no país e, posteriormente, cria condições através de manipulação política directa ou indirecta dos factos, para que a transferência de responsabilidades possa convergir na pessoa do Senhor Primeiro Ministro, sendo ele próprio, por opção estratégia e desejo, detentor de um efectivo poder executivo – Presidencialismo de forte componente personalizada . Num contexto de interiorização e assunção clara por parte de todos, relativamente ao objectivo operacional de restauração da autoridade do Estado no país, devia ser acompanhado por todas as partes com gestos claros e pedagógicos, indiciadores daquele propósito, sobretudo por parte da mais alta figura do Estado. Naquela modalidade de estratégia política – Presidencialismo de forte componente personalizada – escolhida e adoptada pelo Senhor Presidente da República, não há lugar para o erro e, quando este se manifesta, só pode dar lugar a abdicação ou ser encoberto com manipulações dos factos e posteriormente, pela repressão. Por isso, é uma fórmula difícil ou impossível de materializar em democracia ou só pode existir num quadro de emergência, por um período curto sem estatuto de uma verdadeira estratégia política. Aliás, o próprio Presidente da República, embora não tenha a consciência plena das limitações desta estratégia política, já dá sinais de cansaço, reiterando repetidamente a intenção de ir-se embora. Além disso, parece óbvio que, em situação contextual de : restauração da autoridade do Estado; de credibilização de medidas governativas junto da opinião pública e de pedidos reiterados às populações para que prolonguem o peso de sacrifícios que suportam, devia ser acompanhada por discrição nas acções, coerência nos julgamentos e equilíbrio na autoridade, sobretudo por parte do Presidente da República. Por isso, não se percebe muito bem, a atitude do mesmo no dossiê petróleo . É legítimo, oportuno, desejável e acertado, denunciar as eventuais ilegalidades do contrato assinado pelo Estado Santomense com a empresa ERHC, indiciador das preocupações do Senhor Presidente da República com os interesses legítimos do seu povo. Mas, se existem de facto ilegalidades gritantes no suprareferido contrato que, colocam em causa os interesses do Estado Santomense, seria razoável pensar que, o ónus da culpa não poderia ser transferido totalmente para a empresa em causa. Não consta em nenhum lugar, que, o Estado Santomense tenha sido obrigado a assinar o referido contrato. Não terá o Senhor Presidente da República legitimidade reduzida e perspectiva de sucesso ínfima, ao abrir uma “Guerra Externa” sem se preocupar preliminarmente em descobrir e eventualmente punir, política e judicialmente, os prevaricadores “internos” da propalada asneira ??? Creio que, o maior foco de instabilidade política momentânea no país, é a modalidade de estratégia política adoptada pelo Senhor Presidente da República, inviabilizadora de um sistema partidário com as nossas características . Não havendo predisposição para a mudança, todos os eventuais erros de Sua Excelência Senhor Presidente da República, trarão sintomas de crise e instabilidade, isto se não terminarem com uma eventual abdicação do próprio – já manifestada várias vezes – ou serem encobertos pela manipulação política directa ou indirecta dos factos, como aconteceu desta vez. A teimosia num Governo de Unidade Nacional, só pode ajudar a retardar a explosão da “bomba”, na medida que, neste contexto a exploração e aproveitamento político do erro alheio é menos assumida por pares da coligação. Não há aço nenhum que resista a uma sucessão de trapalhadas, num contexto político com estas características e, parece-me evidente que, os passos para a Cristianização do Ferrabrás já começaram .


Cassandrex


28 /10 / 2002

publicado por adelino às 22:34
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"Crescimento, Engorda e Morte aparente do Porco"

 Aquilo que nos preocupa a todos é S.Tomé e Príncipe . Vivendo numa democracia - embora embrionária – com altos e baixos inerentes ao crescimento e maturação, devemos interiorizar que, o regime em causa não deve nem pode alimentar o derrotismo, não obstante os constrangimentos de natureza diversa inerentes ao ciclo de vida em causa. Discordo que, o único motivo da instabilidade governativa no país, possa somente estar relacionado com eventuais incongruências do nosso sistema constitucional, maximizadoras de percalços ao nível do desenvolvimento do país. A personalização excessiva da nossa vida política – no actual e anterior regime – faz com que, a experiência e o instinto de um “dinossauro” político têm efeitos muito mais marcantes, ou até exclusivos, no caminho e preparação de uma decisão no país, em detrimento do trabalho colectivo e ponderado de uma estrutura partidária. A sobrevivência e engorda política destes “dinossauros”, bem como a necessidade de protecção dos seus estatutos de autonomia, coloca-os dependentes do êxito continuado, condicionando assim as estruturas partidárias que representam – mesmo só como militantes – com efeito vinculativo das suas decisões sobre estas mesmas instituições. Só assim se compreende a fartura, passeio e poder destes notáveis, num contexto de definhamento geral das estruturas partidária nacionais. É lógico que, o nosso sistema partidário emerge de um contexto monolítico, caracterizado por uma personalização excessiva da vida política e desprovida de forte tensão ideológica, eventualmente minimizador do incremento da acção e dinâmica partidária desejável. Todavia, tal constatação não chega para desculpar as insuficiências de funcionamento e inércia das nossas estruturas partidárias e, este efeito aparentemente crónico, arrasador e anormal de tais personalidades no nosso sistema político, só pode ser entendido em função de tais fragilidades. Existe de facto uma crise de funcionalidade e racionalidade no nosso sistema partidário com efeitos perversos na legitimação do seu papel de mediação entre o sistema social e político do país. É bom lembrar que, a função dos partidos políticos não se esgota no desempenho ou concretização de políticas públicas. Como é que se pode produzir realidades políticas controladas, com alcance social e político ao longo prazo, perante dramatismos vinculativos, ou oscilações estratégicas introduzidas de forma autónoma por aqueles “dinossauros”, nas estruturas partidárias que controlam, com consequência na totalidade da realidade social e política do país ? É lógico no entanto, que, esta não é uma realidade que se possa prolongar indefinidamente no tempo, mas, torna-se imperioso que, os partidos políticos suprimem deficiências estruturais ou orgânicas que carregam, provocadoras de distorções na relação dos mesmos com a realidade social que representam e com o poder político do país. É impensável, que, não se conheça as linhas de força ou pensamento dos diversos partidos políticos, relativamente à Constituição do/para o país, depois da recente crise que abalou o mesmo. Seria insensato exigir que, os partidos políticos fossem exemplos de modernidade e eficácia numa sociedade onde nenhuma destas características é frequente, mas, quanto mais inadequados forem os instrumentos de acção política no país, maior será a tentação por parte dos predadores insaciáveis, para o recurso a métodos não democráticos para reformar a democracia. É verdade que dos governos empossados no pós-monolitismo, quatro foram derrubados pelos titulares do cargo de Presidente da República, mas, não é menos verdade que, estes mesmos Presidentes da República, criaram ambos, seus partidos políticos – ADI e MDFM – em contextos temporais diferenciados, com objectivo eventualmente, de suportar o projecto e/ou programa político que cada um deles tinha ou tem para o país. Não obstante ser uma aberração estratégica para o desenvolvimento natural de uma revisão constitucional, tal atitude parece legitimar e reforçar a ideia da personalização excessiva da nossa vida política, resultante do descalabro organizacional e estrutural da generalidade dos partidos políticos. Seria um bom exercício de natureza política e mesmo pedagógica, reflectir sobre as causas subjacentes àquele comportamento, num contexto em que os instrumentos de acção política são os partidos políticos. Quantos mais Presidentes da República irão criar seus partidos políticos ? Que contributo poderia ter essa acção política para o melhor funcionamento do nosso sistema partidário ? Tem faltado alguma componente importante no nosso sistema partidário, ou subsiste espaço social suficiente, para afirmação de projectos políticos alternativos recentes, que, justifiquem tal atitude ? Serão tentativas frustradas de correcção ou substituição de soluções velhas, fruto de desorganização e inadaptação ao contexto momentâneo, por projectos aparentemente novos e com outras dinâmicas ? Sabe-se que o Senhor Presidente da República Fradique de Menezes tem um projecto de sociedade para o país – adoptado pela maioria dos partidos políticos – criou um partido político que suporta uma estratégia para o desenvolvimento natural da revisão constitucional, tem preferências por um regime Presidencialista e, não tem hesitado em afrontar alguns pilares importantes do regime democrático, para a consecução dos seus objectivos . E os partidos políticos ? Embarcam nesta viagem ? Se não, por que razão continuam de costas voltadas ou insistem em ensaiar individual e atabalhoadamente, passos inconsistentes para uma hipotética revisão constitucional, que, de antemão sabem, encontrará entraves, atendendo a estratégia e programa de Sua Excelência Senhor Presidente da República, incompatíveis com as suas aspirações ? Seria provavelmente mais prudente, ensaiar prioritariamente uma reflexão nacional inter-partidária, com o contributo e envolvência da sociedade civil e especialistas das diversas áreas, sobre o papel dos partidos políticos na nossa jovem democracia, e , em função dos resultados, operacionalizar bases seguras de um acordo de regime inter-partidário que, possibilitasse expurgar ou não da nossa constituição, zonas de atrito entre os órgãos de soberania, e diminuísse a componente semi-presidencialista do regime, restringindo e condicionando se necessário, alguns dos poderes do Presidente da República . Uma hipotética revisão constitucional – que duvido venha a acontecer num contexto temporal próximo – ajuda a minimizar o problema, mas, não constitui por si só, a cura de todos os problemas que afectam o nosso desenvolvimento. Todo este mar de contradições e equívocos, contribuíram para a frequência anormal de pequenas crises e consequentemente para a engorda do “porco” que, depois de capado recentemente, engordou na proporção inversa da miséria do nosso povo, e, faz com que no país, se dance sistematicamente a “Puíta” com passos de “Danço Congo” e “Dêxa” com passos de “Socopé”. Mesmo com correias nas ventas o “porco” focinha de forma impiedosa. A oposição afia a faca na Assembleia Nacional e o Presidente da República prepara o alguidar e outros expedientes de artilharia para aniquilar tamanha criatura . Não há plantação de mandioca que resista aos contornos do focinho do bicho. O momento final para a morte do animal aproxima-se, só faltando conhecer o lugar, o dia e a hora. Se coincidir com a Quaresma como se espera, vai-se desperdiçar muita carne, atendendo à gordura do animal bem como as nossas tradições religiosas . Há cheiro de CRISE” no ar !!


Cassandrex


18 de Outubro de 2002

publicado por adelino às 22:16
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