Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

A Morte de Chico Paleio

Nos primeiros anos, após a independência nacional, estava na moda um certo reformismo cultural, educativo e desportivo suportado, a montante, pela ideologia política que todos conhecemos.

O Liceu Nacional era o Santuário privilegiado para o experimentalismo, embrionário e caseiro, deste propósito, e exaltação, individual e colectiva, de loucuras identitárias.

Foi neste tempo que aparece, o Futebol Clube de S.Tomé, com figuras incontornáveis, do nosso desporto, como o Silvino Palmer, Bano, Nado, Trigueiros, Chalino, Martins Pereira, Dinho, entre outros. Foi neste tempo, também, que se institucionalizou, no Liceu Nacional, a moda dos campeonatos de Futebol de Salão inter-turmas. Havia alguns encontros, deste torneio de futebol, que o Liceu, literalmente, parava. Lá dentro do campo, separado por uma rede apinhada de adolescentes, em fervor clubístico-grupal e hormonal, jogava-se o futebol de salão, mas, também, uma oportunidade pessoal rara de acrescentar valor ao status decorrente do desempenho individual e colectivo conseguido.

Foi nestas andanças que o Liceu descobriu o Chico Paleio depois deste se ter transformado, dois anos consecutivos, no melhor marcador do referido campeonato. Nestes dois anos, o Chico Paleio transformou-se, fruto do seu desempenho futebolístico momentâneo, na pessoa mais influente do Liceu Nacional. Todos os adolescentes queriam imitar os passos seguros e cadenciados, a camisa branca e abotoada nos punhos e calças vincadas e invariavelmente azuis do Chico Paleio, que, não abdicava de um porta-chaves sonoro, nas mãos, para colorir e marcar o seu território. O corredor central, que ligava o ginásio ao edifício central do Liceu, transformou-se, nestes dois anos, numa autêntica galantaria para o monumental Chico Paleio. Foi nesta altura que o cognome Chico Paleio começou a ganhar fama, poder e credibilidade no Liceu Nacional. Aqui e acolá, começou a germinar, de forma tímida mas segura, bolsas de claques femininas que entoavam cânticos como este: Chico Paleio, o Liceu está contigo…

Estes dois anos foram de glória para Chico Paleio que coleccionou namoradas, prestígio futebolístico e social e, até, imaginem, reconhecimento político, tendo em conta a conjuntura que se vivia na altura.

No terceiro ano, do referido campeonato, o Chico Paleio já era uma estrela que, dentro do seu calção e camisola de marca Adidas e ténis de marca Puma, ensombrava o brilho de alguns craques do futebol de onze do país.

Neste dia jogava-se uma meia-final e, mais uma vez, o Liceu parou. Não era preciso decretar a paralisação geral das actividades lectivas para que tal acontecesse, bastava, para tal, saber-se que a turma do Chico Paleio iria participar nesta meia-final. O jogo começa, entre cânticos e olês ensurdecedores dirigidos ao Chico Paleio e desprezo, por vezes humilhante, aos adversários. O Chico Paleio parecia um pavão, de papo cheio, em cortejo fatal para a confirmação da glória. Passados quinze minutos do jogo, o cenário à volta da vedação do campo, apinhado de adolescentes, muda completamente: passou-se, rapidamente, de uma histeria sincronizada de olês para o comprometimento fatal da esperança de uma estrela que acabara de nascer. Toda a gente gritava: olha as cuecas! Olha as cuecas! As raparigas tapavam os olhos com as mãos, entre gritos e avisos estridentes, dirigidos ao epicentro da referida desgraça e os rapazes contorciam-se de risos perante o inusitado acontecimento. Só Chico Paleio, entretido no cortejo momentâneo que a bola lhe proporcionava, não ouvia nem entendia a amplitude e significado daquelas mensagens. Nesta altura, as cuecas do Chico Paleio já se encontrava quase na linha dos joelhos do mesmo, por baixo dos calções Adidas, quando ele se apercebeu da tamanha desgraça e tentou recompor-se do susto, de forma envergonhada, puxando-as para cima, com tanta fúria, que esta dividiu-se em dois pedaços. De seguida, acabou-se o jogo e, com ele, a glória do Chico Paleio.

Desfeita a mobilização estudantil, e os comentários em volta do caso, no caminho para a casa, na entrada da roça do Julião, eu em direcção à Quinta de S.António e o Chico Paleio em direcção ao Pantufo, este me confessara, completamente triste e abatido: kéi, hoje eu morri! Contive o riso e, momentaneamente, tentei confortar o Chico Paleio desprezando a amplitude da desgraça que abatera sobre ele. Pura ilusão! Chico Paleio desapareceu do Liceu e refugiou-se, definitivamente, no seu Pantufo. Estando de férias, este ano, em S.Tomé, estive com o Chico Paleio e rimo-nos desalmadamente, entre copos de cerveja, deste episódio rocambolesco que acabou por lhe roubar a glória. Confessou-me, entretanto, que deixou de estudar, desde aquela altura, e tornou-se num exímio pescador local.

A vida do Chico Paleio tem algo semelhante com a vida do actual governo da República. Após a glorificação eleitoral, este governo, com alguma energia, começou a trilhar um caminho que, não sendo suficientemente sólido, em termos de projecto, capaz de acabar com os nossos maiores constrangimentos estruturais actuais teve, pelo menos, o mérito inicial, de agitar consciências e fazer renascer a esperança do povo. Só por isso, acho que valeu a pena a mudança, num país que se afundava, todos os dias, no pântano. Todavia, ninguém compreende, depois deste impulso avulso e expectável, inicial, a aposta, insistência e teimosia, no “paleio”, para impressionar a plebe, correndo o governo o risco de, rápida e desnecessariamente, se transformar num embuste, bem vestido, com cuecas pelos joelhos e morrer cedo, como o Chico Paleio, com a glória desfeita. Seria trágico para o país, que tal acontecesse, e tenho dificuldades em compreender os contornos desta autoflagelação que, não sendo um gesto momentâneo, e eventualmente perdoável, de inocência, pode comportar, entre outros, sérios riscos para a nossa democracia.

Temo que não seja um acto de inexperiência, inocência ou ingenuidade na medida que as contradições entre aquilo que o governo se propôs fazer, sustentado em fontes documentais, entrevistas ou mensagens públicas, do senhor primeiro-ministro e do seu ministro secretário-geral, e o comportamento político do mesmo, denunciam preocupação e um condenável repúdio público.

 Depois da moda do “Banho”, com todas as consequências negativas que comporta para o aprofundamento da nossa democracia, o senhor primeiro-ministro resolveu inaugurar outra moda que se chama “Paleio” e já começa a fazer escola no país. Quais são os traços caracterizadores do paleio? Munido de astúcia eleitoral suficiente e défice de escrúpulo chega-se a uma região ou distrito, do país, tenta-se convencer um número razoável e representativo de pessoas, do referido contexto, sobre as vantagens políticas, decorrentes do apoio político-partidário necessário, em troca de garantias contratuais escritas, para a referida região ou distrito, que minimizem, os problemas estruturais, ai existentes. Foi assim que o senhor primeiro-ministro reagiu com uma parcela significativa da população da ilha do Príncipe debitando “Paleio” aos residentes e jurando, a pés juntos, que cumpriria a promessa de aumentar, significativamente, o orçamento da região, assim que fosse eleito, tendo em conta os problemas económicos e sociais, decorrentes da dupla insularidade que caracteriza a região autónoma do Príncipe.

Mal foi eleito, metido no seu elegante fato primo-ministerial, decidiu fazer exactamente o contrário, ou seja, reduzir o orçamento da referida região não obstante a constatação, in loco, dos problemas ai existentes e do respeito, honorabilidade e seriedade política que deveriam nortear a atitude dos signatários do referido contrato. Estava assim inaugurado uma nova forma de fazer política no país. Momentaneamente, estando em campanha política, outra vez, para as presidenciais, ou a sondar as condições políticas que sustentem uma decisão neste sentido, resolveu minimizar as consequências do “Paleio” anterior, com mais “Paleio”, convencidíssimo que a população do Príncipe é tão distraída quanto o seu défice de seriedade e honorabilidade. Vai daí, já anunciou que iria mandar construir, ainda no próximo ano, um porto de pesca, na ilha do Príncipe, devidamente apetrechado em termos de equipamentos e outros meios, facilitadores da vida dos pescadores locais, sem, no entanto, orçamentar a referida actividade nem apresentar as premissas do respectivo projecto.

O senhor primeiro-ministro está tão distraído no jogo que não vê que as suas cuecas já começaram a aparecer, por baixo do seu facto primo-ministerial, e ele corre o risco de, “Paleio em “Paleio”, desbaratar toda a glória eleitoral e acabar por “morrer” novo e cedo como o Chico Paleio. No Príncipe já há signatários do referido contrato, assinado com o senhor primeiro-ministro, que estão a convocar uma alvorada para, de casa em casa, desmascarar o “Paleio” do senhor primeiro-ministro. Ao contrário do “Banho”, as consequências políticas deste acto, que acaba de ser inaugurado pelo senhor primeiro-ministro, serão severas para o nosso aprofundamento democrático porque descredibiliza, ainda mais, os políticos nacionais, junto da opinião pública, e afasta os cidadãos em relação às preocupações com a nossa vida comunitária. Para além da compra de consciência nos momentos eleitorais passamos a ter mais um drama público com consequências gravosas para a nossa democracia. Como se isto não bastasse, o senhor ministro secretário-geral do governo anunciou, há dias, em jeito revoltoso, que o dinheiro correspondente à venda de trinta mil barris de petróleo, cedidos pela Nigéria, que deveria entrar nos cofres do Estado, não entrou, ou melhor, entrou por intermédio de uma empresa fantasma que ninguém conhece os donos nem a respectiva sede social. Na mesma ocasião o país ficou a saber que há empresas nacionais de petróleo que participam em concursos relacionados com a exploração do referido produto, da nossa zona económica exclusiva, e que, ninguém, também, conhece os donos ou a respectiva sede social. Ou seja, estamos no domínio do secretismo e do fantasma e a forma que o governo encontrou para exorcizar esses males, que nos afligem, foi, ele próprio, convocar e realizar uma manifestação contra a corrupção no país e, simultaneamente, limitar, de forma vergonhosa, a liberdade de informação criando condições para o saneamento e humilhação pública da melhor jornalista do país contando com a colaboração de alguns dos seus pares. A classe jornalista do país, salvo algumas brilhantes excepções, esquece, ou não sabe, que o crescimento da sua importância social e emancipação progressiva, por oposição ao descrédito nacional da classe política, só pode ser efectuada, neste contexto cultural concreto, salvaguardando a sua independência face ao poder político. A liberdade de imprensa não existe para proteger os interesses momentâneos de qualquer governo ou partido político, mas, sim, para proteger o nosso interesse público comum.

Que interesse público se defende quando se tenta sanear e humilhar a melhor e mais culta jornalista nacional produtora do único programa televisivo que procura confrontar os políticos com os demais problemas sentidos pela nossa comunidade?

Todo o bom jornalismo deve ter, como premissa fundamental, num contexto em definhamento cívico, ético e moral, como o nosso, o empenho em reaproximar as pessoas da vida pública. Era isto que a São Deus Lima vinha fazendo, com inteligência, e estava a contribuir para minimizar os efeitos de uma cultura, ainda impregnada na nossa sociedade, de secretismo em detrimento do escrutínio público e de “censuras” em detrimento da liberdade.  Infelizmente, teve de pagar o preço que qualquer cidadão nacional, doravante, terá de pagar pela ousadia e sonho de lutar por um país mais democrático e justo. Este não é, portanto, um problema específico da São Deus Lima ou apenas dos jornalistas Santomenses. Como diria Glasser: “A vida em comunidade não é o que a democracia gera mas o que a democracia é. E a política não é o que o Estado e seus funcionários fazem, mas o que as pessoas privadas fazem na sua capacidade de cidadãos.

Estamos metidos num grande sarilho institucional, sobretudo, porque os nossos políticos, ciclicamente, recusam responder aos problemas e expectativas das mossas populações em detrimento de um “Paleio” que só contribuí para a sua engorda, satisfação passageira e “morte” precoce.

 A.C

publicado por adelino às 12:03
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Sábado, 11 de Setembro de 2010

Bons e Maus Chefes de Cozinha

 

Os políticos são como os cozinheiros e ninguém se transforma num óptimo cozinheiro adquirindo, em primeiro lugar, noções teóricas sobre a gastronomia para depois ensaiar, no referido ofício, a concepção e preparação de pratos para a freguesia. É óbvio que isto não dá bons resultados.

Da mesma forma, se é verdade que a manutenção e teimosia numa dieta alimentar, com os mesmos ingredientes e vícios, a mesma rotina organizacional, metodológica e higiénica, afugenta os fregueses; não é menos verdade que a mistura avulsa de traços ou padrões culinários, de proveniência ou latitude diversa, desprezando as especificidades originais, em presença, pode contribuir para desmobilizar os apreciadores dos respectivos registos culinários.

Foi um bocado isto que aconteceu nas recentes eleições legislativas em S.Tomé e Príncipe.

Enquanto Patrice Trovoada, despedido, sem honra nem glória, da cozinha alheia, embalado com os efeitos positivos decorrentes da polarização conseguida com Fradique de Menezes, nas anteriores eleições presidenciais, proporcionada pelo próprio MLSTP/PSD, teve tempo e experiência acumulada para ir preparando, simultaneamente, o seu projecto culinário e prato que se chamava ADI, o MLSTP/PSD e o PCD, sob as respectivas direcções, tentavam, em primeiro lugar, misturar e construir uma ideia teórica para ementa que, aparentemente, pretendiam desprezando a urgência daqueles que esperavam pelo referido prato. É óbvio, que estes esqueceram-se, que, em política como na cozinha, o projecto culinário e o prato têm de surgir ao mesmo tempo sobretudo num contexto socioeconómico em desesperança acelerada e com uma dieta rígida de búzio, banana e fruta-pão.

Além disso, um projecto culinário com aquelas características incluindo o MLSTP/PSD e o PCD, seria equivalente a tentativa experimental de misturar Calulú com Molho no Fogo. Quem estaria disposto a comer uma ementa que, de forma avulsa, mistura estes dois projectos culinários totalmente distintos, na sua génese, sem indícios de preocupação, por parte dos respectivos proponentes, em explicar, detalhadamente, às pessoas a necessidade estratégica e interesse nacional conjuntural existente na sua confecção?

Pois é, é ai que começa a actual “mudança” que se deu no país e que alguns, por autismo ou incoerência, não querem ver ou admitir.

Todos sabemos em que condições, política, económica e social, emerge o PCD-GR no contexto nacional. Não tendo, momentaneamente, um quadro programático e ideológico completamente distinto do actual MLSTP/PSD, o PCD-GR aparece, em 1990, no processo de transição, do antigo regime para o actual, transportando consigo bandeiras e valores democráticos antitéticos ao statu quo prevalecente na altura, que condenou o MLSTP/PSD à uma travessia do deserto decorrente dos resultados das eleições legislativas, então realizadas. O PCD-GR, para além de capitalizar, na altura, o apoio daqueles que foram marginalizados pela rede redistributiva do anterior regime, não se coibiu de autoproclamar, em contraposição ao MLSTP/PSD, defensor de bandeiras como pluralismo democrático, transparência governativa, separação e independência dos poderes e avesso aos totalitarismos de qualquer espécie. Ora, as sucessivas direcções do MLSTP/PSD, incluindo a actual, sempre se manifestaram, maus chefes de cozinha, nestas matérias, não obstante as juras de “mudança” programática e ideológica, durante o percurso histórico em causa. Para tal, basta constatar a atitude da ex-ministra da defesa e justiça, do anterior governo, relativamente ao Presidente do Governo Regional do Príncipe. Qualquer bom chefe de cozinha demitiria tal adjunta de chefe de cozinha perante um espectáculo, tão degradante, do ponto de vista de afirmação e aprofundamento da nossa democracia. No entanto, não foi isto que aconteceu perante a cumplicidade orgânica e institucional do próprio PCD.

Tanto em 1996, como agora, momentos em que o MLSTP/PSD e o PCD estiveram em contextos de coligação governamental, para além de não se constatar, qualquer atenuação dos níveis alarmantes de pobreza no país, não se verifica, também, esboço e aplicação de políticas públicas que poderiam contribuir para o aprofundamento da nossa democracia, enquadramento legislativo e/ou organizacional, do aparelho do Estado, que melhorasse a transparência governativa e contribuísse para o aprofundamento da separação e independência dos poderes. Ora, estas últimas são bandeiras que suportaram a essência estratégica fundacional do PCD-GR e constituem, como tal, o seu património genético que deu corpo e estrutura mobilizadora, em 1991, aos propósitos de “mudança” política, a montante, reivindicada pelo referido partido, posteriormente concretizada.  Neste contexto temporal concreto, a direcção política do PCD-GR comportou-se como bom chefe de cozinha.

A política é mesmo assim, é acção, e não se limita aos contornos de mera administração ou defesa, mas, sim, configuração e pressentimento do futuro, primeiro do que os outros. Um bom político, como um bom chefe de cozinha, deve ter em vista, e em primeiro lugar, oportunidades que deve metodicamente aproveitar e não compêndios de filosofia política ou enciclopédias culinárias que deva ler, antecipadamente, que suportam, posteriormente, as suas decisões políticas ou projectos culinários. Foi exactamente isso que o PCD fez em 1991 que o país acolheu como um projecto de “mudança” e, também, foi isto que o ADI, fez agora, apropriando-se politicamente dos argumentos estratégicos fundacionais que suportaram, até então, a essência programática do PCD-GR e contribuíram para capitalizar apoios, sobretudo, junto dos jovens, e na base social originariamente conotada com o PCD-GR.

Interpretar esta onda actual do ADI, que varreu o país, não como um sinal de “mudança” comporta dois erros graves.

Em primeiro lugar, desvaloriza, consciente ou inconscientemente, o mesmo papel de “mudança” interpretado, realizado e reivindicado pelo próprio PCD-GR, em 1991, e parece-me injusto que assim seja tendo em conta a importância histórica do referido evento, e reduz a política aos contornos da “mudança” interpretada como uma realidade administrativa, de gestão ou acto reformador, resultante das consequências do instrumento da acção governativa.  Ora, a política não é isso, ou melhor, não é sobretudo isso. A racionalidade na política é o aproveitamento da oportunidade e Patrice Trovoada, agora, bem como, os líderes do PCD-GR, em 1991, foram suficientemente inteligentes, quais bons chefes de cozinha, para aproveitarem uma decepção, quase generalizada, que se vivia no país, nos respectivos contextos temporais, em processos que configuram ou configuraram “mudança” política.

Em segundo lugar, esta tese, tendencialmente difundida como paradigma justificativo e envergonhado, eventualmente minimizador das consequências políticas momentâneas decorrentes dos maus resultados eleitorais do MLSTP/PSD e PCD, pode encerrar consequências contrárias aos interesses dos respectivos partidos, num futuro próximo. Se no MLSTP/PSD o défice de democratização interna, problemas de natureza organizacional, bem como, a rede de conflitos internos, pelo controlo do partido, dificultam o seu crescimento em direcção às franjas específicas do nosso sistema social, como sejam os jovens; no PCD, o problema é um pouco mais complexo porque está relacionado com a própria identidade do partido singularmente entendida como serviço político prestado pelo mesmo que constitui a justificação social da sua existência e centro de expressão política racionalizada, bem como, o referido partido, constitui um concorrente na fórmula da distribuição do poder na nossa terra. É óbvio, que, se o ADI cresce, e muito, sob fundamentos identitários que suportam a essência ou código genético do PCD, estando aquele momentaneamente no governo e acorrentado aos condicionalismos do personalismo identitário que poderiam minimizar as suas ambições, estão criadas as condições para a diluição da importância do PCD no nosso sistema social se o ADI quiser e souber tirar partido disto. A identidade partidária, mesmo num sistema partidário sem grande carga ideológica, como o nosso, tem uma grande importância e efeito diferenciador interpartidário. Sendo assim, ou por isso mesmo, constitui um efeito condicionante das flutuações admissíveis nas posições e expressões de um partido quando reage às oportunidades que a evolução dos acontecimentos oferece. O PCD-GR, desde 1991, afastou-se muito, voluntária ou involuntariamente, do seu código genético. Se o PCD-GR se fez, em 1991, do ponto de vista identitário, promovendo a “mudança” em contraposição ao statu quo prevalecente que suportava a essência do MLSTP/PSD; o ADI robusteceu-se, agora, proclamando “mudança” sobre alicerces anacrónicos em que o MLSTP/PSD e o PCD se meteram de forma voluntária.

É no código genético do partido onde se conjugam a sua origem, as suas opções históricas, bem como, a especificidade do seu modo de representação de interesses sociais, que determina o espaço político concreto e/ou simbólico que o partido ocupa no sistema político. Daí, muitos cidadãos nacionais interpretarem este fenómeno eleitoral como “mudança”. Escamotear este facto, num exercício de puro autismo, inconsequente e contraproducente, é mau e redutor porque mina as condições para a reflexão, desejável e descomplexada, que tanto o MLSTP/PSD e o PCD têm de fazer, em verdadeiros congressos, onde possam discutir ideias e propostas políticas, e não em festas programadas para satisfação de vaidades inócuas ou arenas para sacrifício de bobos para tudo se manter na mesma.

Pinto da Costa, antigo e exímio chefe de cozinha, já avisou o seu partido das consequências inerentes ao acto de bloqueio do processo de “mudança” em curso. Para além do tacticismo eleitoral, em presença, ele sabe muito bem do que fala e, sobretudo, conhece profundamente o seu próprio partido.

Para mim, um simples e humilde cidadão, preocupa-me a qualidade do projecto e do prato que os nossos chefes de cozinha nos possam proporcionar. O MLSTP/PSD e o PCD podem e devem fazer muito mais pela qualidade da nossa cozinha. Por isso, quero muito mais do que búzio, banana e fruta-pão. O país merece mais do que isso!

 

A.C

publicado por adelino às 14:34
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Sábado, 13 de Fevereiro de 2010

A Ilusão do Poder de Sãm Ponhã e Súm Muclucú

 

 
 
Quando eu era miúdo, vivendo tranquilamente no meu Príncipe, alguns adultos que compartilhavam connosco aquele pedaço de terra, no meio do Atlântico, faziam-nos crer, com uma convicção factual arrepiante, que, na outra ilha irmã, em S.Tomé, residia uma senhora chamada Sãm Ponhã com dons demoníacos que transformavam-na numa mulher com imenso poder diante dos seus pares e de toda a estrutura social das redondezas. Da mesma forma, segundo aqueles adultos, no outro lado da mesma ilha, residia um senhor chamado Súm Muclucú, com idênticos dons que usava para atormentar a vida dos outros, sobretudo de miúdos irrequietos, que ousavam zombar dos seus exagerados atributos testiculares. Segundo as informações, quem ousasse rir das enormes protuberâncias testiculares de Súm Muclucú, que chegavam ao chão, estaria condenado à morte, tendo em conta o poder da referida personagem comparável aos dos melhores feiticeiros do mundo.
Assim sendo, Sãm Ponhã e Súm Muclucú, transformaram-se, durante muito tempo, em figuras míticas da sociedade Santomense temidos mais pela fama e exibição geracional dos seus poderes do que o alcance real e efectivo dos mesmos. Era vulgar, tais criaturas, naquele contexto temporal concreto, exibirem-se, ciclicamente, nos púlpitos das respectivas freguesias escolhendo as suas vulneráveis vítimas, de acordo com o estado físico e emocional das mesmas, aumentando, assim, os seus poderes de temíveis de feiticeiros de primeira linha.
No entanto, a generalidade das pessoas não sabia, que o poder de Sãm Pomhã e Súm Muclucú era proporcional à importância e interiorização que cada um de nós, individualmente, fazia dele e da extensão e níveis de ignorância existente no país. Ou seja, era um poder ilusório que não mudava a realidade observável, mas, antes, de forma oportunística, vangloriava-se dos efeitos da desgraça alheia, justificadamente assumidos pelos referidos feiticeiros, para, cumulativamente, espalharem o terror exibicional entre os seus pares e respectiva população.
Foi esta a receita simples que fez com que o poder, de Sãm Ponhã e Súm Muclucú, eternizasse na memória de muitos Santomenses.
Neste momento, tendo em conta a situação de miserabilismo económico e social prevalecente, no país, alguns eternos políticos resolveram vestir a pele de Sãm Ponhã e de Súm Muclucú, revisitar um período negro da nossa história colectiva e, consequentemente, passear o seu poder ilusório na Tribuna da nossa Assembleia Nacional.
Só assim se compreende que um eterno deputado, fazendo o papel de Súm Muclucú, dirigiu-se ao país, como cidadão nacional, afirmando que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para apresentar uma queixa-crime, no ministério público, contra o senhor Presidente da República, pelo facto deste ter produzido afirmações que relacionam o próprio presidente, e alguns representantes de partidos políticos, com a eventual compra de alguns deputados, do partido ADI, na presente legislatura.
Se o propósito do referido deputado é pertinente e desejável, para o esclarecimento do caso em questão, ninguém compreende que o mesmo, não tenha aproveitado o palco, em causa, para informar o país que decidira, também, apresentar uma queixa-crime contra o seu próprio partido pelos danos causados por este a todos os cidadãos nacionais que foram vítimas de perseguições políticas, torturas, prisões arbitrárias e mortes no regime político anterior. Como Súm Muclucú, o referido deputado vangloria-se do seu poder, que, não muda a realidade observável, mas, intimida todos aqueles que ousam zombar da memória histórica e institucional do seu próprio partido.
No outro lado da mesma rua, a senhora ministra de Defesa, Justiça e Assuntos Parlamentares, não querendo ficar atrás de Súm Muclucú, decidiu, também ela, revisitar Sãm Ponhã, ameaçando com ordem de prisão o Presidente do Governo Regional do Príncipe, porque este ousara não acatar a sua decisão de instalar um radar militar, na ilha do Príncipe, que impede, toda a população da referida ilha, o acesso aos meios de comunicação – rádio e televisão – privando-a de um direito constitucional fundamental que é o acesso a uma informação plural fomentadora do conhecimento e consciência cívica e, simultaneamente, isola-a do resto do mundo. Ou seja, entre dois direitos, o acesso aos meios de comunicação e informação de uma população inteira e suposta defesa e segurança interna de todo o espaço nacional, compatibilizáveis tecnicamente sem qualquer problema nos tempos actuais, a senhora ministra, qual Sãm Ponhã, decidiu que a sua opinião e poder tinham que prevalecer ameaçando, com eventual prisão, o Presidente do Governo Regional do Príncipe, se contrariasse, no futuro a sua decisão.
Isto não é só um problema de radares e de acesso à informação é, sobretudo, um problema de liberdade e democracia que as próprias palavras e intenções, bélica e autoritária, da senhora ministra de Defesa vieram desmascarar. Ou seja, presumo, que haja, a montante, um plano, milimetricamente concebido, com o objectivo de limitar os direitos cívicos e liberdades da população da ilha do Príncipe.
A senhora ministra deveria saber, que, no Príncipe, entre a liberdade e democracia e proclamações palavrosas de defesa de soberania nacional, num país que não tem outros meios de dissuasão militar, para além dos malditos radares que colocam em causa esta mesma liberdade e democracia, a população do Príncipe escolherá, sempre, a sua liberdade e aprofundamento democrático. O Príncipe não é uma coutada da senhora ministra de Defesa. Como diria Emmanuel Mounier «… quem adormece na sua liberdade acorda escravo…».
É óbvio que há, nesta atitude, bélica, ignorante, patética e irresponsável, da senhora ministra de Defesa, tiques de revisitação de um período negro da nossa História colectiva, como salientara anteriormente, em que as pessoas eram presas de forma arbitrária, perseguidas politicamente, torturadas ou mesmo mortas, porque contrariavam, a obediência cega a um regime totalitário e cruel. A senhora ministra, ao vestir a pele de Sãm Ponhã, esqueceu-se que estamos em democracia e que o seu poder ilusório e exibicional não passa de fragmentos palavrosos avulsos de sustentação da sua pobre imagem e auto-estima corroídas por incompetência, défice ético, má preparação técnica e cultural, para cumprimento de uma tarefa tão exigente e complexa como a de ministra de Defesa.
A senhora ministra deveria saber que tanto o Governo Regional, como o Central são instituições políticas da República decorrentes da vontade popular, em democracia, e que a divisão dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) decorreu, ao longo dos tempos, dos constrangimentos e do perigo do despotismo. Provavelmente a senhora ministra de Defesa nunca leu Montesquieu e, tal como Sãm Ponhã, prefere exibir, de forma ignorante e patética, junto da plebe, os seus dotes de despótica, tentando impor o terror, como forma de minimizar as suas dificuldades e incompetência. Num país minimamente decente esta senhora nunca seria governante, numa pasta tão complexa e exigente, porque conseguiu arruinar, num curto intervalo de tempo, todos os alicerces organizacionais e doutrinários da nossa tropa transformando-as, com o seu delírio bélico, patético e irresponsável, em grupos sem comando ou organização que andam aos tiros com outras forças paramilitares forjando mortes, insegurança e desrespeito institucional.
Esta atitude da senhora ministra de Defesa, de ameaçar com prisão o Presidente do Governo Regional do Príncipe, sendo uma decisão avulsa e inerente ao carácter e vulgaridade da referida protagonista é, simultaneamente, a assunção e manifestação de uma linha política, enraizada como doutrina, no interior da corporação castrense, desde que a mesma assumiu funções governamentais na referida pasta. Os resultados estão a vista de todos: temos as nossas forças armadas num caos organizacional e doutrinário reproduzindo, mimeticamente, os tiques bélicos e irresponsáveis da referida ministra.
Isto não é uma questão menor ou desprezável em democracia. Ninguém compreende que uma instituição que era, até há pouco tempo, referência organizacional, institucional e doutrinária, no nosso país, num curto intervalo de tempo perdeu todo o respeito, consideração e estima, junto dos cidadãos, que homens como Albertino Neto, Daniel Daio, Raul Bragança e Óscar de Sousa ajudaram a consolidar. É obra, a senhora ministra de Defesa ter conseguido fazer tudo isso, num curto intervalo de tempo. As nossas Forças Armadas mereciam mais e melhor.
Quem deve estar a rir, desalmadamente, são todos os outros partidos da oposição. De facto, tendo ministros com vocação suicidária como esta senhora, o senhor primeiro-ministro não precisaria de oposição nenhuma.
Compreendo o esforço que o primeiro-ministro tem feito em prol da regeneração democrática do seu partido, sua reorganização e dinamização interna e exclusão, ainda que tímida, de alguns parasitas do seio do mesmo. Temo que tudo isto não chegue e que a tarefa de ganhar as próximas eleições legislativas, com maioria absoluta, como pretende, se torne uma tarefa hercúlea. É bem provável, que, com estes sucessivos acontecimentos, o senhor primeiro-ministro tenha, também, de aprender a “amarrar” feiticeiros para controlar estragos no interior do seu próprio partido e conseguir tal propósito.
A.C 
 
 
publicado por adelino às 18:19
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Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2010

O Festim Carnicento dos “Bichôs"

 

Com o reaparecimento dos porcos, depois da matança generalizada provocada pela peste suína africana, este seria o momento ideal para os nossos “Bichôs” brilharem, invadirem-nos o corpo, de forma impiedosa, começando pelos pés, e engordarem, silenciosamente, no prazenteiro epidérmico, momentâneo e ilusório, que nos proporcionam.

Por alguma razão, o epíteto de glorioso, assenta-lhes que nem uma luva encomendada, na proporção inversa dos estragos, individuais e colectivos, que nos proporcionam há 34 anos. Só assim se compreende que o senhor primeiro-ministro, vestindo a pele do “Bichô-chefe”, num gesto de mobilização das suas tropas, encorajou-as a lutarem para uma maioria absoluta, nas próximas eleições legislativas, espicaçando-as, com tal propósito, para o festim carnicento que se aproxima. É a derradeira tentativa de repetição da história, pois, todos nos lembramos dos primeiros anos da independência e da eficácia do slogan “Unidos Venceremos” que fazia marchar os “Bichôs” e transformar as nossas casas, escolas, ruas, bairros, repartições, roças e distritos em autênticos matadouros sofisticados em prol da afirmação de uma ideologia ou de um projecto político totalitário. Quantas pessoas da nossa terra, em particular da ilha do Príncipe, não foram perseguidas, presas e torturadas, injustamente, neste festim carnicento dos “Bichôs” que não poupava ou escolhia as vítimas? Um irmão meu, na altura com catorze anos de idade, não foi poupado neste festim porque ousou, voluntária ou involuntariamente, participar numa manifestação desmascarando as injustiças, na repartição dos recursos nacionais, praticadas contra a ilha do Príncipe.

O que não se fez, para mobilizar os “Bichôs”, em momentos cruciais de desesperança política, quando rareava o cheiro à carne humana? Lembro-me perfeitamente de, sob pretexto de tentativa de invasão do país por parte de potências imperialistas estrangeiras, se proclamar a união dos “Bichôs” em “Grupos de Vigilância e Defesa Popular”, para combater heroicamente o inimigo que ameaçava interromper ou acabar com o nosso festim. Tudo isto foi feito em prol de uma ideologia ou projecto político totalitário em total desobediência com os princípios mais nobres do respeito pelos outros e da dignidade da pessoa humana.

Eu estava convencido que tudo isto terminara e que os resquícios da sua manifestação ou presença seriam seriamente combatidos, sobretudo, por determinados forças ou individualidades, políticas e intelectuais, da nossa terra, que têm o dever e a obrigação de o fazer. Pura ilusão! O senhor primeiro-ministro, do alto da sua glória reconquistada, entende que as eleições regionais e locais não se deveriam realizar, no país, porque seria um atentado ao festim carnicento que se avizinha e o país não conseguiu mobilizar fundos financeiros, segundo as palavras do seu ministro dos negócios estrangeiros, para tal capricho democrático. Ninguém percebeu tanta trapalhada, incoerência e contradição política, nos desejos e posições destes senhores, que se auto-proclamam estruturalmente democratas. Se o país não conseguiu mobilizar fundos financeiros, há um mês, para a realização de eleições regionais e locais e era esta a justificação política, plausível e reiterada, para o seu sucessivo adiamento como, então, justificar agora, o rápido aparecimento de tais fundos que permitiram a convergência de interesses políticos, em presença, para a marcação da data da eleição legislativa, em contraposição com o argumento utilizado para a não marcação da data das eleições regionais e locais? Nada de estranho, é este o conceito de democracia do nosso primeiro-ministro e dos seus apaniguados que correm, desalmadamente, para o festim carnicento que se aproxima.

Não deixando os seus créditos por mãos alheias, num registo retrospectivo inusitado, o nosso primeiro-ministro, vestindo, mais uma vez, a pele de “Bichô-chefe”, tira da cartola mais um truque sofisticado, típico da sua escola totalitária, com o objectivo de enriquecer a nossa democracia. Não tendo o país, momentaneamente, inimigos imperialistas que perigassem a nossa especial democracia nem “Bichôs” voluntários que se quisessem mobilizar para a tarefa de constituição de “Grupos de Vigilância e Defesa Popular”, em prol do festim carnicento que se aproxima, o nosso primeiro-ministro mandou instalar, com uma urgência apreciável, na ilha do Príncipe, um radar, com aparente objectivo estratégico de defesa, aniquilando com tal propósito todas as possibilidades de recepção de sinal da R.D.P-África e R.T.P-África que constituíam referenciais informativos imprescindíveis na região e minimizavam as condições de isolamento imposto à ilha.

Mais uma vez, a história parece querer repetir-se. Em nome da construção silenciosa, ardilosa e sub-reptícia de um regime totalitário, o nosso primeiro-ministro, vestindo a pele de “Bichô-chefe”, e seus apaniguados, começaram por adiar, sine die, a realização das eleições regionais e locais e, agora, com pretexto kafkiano de defesa do nosso espaço territorial, isolam uma população inteira, do resto do mundo, cerceando-a de um dos mais sagrados direitos constitucionais – o direito à informação. 

Saltámos, rapidamente, da privação eleitoral para a privação de informação, tendo sempre, como alvo preferencial, uma região específica da nossa terra – a ilha do Príncipe. Devagar, devagarinho, o nosso primeiro-ministro, vestindo a pele do “Bichô-chefe”, e seus apaniguados, bem identificados, vão fazendo o seu caminho, contentes com o festim carnicento que se aproxima. Só falta dar mais músculos à componente militar e policial do projecto – coisa que está a ser feita sorrateiramente – e ensaiar, ardilosamente, uma hipotética revisão constitucional para que o puzzle se encaixe na perfeição. Daí a preocupação com uma maioria absoluta e a despreocupação com o combate efectivo à corrupção. Para apimentar a coisa, simultaneamente, tenta-se esmagar e humilhar, por via económica, financeira ou mesmo política, qualquer tentativa de arregimentação localizada que tente travar o caminho dos “Bichôs” para o referido festim. É desta forma que o Príncipe começa a sofrer as consequências, sociais e económicas, da ousadia de querer desafiar, contrariar e lutar. Ninguém compreende, que, tendo o país adquirido um navio, recentemente, para transporte de mercadorias e pessoas, entre as duas ilhas, com o objectivo de minimizar os custos da dupla insularidade inerente, um alto funcionário do Estado, logo na viagem inaugural do referido navio, venha, à despropósito, salientar as insuficiências estruturais do negócio em causa, tendencialmente prejudicial no futuro, porque o número de pessoas que o utilizam é reduzido, tendo em conta os preços dos bilhetes praticados. É óbvio que o preço, dos bilhetes, (150 Euros) para a referida viagem, é brutal e incompreensível para a generalidade da população do Príncipe. O mesmo se passa com o preço das passagens de avião (200 Euros). Quem se importa com isso? Não deveriam existir, a montante, mecanismos de subvenção estatal que normalizasse este problema e contribuísse para diminuir os níveis de injustiças praticados, especificamente dirigidos conta uma população da nossa terra? Quem, no Príncipe, tem condições para pagar, cento e cinquenta Euros ou duzentos Euros, por uma deslocação, de barco ou avião, para S.Tomé? Não foi o senhor primeiro-ministro que disse, numa recente entrevista, quando confrontado pelo jornalista, relativamente às especulações sobre o seu salário, que em S.Tomé e Príncipe não existiriam mais de uma centena de pessoas que recebessem, pelo seu trabalho, mais de quinhentos Euros? Se este é o diagnóstico do senhor primeiro-ministro, relativamente aos salários mais elevados, praticados no país, por que razão, em contradição com o referido diagnóstico, aceita que sejam aqueles os preços, das referidas deslocações, entre as duas ilhas, por imperiosa necessidade de lucro nos referido negócios, sem qualquer intervenção estatal para o amortecimento de tal sacrifício, no seio dos mais desfavorecidos? Não se faz nada, por se tratar do Príncipe? E a estrada que vai ligar a cidade capital ao Sul do país, estimada em vinte e quatro milhões e meio de Euros, (o barco custou um milhão de Euros) que o senhor ministro, da referida pasta, sublinhou, ter como objectivo melhorar as condições de desenvolvimento do turismo, naquela zona, escoar os produtos dos agricultores ai residentes e, com tal, permitir o melhoramento da economia da região? Terá portagem, com o objectivo de dar lucro? Por que razão as deslocações, entre o Príncipe e S.Tomé, têm necessariamente de dar lucro ou não serem abrangidas por quaisquer critérios de subvenção estatal? É esta a coesão territorial e social que se pretende para o país? Sim! É o castigo, tentativa de esmagamento e de humilhação, de uma região específica da nossa terra, porque os seus habitantes ousaram lutar, contrariar, em prol da afirmação da democracia na nossa terra e da justiça na repartição dos recursos nacionais. No Príncipe, já há quem resmunga: sem o petróleo eles fazem isto; o que será com o petróleo! Por isso mesmo, acho que é dever da população do Príncipe, até como homenagem a todos aqueles que foram perseguidos, maltratados, e presos, no festim anterior, lutar e contrariar a organização do caminho que se prepara para o festim seguinte. Se não fizerem nada, agora, amanhã poderá ser tarde, e os “Bichôs” já estarão disseminados em todas as partes do nosso corpo.

A. C.

 

publicado por adelino às 16:19
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Sexta-feira, 21 de Agosto de 2009

O Presunto dos Bufados

Um amigo meu contara que, estando de férias, no país, há alguns anos, e numa normal e saudável troca de impressões com um ex-ministro, homem poderoso naquele contexto temporal concreto, questionara-o, de forma ingénua embora pertinente, relativamente às condições miseráveis em que vivia a maioria da população da nossa terra. O ministro em causa, sem quaisquer cerimónias ou titubeações, respondera-lhe que, passo a citar «…o povo só passa fome se quiser, pois, com tanto coco que existe no mato…».

Escuso-me a comentar tais afirmações, do então ministro, mas, são reveladoras do nosso infortúnio geracional relativamente aos bufados que nos cercam e teimam em transformar, todo o porco do nosso quintal, por mais magro que seja, num óptimo presunto, para satisfação dos seus belos prazeres pessoais, condenando-nos ao desprezo de continuar a comer coco. Deve ser esta a nossa dieta alimentar: coco e mais coco, de acordo com o desejo e vontade suprema dos bufados.

Os bufados são seres exóticos, faustosamente caracterizados com parafernálias de todo o tipo, anormalmente gordos nos traseiros, barriga e pescoço, suficientemente inteligentes para adoptarem o mimetismo ou camuflagem perante às adversidades e com grande capacidade de adaptação aos constrangimentos de todo o tipo.

Por isso mesmo, não morrem, renascem das cinzas, qual Fénix, e têm o supremo dom de transformar todo o porco, do nosso quintal, por mais magro que seja, num bom presunto, aumentando, assim, o tecido adiposo em zonas específicas do seu corpo. Mesmo gordos, aparecem e desaparecem com uma velocidade estonteante e, tudo isto, torna difícil a sua identificação. Têm muito medo da solidão, por isso, vivem constantemente em bandos, que se protegem mutuamente, o que lhes permite detectar quaisquer rastos frescos de focinheira alheia, mesmo a quilómetros de distância. São assim os nossos bufados.

Entre pausas digestivas cíclicas, os bufados estão sempre prontos a pregarem-nos sustos, não obstante o convívio e a habilidade criativa com que relacionam connosco.

Agora, a “vítima” foi uma linha de crédito, disponibilizada pelo governo Brasileiro, ao país. Montaram a ratoeira, com uma engenharia sofisticada, e deram-lhe um nome: STP-Trading. Mais tarde ou mais cedo, o destino do porco estaria traçado.

De mansinho, como quem não quer a coisa, com um aparente aparato organizativo e reiteradas proclamações filantrópicas associadas, para amaciar a presa, eis que os bufados, num gesto que já faz escola no país, zás, mataram o porco, esfolaram-no e transformaram-no num óptimo presunto que ameaçam comer, lá mais para frente, na estação das chuvas.

Nem o facto do porco se auto-proclamar Brasileiro valeu-lhe qualquer piedade. O governo, surdo, cego e mudo, acha, provavelmente, que deve ser esta a vocação existencial dos bufados e lembra-nos que o nosso limite e ambições gastronómicas começam e terminam no coco, quer queiramos ou não. Os deputados da nação, num coro burlesco que já nos habituaram, rezaram em conjunto, pela alma do fatídico porco agora transformado num presunto muito apetecível.

Mas o que é que se poderia esperar deste governo e destes deputados? Infelizmente, sempre foi assim na nossa terra. Ai do porco, que ousa passear a sua classe, na república, por mais magro que seja. Os bufados, atentos e com costas protegidas, transformam-no, logo, num bom presunto enquanto o povo é obrigado a continuar a comer coco.

Percebe-se agora, melhor, duas coisas. Primeiro, a razão pela qual o primeiro-ministro simulou receber os líderes dos diversos partidos políticos nacionais propondo-lhes duas datas alternativas (Novembro ou Fevereiro do próximo ano) para a realização das eleições locais e regionais e, passado algumas semanas, a Assembleia Nacional aprovou uma resolução que entra em contradição com a proposta e aparente interesse do senhor primeiro-ministro e adia, indefinidamente, a data de realização das referidas eleições. Segundo, o alcance e objectivos políticos, da guerra, contra o Tribunal de Contas, ficaram completamente esclarecidos, se é que existiam dúvidas sobre isso.

Fica-se com a sensação que, tanto o senhor primeiro-ministro, bem como, os deputados da Assembleia Nacional nunca quiseram que as eleições locais e regionais se realizassem e acham que o Tribunal de Contas é um empecilho democrático e, por isso mesmo, deve ser extinto.

Tudo isto é feito em prol da defesa, engorda e perpetuação dos bufados, que existem no país, e com o propósito de minimizar os níveis da transparência governativa e do aprofundamento democrático do país.

Eles sabem que quanto menor forem os níveis de transparência e do aprofundamento democrático, do país, maior será o palco para os bufados passearem a sua classe e perseguirem os raros porcos que ainda ousam passear nos nossos quintais.

O preço a pagar, por tudo isto, no futuro, é caro. Muito caro! Os nossos políticos esquecem-se, muitas vezes, que a política é um campo onde as falsas racionalizações, os processos sistemáticos de ocultação e de “brincadeiras de gente adulta com coisas sérias” ou de fuga para frente, em obediência aos interesses pessoais, de grupos ou partidários, acabam sempre, por encontrar, mais tarde ou mais cedo, o obstáculo das realidades sociais e culturais que determinarão o seu fracasso, com prejuízos incomensuráveis para a (re) construção do próprio Estado de Direito Democrático. É isto que já começa a acontecer, de forma sistemática, na nossa terra, quando se constata, reiteradamente, fenómenos de humilhação, agressão e desobediência às autoridades judiciais e/ou policiais.

Donde virá o próximo porco?

A.C 

 

publicado por adelino às 12:42
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Sábado, 30 de Maio de 2009

Branco mas Pouco Transparente

 

O senhor Rafael Branco, anunciou, logo no início do seu mandato, que a sua maior dádiva ao país, como primeiro-ministro, tendo em conta tudo aquilo que este lhe proporcionara, seria a restauração do Estado de direito democrático, o aprofundamento da nossa democracia e, entre outras coisas, a criação de condições para a transparência governativa e erradicação da pobreza extrema na nossa terra.

É óbvio, que, para quem vem de uma corte, desde pequenino, conotada com tiques totalitários, este gesto de abertura e profecia teriam como resultado, ou impacto, a perplexidade popular, a irrelevância oratória do convertido ou, ainda, a expressão da versão adaptada, político-teatral, do livro, “A Metamorfose” de Franz Kafka.

De facto, para quem se propôs restaurar a autoridade de Estado, tendo tempo mais do que suficiente para preparar o presente orçamento de Estado, (com um valor previsional de receitas, maior do que qualquer outro, alguma vez apresentado ao país) e invoca, exactamente, a falta de verbas, para realizar as eleições regionais e locais, só pode fazê-lo por interiorização antecipada, e convicção política, indiciadoras da menoridade que tais eleições encerram para o aprofundamento da nossa democracia e, consequentemente, para a restauração da referida autoridade de Estado.

O senhor Branco não é um funcionário público qualquer que, num dia dá palpites, quando bem lhe apetece, sobre a oportunidade, ou não, de realização de actos eleitorais, programados constitucionalmente, transformando a nossa embrionária democracia numa verborreia sem qualquer valor e, noutro dia, advoga, na corte onde cresceu e se fez homem político, a necessidade de se restaurar a autoridade de Estado e aprofundar a democracia e transparência governativa. O senhor Branco sabia, ou não, que as eleições regionais e locais realizar-se-iam em Agosto próximo? Só poderia saber, caso contrário não poderia ser primeiro-ministro. Se sabia, por que razão apresentou o maior orçamento da história do país, em termos de previsão de receitas, contemplando verbas para uma quantidade anormal de benfeitorias na corte e, ao mesmo tempo, anuncia ao país que se esqueceu das eleições regionais e locais?

 Ficamos a conhecer a concepção e os valores da democracia do senhor Branco que, jura a pés juntos querer restaurar a autoridade de Estado, no país, aprofundar a nossa democracia, melhorar a transparência governativa e erradicar a pobreza.

Para tal, o senhor Branco enfiou-se numa redoma branca, lá da corte, onde é tratado com respeito e veneração pelos crentes puros e enxovalhado pelos cristãos novos que já lhe querem apear.

Entre intervalos de meditação e aconselhamento religioso, o senhor Branco debita sermões para justificar a sua presença, junto do povo, e não hesita em proferir declarações como esta, relacionadas com tumultos na cidade de Trindade, por razões de cortes sucessivos de electricidade: «… Eu tenho dito repetidas vezes que nós estamos num país democrático, onde o direito de manifestação está garantido. Só que ele tem de se fazer dentro da lei e no respeito pelo bem público, pela liberdade dos outros cidadãos. Mesmo falando assim, do interior da sua redoma, o povo não o consegue descortinar nem compreender. O senhor primeiro-ministro transformou-se, de repente, num personagem “branco mas pouco transparente”.

 Surpreendido com a ousadia popular resolve, então, falar mais alto e puxar dos galões ameaçando “usar a autoridade de Estado em todas as suas formas”para impedir que desacatos, como os da Trindade não voltem a repetir no país.

Ninguém, minimamente interessado no aprofundamento da nossa democracia, na defesa dos seus valores, como: a liberdade (individual e de escolha), o princípio electivo e o reforço do funcionamento democrático e da participação e poder dos cidadãos na gestão pública, preocupou-se em informar ou elucidar o senhor Branco de que o “respeito pela liberdade de todos os cidadãos e o aprofundamento da nossa democracia, bem como, a restauração da autoridade de Estado” passavam, exactamente e em primeiro lugar, pelo cumprimento, por parte do senhor primeiro-ministro, de regras e procedimentos constitucionais relacionados com actos eleitorais, quaisquer que eles fossem.

E isto não é uma razão menor ou desprezável, em democracia. A liberdade individual, no sentido da ausência de constrangimentos, e o princípio electivo são dois poderosos valores da democracia e, em princípio, num contexto democrático, ninguém deveria exercer poderes para os quais não foi explicitamente mandatado eleitoralmente.

O senhor Branco provavelmente acha que Luhmann ou Bobbio eram loucos ou obstinados teóricos preocupados com a “chatice democrática”.

Luhmann mostra-nos, claramente, a importância e indispensabilidade do procedimento eleitoral, mesmo num sistema político que se legitimasse, exclusivamente, pelos seus procedimentos, chamando-nos a atenção para a limitação temporal de mandatos. Segundo o próprio é o “procedimento” com determinadas características, que legitima as decisões obrigatórias que, apesar de serem tomadas por apenas alguns eleitos, vincula os seus destinatários, e obriga a sua extensão, observância e respeito ao resto da sociedade.

Perguntar-se-á, então: se o princípio electivo, e os procedimentos eleitorais, designadamente, a limitação temporal dos mandatos, consagrados constitucionalmente, e a própria liberdade de escolha, não têm valor suficiente, em democracia, para o senhor primeiro-ministro, quem há-de acreditar no seu propósito inabalável, ciclicamente reiterado, de aprofundamento da nossa democracia, restauração da autoridade de Estado, e “respeito pela lei e pela liberdade dos outros cidadãos”? Alguém que não respeita a lei nem a liberdade (individual e de escolha) dos outros, pode impor estes princípios e procedimentos aos seus concidadãos?

De repente, S.Tomé e Príncipe, transformou-se, em África, num case study em que, uma determinada população clama por eleições regionais, durante doze anos, levando este propósito até aos limites da insubordinação, e, uma vez realizadas, posteriormente, um governo, cujo primeiro-ministro está amputado desta legitimidade eleitoral, quer, no entanto, estender esta condição aos representantes eleitos daquela região, limitando as suas liberdades, e repetir a experiência anterior sem tirar quaisquer ensinamentos sobre a mesma. É um péssimo exercício e mau sinal que o senhor primeiro-ministro e o seu governo transmitem ao povo.

Isto é grave, porque, com esta repetição factual, e outras, constata-se, no país, uma regressão, no sentido de aprofundamento democrático e uma tendência, suicidária e incompreensível, para asfixiar, de ponto de vista político, económico, social e financeiro, a região autónoma do Príncipe, sempre que o MLSTP/PSD chega ao poder. Não pode ser este o sinal e valores que o maior partido nacional deve transmitir ao povo, não obstante a sua génese e concepção política desenvolvida durante o regime totalitário anterior. Além disso, a tentativa sistemática de desvalorização das eleições regionais e locais, adiando-as indefinidamente, ou fazendo-as coincidir, de forma arbitrária, com as legislativas, representa uma machadada no esforço da descentralização política e administrativa, iniciado há algum tempo, porque transmite a ideia errada, relacionada com a menoridade do poder regional e local, que, pelo contrário, é aquele que potencia a reaproximação do poder ao cidadão maximizando a participação destes nos debates eleitorais, sobre os problemas regionais e locais, sem ruídos ou outras distracções políticas.

Parece-me, por isso mesmo, um exercício de auto-flagelação inusitado, que sejam alguns presidentes de câmaras, de diversos distritos de S.Tomé, a corroborarem a opinião e decisão governamental de adiamento das eleições regionais e locais. Santa ignorância! Prestam, com isso, um mau serviço às populações que representam.

 A.C

 

 

 

publicado por adelino às 00:08
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Sábado, 7 de Março de 2009

O Curandeiro, o Médico e o Doente

O país está doente. Muito doente! Em condições normais, esperaríamos que os nossos políticos, como os médicos em relação aos seus doentes, exercessem o seu poder para “curar” o país. Infelizmente, não é isto que acontece na nossa terra. Transvertidos de curandeiros modernos, os nossos políticos, nalguns casos, desejam muito o poder, pelo poder, transformando-o num antro de ociosidade, inutilidade e desvario e, noutros casos, aparentemente, não o desejam, nem nunca o desejaram, mas impõem condições, objectivas ou subjectivas, para a amplificação pessoal de tal poder, sobre os outros, rumo ao propósito do nosso adestramento colectivo. Ninguém compreende tais contradições e, o povo, triste e sem alternativas, nesta feira de curandeiros, que se comem uns aos outros, num cíclico espectáculo canibalesco insular, já não sabe o que fazer. É a nossa própria sobrevivência como património colectivo secular, que está em perigo, perante a insaciedade desta espécie exótica e invasora.

O país foi, recentemente, confrontado, segundo as autoridades nacionais, com mais uma tentativa frustrada de golpe de Estado. Os supostos golpistas foram detidos e ouvidos pelas autoridades competentes do país e todo o processo ainda carece de investigação complementar, apuramento de responsabilidades e respectivas explicações públicas por parte dos responsáveis ou entidades relacionadas com o assunto.

O que ninguém compreende é que no momento crucial, relacionado com os expedientes policiais e investigativos, para a detenção e inquirição dos supostos implicados, na referida intentona, o senhor Presidente da República, por interposta pessoa, anuncia ao país que se quer ir embora, desejando, assim, renunciar ao cargo que ocupa, deixando, posteriormente, o país suspenso, durante quinze dias, sem quaisquer explicações complementares relacionadas com o assunto.

O povo, mesmo habituado ao nosso curandeirismo caseiro, não queria acreditar. Afinal, o homem vai-se embora ou fica? Por que razão vai-se embora?! Que mal fizemos para sermos tratados, desta forma e neste momento delicado, perante um mandato popular que ainda vai ao meio? O Presidente está doente? O quê que está a acontecer com o Dique? Durante quinze dias o país ficou suspenso, sem respostas para estas e outras perguntas e com a hipótese, ainda em investigação, de ocorrência contextualizada de uma tentativa de golpe de Estado e esforços judiciais e políticos, para compreender a sua amplitude, responsabilizar os eventuais implicados e tranquilizar o povo e as instituições.

Numa altura em que se pedia que as instituições da República agissem em conformidade com a situação e delicadeza do assunto, em coordenação e solidariedade institucional, para tranquilizar o povo e salvaguardar os interesses da nossa embrionária democracia, eis, que, o mais alto magistrado da nação, depois de deixar o país suspenso durante quinze dias, sob ameaça de uma eventual resignação, resolve falar ao país, numa terça-feira de carnaval, para explicar ao povo a sua real intenção e os detalhes mais insólitos da suposta intentona falhada.

E o que disse Fradique de Menezes, de substancial e relevante, que tranquilizasse o povo e reforçasse as instituições, depois deste episódio rocambolesco? Disse, entre outras coisas, que estava pronto para continuar como Presidente da República pelo facto dos militares terem-no pedido que ficasse e que iria reunir os órgãos de soberania para debruçarem sobre a crónica instabilidade governativa do país, relacionando-a com o sistema de governação, em vigência, admitindo mesmo a possibilidade do povo se exprimir, em referendo, proximamente, sobre uma eventual alteração constitucional relacionada com o referido sistema de governação do país. Consciente ou inconscientemente, Fradique de Menezes, depois de admitir a hipótese de resignação, estava a legitimar, com tais palavras, a suposta intentona falhada, num exercício político de autocensura, extensível aos outros órgãos de soberania, que o levou a declarar o seguinte: «…Temos que falar. Eu quero que as pessoas digam, de facto, se querem ou não que este país avance e na estabilidade…cada órgão de soberania deverá assumir as suas responsabilidades e não o actual clima existente em que o Presidente da República é o responsável por toda a situação de instabilidade que ocorre no país…»

Era a última cartada de Fradique de Menezes, sob cacos de uma eventual intentona falhada, para reintroduzir, de forma oportunista, irreversível e chantagista, a questão do sistema de governação, na agenda política e mediática, condicionando a sua continuidade, como Presidente da República, em função da atitude e disponibilidade dos outros órgãos de soberania para lhe oferecerem o “Presidencialismo”.

É oportunista porque Fradique poderia reintroduzir esta questão, que se tornou numa obsessão política, em qualquer outra altura menos nesta, porque, ao fazê-lo agora, está a associar, objectiva ou subjectivamente, o sistema de governação, do país, que, na sua óptica, é o maior responsável por crises políticas cíclicas, com os propósitos da eventual intentona.

É irreversível e chantagista, porque, Fradique sabe que, tendo em conta o seu mandato, o calendário eleitoral e as condições existentes no interior do seu próprio partido, uma eventual renúncia abre-lhe perspectivas políticas para o reforço do conforto político-partidário; e, uma continuidade sua, no cargo, por cedência à chantagem por parte dos partidos representados na Assembleia Nacional, para alterar o quadro constitucional vigente, seria sinónimo de mais dez ou doze anos de “Fradiquismo musculado” porque o próximo inquilino do palácio presidencial seria, milimetricamente, escolhido e proposto por si, como Miguel Trovoada fez com o próprio, e eventualmente eleito. Em ambos os casos, a razão única, é a defesa titânica de interesses pessoais e de grupos. Por isso mesmo é que o “Presidencialismo” se transformou, neste caso, numa obsessão política. Além disso, sabendo Fradique de Menezes que a iniciativa legislativa para eventual alteração do quadro constitucional vigente cabe exclusivamente aos partidos representados na Assembleia Nacional excluindo-se, para tal, o instituto referendário, a sua reiterada obsessão por tal iniciativa, sob cacos de uma propalada intentona, reforça a ideia de oportunismo boçal e chantagem sobre os outros órgãos de soberania. O pior que os partidos políticos poderiam fazer, chantageados até a medula como estão, seria oferecer ao Presidente Fradique de Menezes esta prenda. Isto, sim, seria um “pequenino golpe de Estado”.

O povo esperava conforto político, tranquilidade, solidariedade institucional, segurança e mobilização após uma suposta intentona falhada e recebeu, em troca, desprezo, intranquilidade, chantagem política, insegurança e desmobilização institucional. Ninguém percebe esta reiterada pré-disposição dos nossos políticos em aplicar receitas do nosso curandeirismo caseiro para um país que está gravemente doente.

Por outro lado, Fradique declarou, reiteradamente, que nunca quis ser, por vontade própria, Presidente da República, tendo, por isso mesmo, afirmado, logo no início do seu mandato, o seguinte: «… eu tinha uma boa vida, ganhava dinheiro, tinha meninas e festas, e vieram os Trovoadas perguntaram-me se eu gostava de ser presidente, e aqui estou eu…». Mais recentemente, nesta última conferência de imprensa, voltou a insistir que não queria voltar a ser Presidente da República pois já tinha o seu nome na lista dos deputados, pelo seu partido, para Distrito de Me-Zóchi.

Perguntar-se-á então: uma pessoa que nunca quis ser, por vontade própria, Presidente da República, por que razão insiste, até aos limites de obsessão política, na alteração do quadro constitucional vigente amplificador das condições de reforço do poder presidencial? O senhor Presidente da República quer mais poderes para fazer o quê, se, ele, por vontade própria, nunca quis ser presidente, como tem declarado reiteradamente? O senhor Presidente da República não conhecia as regras constitucionais, antes de se candidatar ao cargo, por pressão dos Trovoadas, como ele mencionara?

 Se o senhor Presidente da República quisesse, de facto, renunciar ao cargo, por motivos de autocensura política, relacionados com a instabilidade governativa cíclica no país, deveria fazê-lo quando o ex-presidente do seu partido, MDFM/PL, Manuel de Deus Lima, desafiou-o, publicamente, para que ambos concorressem ao cargo de Presidente, do referido partido político, responsabilizando-o, directamente, pelas sucessivas crises governativas, no país, desde 2001. Disse o ex-presidente do MDFM/PL, na altura: «…Nós conhecemos sete primeiros-ministros de 2001 até agora….Quem fez cair o governo de coligação MDFM-PCD, liderado por Tomé Vera Cruz? Foi o próprio MDFM/PL mandatado por alguém que vocês sabem quem é…. No último Conselho Nacional chamei a atenção do Presidente honorário para que rapidamente se agende um congresso, porque estou na disposição de concorrer e desafiar seja quem for, incluindo o próprio presidente honorário. Mas para isso queria que ele respeitasse a concorrência. Primeiro que ele renunciasse o cargo de Presidente da República e depois concorrer a presidência do MDFM/PL, que eu disputarei com ele peito a peito, porque sou homem de terreno…»

Quem nos garante que esta pré-disposição, para a renúncia, do senhor Presidente da República, não seja a resposta momentânea do desafiado, ao desafiador, para tal combate “peito-a-peito” para a presidência do MDFM/PL?

Todos nós ficamos a saber, pela primeira vez, da boca do ex-braço direito e confidente de Fradique de Menezes, que as crises governativas cíclicas, desde 2001, foram provocadas por este, com intenção de enfraquecer as instituições, fragilizar o sistema e, consequentemente, criar condições políticas para arregimentação popular em defesa do seu “Presidencialismo”. O quanto, o povo não sofreu, por esta obsessão inútil para a nossa vida colectiva?!

Temos, assim, um Presidente que está, cada vez mais, próximo do MDFM/PL e menos próximo da República e, mesmo assim, quer maximizar os seus poderes decorrente de uma hipotética alteração do nosso quadro jurídico-constitucional. O povo, sem pão, água, e luz, já acha que “nenhum-presidente” é melhor do que “meio-presidente” e, que, a política exercida desta forma não serve para nada. Não me admiraria nada, que, daqui por algum tempo, seja o próprio povo a descartar-se do Presidente e da generalidade dos nossos curandeiros. O poder, pelo poder, exercido pelos nossos curandeiros é, manifestamente, uma forma de degenerescência do exercício do poder, e da política, que atrofia o aprofundamento da nossa democracia. O país, doente e sem esperança, precisa de “médicos”, em detrimento de curandeiros, que exercem o seu poder sobre o mesmo com a finalidade de o “curar”. Onde estão estes “médicos”?

 A.C

 

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Quarta-feira, 8 de Outubro de 2008

Um Príncipe Quase-Perfeito e Premonitório

A embrionária democracia Santomense tem tido, ao longo dos tempos, uma capacidade extraordinária de surpreender o mundo pelas qualidades de perversão, dos valores e práticas, do referido regime político, que começam a cristalizar na nossa sociedade, ganhando contornos de uma “descoberta científica” susceptível de ser estudada, compreendida, e, eventualmente, exportada. Já Aristóteles, na tentativa de classificação dos regimes políticos, denunciara que a democracia degeneraria em demagogia quando todos, procurariam satisfazer os seus próprios interesses, descurando o interesse geral.

Infelizmente, em S.Tomé e Príncipe, ainda, é este o quadro. Toda a gente coloca em primeiro lugar os seus próprios interesses, esculpindo regras, procedimentos e acções, pouco transparentes, atentatórias da liberdade de expressão e manifestação dos outros, sufocando-os, lentamente, até que morram ou desistam de lutar. E isto é grave, ou muito grave, porque é o próprio Estado Santomense que se converteu nesta espécie de jibóia neurótica-obsessiva espremendo e sufocando os cidadãos, ou grupos comunitários, em prol da afirmação de interesses individuais e de grupos bem identificados. Isto ficou claro, anteriormente, com a população do Ilhéu da Rolas e, mais recentemente, com a população do Príncipe.

Toda a gente sabe, desde o tempo colonial, que o Príncipe tem um aeroporto, pouco ou nada funcional, com uma pista em estado de degradação final, sem estruturas que suportem a sua operacionalidade, com o mínimo de dignidade, e, por isto mesmo, se converteu, há muito tempo, numa espécie de museu aberto com algumas “sucatas do ar” no seu espaço nobre.

Infelizmente, também, toda a gente sabia que não existia um barco, há muito tempo, com o mínimo de condições de segurança que garantisse a ligação inter-ilhas e, consequentemente, o transporte de pessoas e mercadorias com dignidade desejável. Havia um projecto e meios financeiros, para a sua aquisição, no governo do senhor primeiro-ministro, Tomé Vera Cruz. O projecto e os meios financeiros, em causa, desapareceram no governo do senhor primeiro-ministro, Patrice Trovoada e, voltaram a aparecer, pelo menos em intenção, com a entrada, em funções, deste governo.

Quantas mulheres do Príncipe, em estado adiantado de gravidez, não perderam a vida, ou o filho, por complicações de parto, irresolúveis localmente, que exigiam, por isso, o evacuamento rápido para S.Tomé, não realizável, no entanto, por inoperacionalidade nocturna da pista do aeroporto regional do Príncipe?

Quantos pais não perderam os seus filhos, no Príncipe, com patologias ou complicações momentâneas de saúde, que requeriam o rápido evacuamento para S.Tomé, mas que um exercício de espera matinal, para que o avião pudesse chegar em condições de segurança, ao Príncipe, transformou a dita esperança numa tragédia?

Quantos acidentes de aviação não foram evitados, por perícia invulgar dos nossos pilotos, tendo em conta o estado de degradação da pista do aeroporto do Príncipe e de outras estruturas de operacionalidade e de apoio ao mesmo?

Quantas “carcaças”, convertidas em projectos viáveis, sob caução do Estado Santomense, para transporte marítimo, de pessoas e bens, entre as ilhas, não afundaram, no meio do Atlântico, provocando a morte de muitos inocentes, a maioria deles do Príncipe, que, somente, procuravam circular livremente, em todo o território nacional, fazendo negócios, procurando usufruir de acesso à saúde e educação condigna ou fazendo outra coisa qualquer?

Quantos destes barcos não andaram, durante dias ou semanas, à deriva, no meio do Atlântico, na sua incansável e insubstituível missão de ligar as duas ilhas, colocando em risco a vida dos seus resistentes e humildes utilizadores, a maioria deles do Príncipe, condenados a pena, de terem de suportar este fardo, indefinidamente, pelo simples facto de terem nascido, ou optado por viver, nesta parcela do nosso território?

Estes seriam, inevitavelmente, a par de um forte impulso, indutor do desenvolvimento regional e nacional, argumentos suficientes para que qualquer governo, decente e preocupado com o interesse geral, se prontificasse a meter mãos à obra considerando o investimento, no aeroporto regional do Príncipe, bem como, a aquisição de meios de transporte marítimo e de suporte portuário inter-ilhas, como projectos prioritários de interesse nacional, em prol da coesão nacional e promoção de igualdade de oportunidades em todo o espaço territorial. O que é que, no entanto, aconteceu?

Como a população do Ilhéu da Rolas, que tem sido sacrificada em prol do desenvolvimento de interesses privados, a população do Príncipe foi, mais uma vez, vítima de desprezo, mesquinhez e desconsideração. Entre as opções de investimento público, equivalentes, para a revitalização do aeroporto regional do Príncipe e a construção de uma Doca Pesca, em S.Tomé, que ninguém sabe para que serve, o anterior governo optou por este, em detrimento daquele. Como todas as decisões políticas erráticas, despidas de estudos prévios, a montante, tendencialmente discriminatórias, injuriosas e mesquinhas, hoje, ouve-se dizer, que o governo central não sabe o que fazer com a dita Doca Pesca e, já há planos para a sua eventual alienação aos interesses privados. Para um país pobre em recursos financeiros, isto é o cúmulo da indigência espiritual, desrespeito pelos outros, ignorância ou loucura. O senhor Presidente da República aparece agora, a “chorar”, reclamando a rapidez com que o país esgotou os milhões de dólares decorrentes dos leilões dos blocos petrolíferos realizados anteriormente. Onde é que o senhor Presidente da República estava, na altura, que não emitiu qualquer opinião quando estas opções e decisões políticas foram tomadas? É exactamente isto que se pede a um Presidente da República: que tenha uma intervenção mais pedagógica e preventiva do que reactiva e choramingas.

Convencido que o desvario atingira o clímax, enganei-me redondamente. Um grande investidor estrangeiro, que é simplesmente o maior empregador privado da região do Príncipe, vinha, repetidamente, manifestando interesse na realização de um contrato de concessão, com o governo Santomense, que permitisse a requalificação, modernização e gestão do aeroporto regional do Príncipe minimizando, assim, os constrangimentos supra citados relacionados com a referida infra-estrutura, dotando, simultaneamente, o país de melhores condições de comunicação inter-ilhas e, consequentemente, de condições amplificadoras do desenvolvimento económico, regional e nacional. Perante várias propostas, do referido empresário, ao governo central e repetidas recusas deste, em negociar, numa atitude de total menosprezo pelo Príncipe, arrogância e autofagia, a população do Príncipe e seus legítimos representantes, saíram à rua, em manifestação, contra o isolamento, marítimo e aéreo, e o ostracismo, imposto à região e aos seus habitantes. Já não eram suportáveis o número de vítimas e as condições de prisão ou isolamento impostas ao Príncipe por aqueles senhores. Foi a resposta adequada, num contexto democrático, contra a arrogância, a humilhação e o desprezo, do referido governo central, relativamente ao Príncipe. O que é que queriam que a população do Príncipe e seus legítimos representantes fizessem depois do governo central entender que é mais razoável e racional, do ponto de vista económico e social, realizar um avultado investimento público na criação de uma infra-estrutura como a Doca Pesca, que já não sabem para que serve, em detrimento da requalificação e modernização do aeroporto regional do Príncipe ou na aquisição de um meio de transporte marítimo e, mais grave do que isso, impedir que privados o pudessem fazer, num contexto de contrato de concessão, substituindo o próprio Estado? Ou seja, é a típica arrogância inqualificável que caracteriza os sucessivos governos nacionais: eu não faço, porque não sei ou porque não quero; e, não desejo que os outros façam. Pensam eles: a população do Príncipe que se amanhe com o aeroporto e ausência de meios de transporte marítimos e todos os outros problemas! No Príncipe, já há quem pense, que, esta reiterada pré-disposição para humilhar e marginalizar a região faz parte de um plano, mais abrangente, para “matar”, paulatinamente, a sua cultura, sociedade e economia, criando um ambiente de claustrofobia local que obrigue a sua população a abandonar a ilha. É óbvio que eu não acredito nisto! Mas dá que pensar, sobretudo, porque foi a mesma receita utilizada com a população do Ilhéu das Rolas, perante o “silêncio” do senhor Presidente da República. Desta vez, perante a resposta da população do Príncipe, numa manifestação democrática avassaladora, o senhor Presidente da República quebrou o silêncio para se manifestar indignado com a qualidade de organização, participação e envergadura da referida manifestação, contra o governo central, reclamando a viabilização de condições que permitissem a assinatura do contrato de concessão, com o referido empresário, possibilitador da requalificação do aeroporto regional do Príncipe.

O mesmo Presidente da República que fica em silêncio quando a população do Ilhéu da Rolas é humilhada e expulsa do referido Ilhéu; manifesta-se indignado e amuado quando a população do Príncipe sai à rua em situação de resposta à humilhação e desconsideração similar. O mesmo Presidente da República, que, “bate palmas” quando os representantes legítimos do Governo Regional, do Príncipe, são impedidos de falar aos órgãos de comunicação social estatal do país, pelo primeiro-ministro, Patrice Trovoada; transforma-se, posteriormente, num choramingas quando a população do Príncipe saí à rua em manifestação democrática.

O mesmo Estado que quis entregar, de borla, todas a praias do país, incluindo as do Príncipe, a um grupo privado estrangeiro; manifesta-se, por outro lado, preocupado e inquietante com a assinatura de um contrato de concessão, com um empresário estrangeiro, que permitiria a modernização e gestão privada do aeroporto regional do Príncipe. O mesmo Estado, que, hipotecou milhões de dólares, prejudicando todos os Santomenses, com a assinatura de um contrato nefasto, para o país, com a ERHC, Synergies Investment; invoca, mais tarde, interesse público, como impedimento para assinar, com um empresário estrangeiro, o contrato de concessão e gestão do aeroporto regional do Príncipe. O mesmo Estado que estimula e promove o “banho” convencido da sua integridade e bondade na divulgação ao mundo de um contributo invulgar para a democracia; denota, com ar de virgem ofendida, desorientação perante uma manifestação popular, sem precedentes, no Príncipe, e manda investigar o empresário referenciado convencido que este financiara toda a população do Príncipe para a realização deste propósito reivindicativo. Esta é a democracia Santomense no seu máximo esplendor, digna de ser estudada e exportada para outras paragens. É óbvio que a população do Príncipe não se verga perante humilhação, desprezos e marginalização e, comportou-se, neste caso concreto, como um “Príncipe Quase-Perfeito e Premonitório”. É pena que alguns excessos marginais, sem significado maior, acabaram por manchar esta afirmação de liberdade democrática traduzida em manifestação e luta contra a humilhação e desprezo. Comecem a habituar: um PRINCIPE não se verga!

Não foi preciso esperar muito tempo para que a desgraça, do Therese, que ceifou a vida de mais de uma dezena de inocentes, a maioria deles originária do Príncipe, viesse confirmar a pertinência e oportunidade política da realização da referida manifestação popular, no Príncipe, dando razão ao Governo Regional e, sobretudo, à população do Príncipe pelo referido “atrevimento” democrático reivindicativo.

Muitos preferiram, nesta altura, estar calados; outros, como o senhor Presidente da República, entenderam que aquele gesto reivindicativo, da população do Príncipe, era uma séria ameaça ao regime e instituições democráticas; outros, ainda, consideraram-no um sinal de populismo exacerbado.

Com a desgraça do Therese, todos choram e manifestam pesar e condolências às vítimas e já há quem manda o Governo Regional “falar mais alto porque os assuntos do país são sérios” enquanto, permaneciam, durante a manifestação popular no Príncipe, nas suas conchas ou carapaças, preocupados com os seus devaneios políticos. Foi mais uma boa lição de vida: o povo tem sempre razão!

Como diria a minha avó Maria Preta, citando Emmanuel Mounier: «…Resta uma saída e só uma: afrontar, inventar, investir, a única que, desde as origens da vida, pode sempre triunfar sobre as crises. Os animais que, para lutar contra o perigo, se esconderam em tranquilos recantos, envolvidos em pesadas carapaças, mais não nos deram do que amêijoas e ostras. Vivem de restos. O peixe, que correu a aventura da pele nua e da deslocação rasgou o caminho que leva ao Homo sapiens. Mas há muitas maneiras de investir…»

As minhas maiores condolências  aos familiares das vítimas desta autêntica catástrofe.

A.C

 

publicado por adelino às 11:55
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Segunda-feira, 22 de Setembro de 2008

Mexer no Sistema para Mudar o Regime?

 

Tenho lido, nos últimos tempos, com alguma frequência, algumas propostas, mais ou menos fundamentadas, mais ou menos rigorosas, sobre a necessidade de mudarmos de sistema político, rumo ao presidencialismo, atendendo às “insuficiências estruturais” do nosso semipresidencialismo provocador de crises e instabilidades governativas cíclicas e, consequentemente, do atraso económico e social. Mais recentemente, o senhor Presidente da República, em conferência de imprensa, decidiu contribuir, de forma assumida, descomplexada e avulsa, para o debate do referido tema. Há, desde logo, neste caso, uma análise redutora e ingénua na medida que relaciona a instabilidade governativa, com o sistema político vigente, negligenciando a contribuição do sistema partidário (não é a mesma coisa) nesta mesma instabilidade governativa.

Qualquer destes analistas, e políticos, devem saber que, não se pode dizer que o sistema presidencialista é mais propício à estabilidade do que o parlamentar, por exemplo, sem atender, ou ter em conta, o sistema de partidos considerado em concreto. Mas, já se pode dizer que o monopartidismo e o bipartidismo perfeito são mais favoráveis à estabilidade governativa do que o pluripartidismo. Por outro lado, o monopartidismo, ou o bipartidismo perfeito, por si só, não são sinónimos de desenvolvimento económico e social do país. Nós já tivemos a experiência de estabilidade governativa, num sistema monopartidário (regime totalitário) e nem por isso registaram-se impulsos favoráveis de desenvolvimento económico e social do país.

Outros sugerem, como argumento em favor do presidencialismo, que os cargos do primeiro-ministro e de Presidente da República e a complexa estrutura governativa do país, contemplando muitos ministérios, constituem um fardo financeiro insuportável para o mesmo. Isto parece-me um tremendo disparate na medida que relaciona o organigrama ou estrutura governativa, eventualmente pesada e susceptível ao desperdício, com o sistema político. Para se alterar o organigrama ou estrutura governativa do país, de acordo com a nossa realidade política, social e económica, diminuindo os gastos, é preciso alterar o sistema político vigente?

Outros, ainda, sugerem que as crises resultantes do nosso semipresidencialismo derivam da descontinuidade organizacional do modelo administrativo colonial, após a independência, sendo, por isso mesmo, o presidencialismo, mais favorável ao nosso desenvolvimento, democrático, económico e social. Não posso concordar com uma conclusão tão simplória e, ao mesmo tempo, contraditória. Se há coisa que a luta anticolonialista fez, inconscientemente até, foi criar e promover a formação de partidos políticos, moldados nas formas do poder colonial, com tiques monopolistas, centralizadores e autoritários, substituindo-o, assumindo as mesmas funções, do poder colonial, confundindo-se com o próprio Estado, que, por sua vez, era a imagem que poder colonizador transmitia. Ou seja, ao monopolismo e autoritarismo do aparelho colonizador seguiu-se o monopolismo e autoritarismo do partido único que assumiu o poder na nossa terra. A este propósito, escreve Gerhard Seibert «…quando os portugueses partiram do arquipélago em 1975, não legaram um quadro de instituições democráticas representativas. O poder colonial não foi capaz de iniciar os líderes políticos na ética do sistema democrático, uma vez que os portugueses acabavam, eles próprios, de se desembaraçar de um regime autoritário. Consequentemente, em S.Tomé e Príncipe, as figuras destacadas, que disputaram o poder, desde a independência, não possuíam atitudes ou valores enraizados nas práticas da democracia liberal…»

Como é que se poderia fazer o caminho para a democratização do país mantendo um formato administrativo, organizacional e político, minimizador deste propósito? Não seria, como é óbvio, mantendo as mesmas estruturas de um regime autoritário, coisa que nem em Portugal aconteceu. Tinha-se que, internamente, criar impulsos que permitissem a instalação de embriões de organização parlamentar e pluralista, de acordo com os traços característicos fundamentais da cultura política vigente no país. O sistema político deve estar ao serviço de um contexto histórico concreto, de acordo com a realidade social envolvente, e a democracia não deve ser construída sob alicerces de um regime ou de uma organização administrativa anacrónica para satisfação de saudosismos individuais estéreis. Isto seria a antítese da própria democracia. Reparem no aspecto da coisa: só porque o país era dirigido por um governador, no contexto colonial, tinha-se que adoptar, no contexto democrático, um sistema presidencialista que reproduzisse as mesmas funções, os mesmos princípios e o mesmo simbolismo, da figura do governador, independentemente do tipo e exigências do novo ambiente político. É bom não se esquecerem, contudo, que não há democracia sem partidos políticos e, o presidencialismo, pelas suas características, é, grosso modo, nas democracias pouco maduras, um sistema que “destrói partidos” enquanto o parlamentarismo os “constrói”. Neste contexto, fazia sentido, no processo de democratização do país, a implementação de um sistema político presidencialista ou semipresidencialista? Todos sabemos que a política em S.Tomé e Príncipe é excessivamente personalizada e, que, muitas vezes, alguns “dinossauros políticos” têm muito mais peso e significado político do que as estruturas partidárias que os alberga. Qual dos sistemas políticos, em análise, favorece o desenvolvimento deste individualismo em detrimento da expressão de estruturas de organização social como os partidos políticos? Qualquer estudante inicial de Ciência Política reconhecerá que é o presidencialismo. Se o presidencialismo favorece ou estimula a personalização da vida política, em detrimento de formas partidárias de intervenção e expressão política, parece-me contraproducente e inapropriado a escolha de um caminho ou sistema que viria contribuir para agravar, ainda mais, as deficiências da nossa democracia, asfixiando o crescimento natural dos partidos políticos nacionais. Além disso, é esta personalização excessiva da vida política, entre outras anormalidades, que tem contribuído para ensaios de projectos pessoais de poder, no nosso país, maximizando a despolitização ideológica, dificultando, assim, o fortalecimento do nosso sistema partidário. Provavelmente, estavam criadas algumas condições, desde a implantação da democracia, no país, para que o nosso sistema partidário evoluísse no sentido do bipartidismo, mais susceptível à estabilidade governativa. O PCD-GR e o MLSTP-PSD independentemente das dificuldades organizativas, percurso histórico e implantação nacional de cada um deles, poderiam desempenhar este propósito evolutivo do nosso sistema partidário. O que é, no entanto, que aconteceu, resultante da dinâmica do poder, na nossa terra, típico da personalização excessiva da vida política? Miguel Trovoada, tendo sido apoiado na sua eleição presidencial, pelo PCD-GR, cedo criou condições para o asfixiamento político desta estrutura partidária e, não parando por ai, fez nascer o seu próprio partido político, o ADI, que sustentasse o seu projecto pessoal de poder. Trepando, cada vez mais alto, e sem qualquer piedade politica pelos adversários e interesses colectivos, de qualquer natureza, ele mesmo, qual Luís XIV, decidiu que Fradique de Menezes deveria ser o seu sucessor natural. Dito e feito, independentemente da vontade de qualquer força partidária nacional, era esta a decisão soberana que tinha que prevalecer. Entretanto, o PCD-GR foi-se definhado, ao longo dos tempos, e, Fradique de Menezes, qual filho bastardo, que se queria afirmar, também tratou de formar o seu próprio partido, o MDFM-PL, para prolongar, autonomamente, o reinado que o se pai iniciara. O ADI e o MDFM-PL são, pois, instrumentos políticos, de projectos pessoais de poder, que alteraram a evolução natural do nosso sistema partidário, rumo ao bipartidismo. Uma vez na presidência, e querendo ficar salvaguardado dos falhanços políticos, que comprometessem o projecto pessoal de poder iniciado pelo seu pai, resultantes de juramentos de fidelidade conjunturais, Fradique fez aquilo que Miguel não ousara fazer por ausência de condições políticas. Iniciou, propositadamente, uma conjuntura extraordinária de crises políticas, de que resultou a nomeação de oito primeiros-ministros, num exercício presidencial de um mandato e meio, que lhe poderia levar ao propósito decisório popular de substituição de uma ordem constitucional, vigente, por outra. Para isso, contava, aqui e acolá, com alguns séquitos, prontos a demonstrarem-nos, numa perspectiva estruturofuncionalista, com uma teia contraditória de argumentos, a bondade e pertinência do sistema presidencialista. Ninguém de bom senso reclamou, junto destes seguidores incondicionais do senhor presidente da república, que, a perspectiva estruturofuncionalista possibilita-nos, apenas, uma visão estática e formal do aparelho do poder desprezando os processos de decisão política, das consequências tomadas, do impacto produzido no sistema social e das reacções que suscitam. Ou seja, não nos permite compreender a dinâmica do poder, designadamente as interacções recíprocas do aparelho do Estado com outros sistemas intra-societais. Quais são os nossos problemas crónicos, ciclicamente reproduzidos e diagnosticados em relatórios nacionais e internacionais, conferências, livros, imprensa, etc? É a corrupção, problema do “Banho”, decisões políticas erróneas e mal estudadas, assinaturas de contratos, com entidades internacionais, prejudiciais aos interesses do país, instabilidade governativa cíclica por interferência dos Presidentes da República na esfera governativa e/ou por desorganização partidária, deficiente funcionamento da justiça, excesso do personalismo como cultura política dominante, deficiente organização e funcionamento dos partidos políticos, prossecução de interesses pessoais em detrimento dos interesses colectivos, falta de autoridade de Estado, etc. É óbvio que todos estes problemas estão inter-ligados e são, eminentemente, de natureza política. Só num país de malucos e irresponsáveis é que se pode concluir, de ânimo leve, que aqueles problemas desaparecerão, e o país entrará numa espiral de desenvolvimento económico e social, fruto da substituição da ordem constitucional vigente por outra qualquer. Muito pelo contrário! Tendo em conta a nossa cultura política dominante e as características do sistema presidencialista prevejo, até, que alguns destes problemas se agravarão, no futuro. O “quadro constitucional” não deve ter como finalidade a resolução de problemas políticos conjunturais, caso contrário, teríamos de alterá-lo todos os meses, na nossa terra. As questões políticas não mudam de forma nem variam a sua manifestação concreta só para melhor corresponderem aos valores abstractos de um sistema político. Um sistema político não se limita apenas ao aparelho estatal e nem todas as estruturas políticas são estaduais, ou seja, integram o Estado e, consequentemente, nem todas as funções políticas são desempenhadas pelo aparelho do Estado. Assim sendo, mudar de sistema semipresidencial para o presidencialismo, por si só, resolveria os nossos problemas internos e estruturais relacionados com o aprofundamento da democracia, desenvolvimento económico, social e cultural do país? Não creio! A não ser que os defensores do presidencialismo identificassem o Estado com o sistema político; ou, dito de outra forma, a estatização de todo um sistema político. Isto só é possível e aceitável em regimes totalitários em que o Estado controla todas as funções e actividades das estruturas políticas da sociedade. Mas não é isto mesmo que o ensaio de projectos pessoais de poder, na nossa terra, pretende? Será que pretendem mexer no sistema político para mudarem o regime? 

 A.C

 

 

 

publicado por adelino às 22:58
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Terça-feira, 24 de Junho de 2008

Os Aprendizes de Feiticeiro

 

 

Se em política não se deve prever tudo; também, é verdade que não se deve transformá-la num jogo de “cabra-cega”, sem um interruptor para o on e outro para o off, transformando as nossas acções, num perigo para toda a comunidade, suportadas por megalomanias e desprezo pelos outros, de um poder demasiado grande, exercido por anões, num país pequeno.

O político tem de cultivar a capacidade de contenção. A fuga para frente, perante factos ou conjunto inesperado de circunstâncias desfavoráveis, pode ser fatal, contraproducente e prejudicial para toda a comunidade. Não vou falar sobre os factos, directos ou indirectos, relacionados com a queda do actual governo de Patrice Trovoada porque são acontecimentos políticos, aparentemente inesperados, favoráveis ou desfavoráveis, que, tanto surpreenderam a coligação, (MDFM/PL e ADI) directamente atingidos, como o MLSTP/PSD e PCD hipotéticos favorecidos. Na política não há sorte ou azar, mas, sim, um conjunto de circunstâncias temporais de que se deve tirar proveito sem colocar em causa os interesses do Estado de direito democrático.

Foram um conjunto de circunstâncias que permitiram que Patrice Trovoada chegasse ao cargo de primeiro-ministro, sem que o seu partido tivesse ganho as respectivas eleições legislativas; e, também, outro conjunto de circunstâncias, provavelmente relacionadas com as anteriores, que permitiram, agora, que o MLSTP/PSD esteja em condições de regressar ao poder sem ter vencido as eleições em causa. Do ponto de vista político, podemos concordar ou não. Eu, no primeiro caso, manifestei a minha discordância, quanto ao método e forma desta indigitação. Em relação ao segundo caso, tenho dúvidas, muitas dúvidas, que fosse benéfico para o próprio MLSTP/PSD ir desta forma para o governo, sem uma legitimação clara e autêntica do projecto que pretendem oferecer ao país. Mas isto é um problema do MLSTP/PSD que, pode, no entanto, transformar esta decepção, de outros, numa rara oportunidade, de ouro, para si. Isto é política.

Perguntar-me-ão, no entanto: existiram ou existirão problemas ou atropelos de natureza constitucional ou legal que justifiquem preocupações nos dois casos? Eu não vislumbro, mas, cabe as entidades, do país, com vocação e responsabilidades nesta área, dentro do nosso quadro jurídico-constitucional, analisar e encontrar resposta para esta questão salvaguardando os interesses do nosso Estado de direito democrático. O que não se pode admitir, é, que, pessoas, com grandes responsabilidades políticas, designadamente, o senhor Costa Alegre (no caso do MDFM/PL) e o senhor Patrice Trovoada (no caso do ADI) possam insurgir-se contra a hipotética nomeação do governo do MLSTP/PSD, por parte do senhor Presidente da República, ameaçando com um eventual abandono, dos respectivos grupos parlamentares, da Assembleia Nacional, se tal propósito se concretizar. É este o respeito que o povo, que votou, nas referidas eleições, nos partidos em causa, merece? É esta a inauguração de mais uma nova forma de fazer política na nossa Terra? É desta forma que se fortalece as instituições democráticas do país com a importância da Assembleia Nacional? Eu estava convencido que já ouvira e lera tudo, de extravagante e exótico, que os nossos políticos pudessem produzir ou emitar, mas, ouvindo estes dois senhores, avançando com esta possibilidade, na R.D.P – África, como resposta ao “atrevimento” do senhor Presidente da República, de nomear um governo do MLSTP/PSD, fiquei completamente estupefacto e zonzo com a capacidade política, criativa e marginal, desta gente. E se a moda pega, no país, doravante, passaríamos a ter grupos partidários, isolados ou em coligações, que abandonariam, sempre, a Assembleia Nacional, desagradados com as propostas ou propósitos, do senhor presidente da República, de formação de governos de coligação excludentes? Seria a impossibilidade, óbvia, de sobrevivência da nossa própria democracia. Como é possível que pessoas com responsabilidades políticas acrescidas, possam dizer coisas com esta gravidade, completamente convencidas que estão a cumprir os interesses e compromissos da política e da nossa própria democracia? Eu se fosse simpatizante ou militante do ADI ou do MDFM/PL (que é o partido do senhor Presidente da República) teria vergonha de sair para a rua, no dia seguinte, sendo representado por esta gente. Isto faz-me lembrar a posição de alguns supostos intelectuais, da nossa terra, que se auto-proclamam democratas convictos, mas, no entanto, admitem a possibilidade de resolução de alguns conflitos políticos, no país, com recurso aos golpes de Estado. A política é uma actividade civilizadora que é usada para encaminhar conflitos sociais de um modo racional. Que racionalidade existe nesta decisão, de abandono da Assembleia Nacional, por parte dos deputdos do MDFM/PL e do ADI, só porque existe uma proposta, ou propósito, de formação de um governo de coligação que exclui estas duas formações da sua constituição? Dentro do nosso ordenamento político e jurídico-constitucional não existem formas racionais e pedagógicas de manifestação deste descontentamento democrático? Por que razão os partidos em causa não esperam, serenamente, pelo resultado da suposta providência cautelar, interposta pelo ADI, no Supremo Tribunal de Justiça, relacionada com o facto em causa?

A minha avó, Maria Preta, bem me dizia: não acendas uma vela que não saibas apagar; não faças mover-se uma pedra, do cimo de um monte, que não possas, posteriormente, deter. Não sei se ela, na sua adolescência, lera o famoso poema de Goethe sobre o insensato aprendiz de feiticeiro ou, se alguém lhe falara dele. Mas, de facto, não devemos, por razões emocionais desesperantes, invocar os espíritos enquanto não conhecermos a fórmula que nos possa fazer ficar livres deles. É exactamente isto que estes nossos aprendizes de feiticeiro têm estado a fazer. Ninguém saberá, no futuro, quais serão as consequências do acto destes senhores, como aconteceu com a inauguração do problema do “Banho”. Não basta termos de suportar o empecilho democrático que é o “Banho” e outras formas, mais ou menos subtis, de “compra do poder”, no país, para, agora, assistirmos ao acto de inauguração de uma nova forma de fazer política, que, é a “birrademocracia”, própria de imaturos sem quaisquer responsabilidades pelos seus actos. É este o espectáculo, e exemplo democrático e pedagógico, que se dá aos nossos jovens e crianças: abandonem a Escola quando não concordarem com as decisões dos vossos professores e/ou outros superiores hierárquicos.

Um político cego torna-se perigoso, sobretudo, em democracias, por consolidar, como a nossa. O que menos precisaríamos, neste momento, é de políticos, aprendizes de feiticeiro, que, não exercem, sobre si mesmos e sobre as suas acções, um permanente esforço de lucidez crítica onde: o escrúpulo prevaleça sobre o cinismo; os interesses colectivos prevaleçam sobre interesses egoístas de qualquer natureza.

Temo que estaremos a empreender uma viagem, como bem dizia a minha avó, a bordo de um avião, dirigido por aprendizes de feiticeiro, com bilhetes só de ida. Quem nos trará de regresso?

 A.C

 

 

 

 

 

publicado por adelino às 00:14
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Sábado, 14 de Junho de 2008

De Estadista Anão a Populista Perigoso

 

A minha avó, Maria Preta, dizia-me sempre, com uma convicção e sabedoria que só a idade proporciona: respeite os anões mas não o temas. Ela tinha a sua razão, suportada por factos vivenciais, de uma vida nómada, ao lado do marido, um feitor agrícola, nas diversas roças de S.Tomé e Príncipe. Segundo a minha avó, na roça Agua- Izé, onde ela viveu uma temporada, havia um anão que, para demonstrar a sua autoridade, junto da esposa, dos demais trabalhadores e administradores da referida roça, chamava a mulher para o centro do terreiro, assim que esta transgredisse, voluntária ou involuntariamente, qualquer das regras que, ele, aleatória e autoritariamente, decretara como sendo o seu “Tratado de Vida Conjugal”. O referido anão, fazia questão de andar com o seu “Tratado de Vida Conjugal” (um conjunto de folhas já amarelecidas) debaixo do braço, por toda a parte. Uma vez no centro do terreiro, e rodeado por centenas de trabalhadores, em total alvoroço teatral, o casal cumpria o seu rito. Ele subia para cima de um banco, para compensar o défice de altura em relação à mulher, e esta, com as duas mãos coladas aos quadris, esticava a face para a frente, para, num acto de total submissão, receber os quatro pares de bofetadas do dia, intervaladas por palmas e olês dos trabalhadores em roda. Cumprido o acto cénico, que o anão fazia questão de propagar, nas redondezas, como o de “restauração da autoridade do marido”, a mulher desaparecia, submissa, envergonhada e angustiada, no meio daquela multidão rumo à cozinha.

Analisando, nestes poucos dias, o estilo e acção do governo de Patrice Trovoada, os propósitos avulsos da suposta reposição da autoridade de Estado, reiteradamente propalado pelo referido governo, e, pasme-se, o discurso auto-elogioso do senhor Presidente da República, numa cerimónia oficial, em que este declarava «…eu sou um dos actores e autor da reposição da legalidade no comando Geral da polícia aquando da última rebelião no país…» fiquei com a nítida sensação de que, o país entrou, definitivamente, na fase de “Autoridade de Estado do Anão” em analogia com a história contada pela minha avó.

O Estado não pode se comportar como um neurótico obsessivo que interioriza que os seus pensamentos, decretos e articulados legais avulsos, por si só, valem por acções, num contexto ou propósito de reposição da autoridade de Estado, no país, como objectivo central de legislatura, idêntico ao frenesim autoritário e musculado do anão da nossa história, mas, na prática, fazer exactamente o contrário e o indesejável para garantir esta mesma autoridade de Estado.

Há, pelo menos, duas coisas que verdadeiramente caracterizam o conceito de autoridade, na perspectiva política, sobretudo em sociedades marcadamente personalizadas como a nossa: a legitimidade do poder na sua origem e fundamento e a forma como esse poder é exercido. Só estas duas coisas garantem confiança, prestígio, credibilidade e, consequentemente, autoridade, como fonte de bem, para aqueles sobre quem esta autoridade é exercida. Ora, é exactamente isto que faltou, desde a sua génese, ao processo que conduziu Patrice Trovoada à chefia do governo. Não está em causa, o facto do ADI, partido do Patrice Trovoada, não ter ganho as eleições e, mesmo assim, este ter sido, eventualmente indicado, por proposta e entendimento inter-partidário, chefe do referido governo de coligação. O que me parece grave, muito grave, é que o fundamento desta legitimação não esteja intrinsecamente relacionada com: a eventual garantia de sustentação parlamentar, do governo, com a inclusão de mais um partido na referida coligação; o contributo político-programático que o ADI poderia trazer à coligação; ou, com eventuais dotes excepcionais de liderança, organização ou carisma do referido protagonista político, Patrice Trovoada. Nada disto serviu como fundamento para relegitimar o governo, mas, somente, a promessa de que o senhor Patrice Trovoada conseguiria mobilizar, do exterior, 50 milhões de dólares, numa primeira fase, para o presente orçamento de Estado, e, posteriormente, mais 700 milhões de dólares. Qual Gugú, a única coisa que Patrice Trovoada garantiria à coligação, num contexto temporal não muito distante, seria dinheiro, muito dinheiro. Por isso, foi tratado, naquele momento, pelo senhor Presidente da República, com muito carinho, delicadeza e ovos. Os Gugús gostam de ovos. Passamos, rapidamente, no país, como eu prognosticara num artigo muito anterior, de um fenómeno com a expressão do “banho” para um processo de “compra de poder” enquanto mercadoria ou negócio. O processo político como fenómeno de conquista de adesão do governado está a desaparecer e os partidos políticos, mais concretamente o ADI, estão a transformar-se em agências mercantis, sendo o seu chefe uma espécie de Gugú ou Alá. Ninguém se preocupou em conhecer, de forma aprofundada, a origem deste dinheiro, do senhor Patrice Trovoada, que iria tirar os Santomenses do inferno da pobreza. Pelo contrário, o senhor Presidente da República, foi alimentando, com mais ovos, o nosso Gugú queixando-se: do mal que os partidos políticos fazem ao país; da crise energética que o país atravessava e da ruptura de géneros alimentares, de primeira necessidade, designadamente arroz, no país. Ou seja, Fradique de Menezes estava a tratar a murro o anterior primeiro-ministro, Tomé Vera Cruz, e, consequentemente, a abalar os alicerces do seu próprio partido, o MDFM, criando, com isso, mais uma instabilidade política ao país, desta vez, por causa do dinheiro do seu Gugú. Este seria o seu sétimo primeiro-ministro, de um longo reinado, por isso a escolha teria que recair numa personagem com características mágico-religiosas, com poder de aparecer, só para determinadas pessoas e, eventualmente, desaparecer sem deixar rastos, noutras ocasiões. Só um Gugú pode fazer isso. O povo, nesta altura, já perguntava: se eles, no interior do MDFM, não se entendem como é que uma coligação de três partidos pode vir a entender num futuro governo?

Ninguém se preocupou, em saber, como é que se faria o escrutínio público sobre a origem do dinheiro do Gugú. O que é que o país daria em troca por uma quantia tão avultada? Qual é o sacrifício que cada Santomense, individualmente, teria que fazer, para satisfazer os apetites do nosso Gugú e dos seus financiadores externos? Ninguém saberá responder estas perguntas, mas trata-se da inauguração de uma nova forma de fazer política, no país, com consequências desastrosas para a nossa democracia, sobretudo para um governo que se propunha restaurar a autoridade de Estado no país. Como é que o povo pode confiar num Estado que tem este tipo de prática? O exercício da autoridade é um serviço público que se desvirtua quando é usado para interesses egoístas de natureza pessoal ou de grupo. Qualquer dia, não me admiraria nada, teremos terroristas ou mafiosos a quererem financiar o orçamento do nosso Estado para sustentação dos seus próprios interesses no interior do país.

Relativamente à forma como o poder foi exercido por Patrice Trovoada, desde a sua génese, só constatamos contradição, incoerências e, mais adiante, um populismo perigoso. Em entrevista à Lusa, há pouco tempo, Patrice Trovoada dizia coisas fabulosas como estas: «… o Presidente Fradique de Menezes é um erro de “casting” que, a par da corrupção, provocou instabilidade no país…» «… o próximo governo deve ser composto por “gente credível” porque, caso contrário não se resolve o problema da instabilidade (…) há algumas figuras manchadas e é preciso a renovação das figuras públicas…» Patrice foi, provavelmente, nesta entrevista, certeiro no diagnóstico embora fiel na acção. Como é que alguém que considera o senhor Presidente da República como o maior provocador da corrupção e instabilidade no país pode predispor trabalhar de forma solidária com este? Como é que alguém que quer restaurar a autoridade de Estado no país, combater a corrupção e “renovar” figuras públicas, afastando os “manchados”, pode ter no seu executivo gente com um percurso nem sempre linear no tratamento da coisa pública?

Por último, como é que alguém que quer restaurar a autoridade de Estado, no país, tenta cercear um direito constitucional fundamental de qualquer cidadão, neste caso dos representantes eleitos do governo Regional do Príncipe, que é a liberdade de expressão, impedindo-os de falar nos órgãos públicos de comunicação social do país? Qual anão da nossa história, tratando os assuntos públicos como a sua mulher ou a sua quinta, o senhor primeiro-ministro mostrou autoritarismo em vez de autoridade. O autoritarismo está nos antípodas da autoridade. Em qualquer país decente, só este acto isolado, seria suficiente para fazer cair qualquer governo na medida, que, se trata de um mau exercício da autoridade, violador de um princípio constitucional fundamental.

Já na fase de desorientação, política e pessoal, decorrente da aprovação da moção de censura, ao governo, onde se exigia serenidade e postura de Estado, o senhor primeiro-ministro, decidiu dar mais um passo em frente, tirando a máscara da cara completamente. O Gugú, que normalmente é invisível e só aparece para gente sortuda, passou a ser uma pessoa normal e populista. Vai daí, começa a declarar que: todos os políticos nacionais são corruptos, sem apresentar qualquer prova convincente; foi vítima de uma cabala política decorrente de recalcamentos políticos inultrapassáveis; vai prender todos os desordeiros; tem a popularidade em alta; é vítima do sistema por problemas familiares, etc. Quem mais vai continuar a acreditar no discurso auto-satisfatório do nosso Gugú? 

A.C 

 

publicado por adelino às 20:13
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Sábado, 31 de Maio de 2008

Manifesto Anti-Hugo

Uma pequena homenagem a um colega que rejeita bater a porta e pedir licença para reflectir. Por isso, não é uma coisa! Não gosta que os outros sejam uma coisa. Não suporta a domesticação, por isso, também, gosta dos animais, das plantas, dos fungos, e até, de fornos solares…

Um abraço para ti…

 

Manifesto, Anti-Hugo, dos filhos da Girafa, do Sapo e da Jibóia

 

«…Vimos-te chegar, calmamente, à selva, com ares de intelectual moderno, simpático, afável e disponível. Nem Darwin nem Lineu ousaram transgredir as regras avulsas impostas pelas nossas queridas mães e tu, qual Carlos Magno, pretendes transformar a selva num lugar de conversão dos mouros? Somos animais e não criaturas humanas! Por favor, deixa-nos em paz! Não mexas nas folhas, não mexas no nosso sagrado húmus, não mexas nas nossas lianas. Estas, hão-de crescer, crescer para o céu, transformando, mais tarde, em autênticas parasitas modernas. É este o nosso destino também…»

Era este um manifesto secreto, dos filhos da girafa, do sapo e da jibóia, que circulava na selva, passado de boca em boca, entre intervalos digestivos, mais ou menos prolongado, de cada espécie daquele ecossistema em ruínas. O Hugo, um investigador modernaço e teimoso, como todos os Santos que fazem milagres e têm a invulgar capacidade de compreender e falar com os animais e vegetais da selva, foi alertado por um pica-pau anão, (uma rara espécie descoberta recentemente) sobre o conteúdo do referido manifesto. Intuitivo, quanto baste, bateu na porta do lagarto-sem-pernas-que-sabia-ler, piscou o olho ao morcego-azul, acenou o hipopótamo-que-sabia-tabuada e convidou todos os outros animais e vegetais da selva para uma hipotética acareação ou reunião que contribuísse para desanuviar o ambiente de pré-contestação ao seu desafio de transformação da selva num ecossistema mais dinâmico e luminoso. De facto, até o Sol abandonara aquele habitat, que Deus criou, em prol do desenvolvimento de determinadas espécies de plantas, animais e fungos.

O lagarto-sem-pernas-que-sabia-ler, o hipopótamo-que-sabia-tabuada, a girafa, o sapo, a jibóia e os filhos destes últimos três, responderam, no início, negativamente, ao desafio do célebre investigador Hugo. Aliás, esta era a prática usual naquela selva. No entanto, todos os animais, vegetais e fungos da selva reuniram-se, naquele dia, na gruta do morcego-azul para discutirem, com o investigador Hugo, sobre o destino da selva. Os ratos, as moscas e os últimos exemplares de linces também compareceram. O investigador Hugo agarrou numa liana e, qual Tarzam, mostrou as suas habilidades multifacetadas indo parar, num salto mágico, ao cimo de uma saliência exuberante de uma estalactite. Com um megafone improvisado, construído com folhas entrelaçadas de palmeira, começou o seu sermão:

«…Dêem o Sol aos animais e plantas. Não deixem as lianas crescerem, de forma tão parasitária e caótica, cobrindo as copas de todas as outras árvores, sufocando as outras espécies, privando-as do Sol. Dêem alguma humidade aos musgos. Deixem os caracóis estivarem…»

Um silêncio incomodativo rasgou as caras da girafa, do sapo e da jibóia, enquanto as outras espécies ficavam endiabradas ou embevecidas com o atrevimento do mais nobre pregador que passara, até então, pela selva.

Ouvia-se, cada vez com mais intensidade e enquadramento rítmico faunístico:

- Ai, está… Hugo! Hugo! Hugo! Ai, está… Hugo! Hugo! Hugo!

As lianas e outras criaturas fixas replicavam, ao sabor das traquinices do vento:

- Santo Pregador! Santo Pregador! Santo Pregador!

O investigador, embalado no seu propósito evangelizador, como os raios de luz que passaram a entrar, de repente, naquela selva, continuou o seu discurso:

- E tu Girafa camelopardalis!? Já reparaste, que, por todo o lado por onde passas acabas por deixar a tua marca contraditória entre o desejo incontrolável de chegar ao céu e a tua pequenita cabecinha? Queres chegar ao céu só com as pernas e o pescoço? Por que razão só aproveitas as tuas longas pernas e pescoço para, selectivamente, cuidares da tua alimentação, escolhendo as folhas mais tenras e verdes das árvores? Tratas mal, até os teus próprios filhos! Deixa-te de exibicionismo bacoco e estéril. Dá um pouco mais de ti à comunidade biótica.

A partir daquele momento, começou o alvoroço total. Em roda, mais ou menos desorganizada, entre as estruturas da gruta, os animais e vegetais daquela selva, incluindo os filhos da girafa, faziam uma autêntica festa.

A girafa, descontente e enraivecida, deu uma valente cabeçada no autocarro que o investigador Hugo levou à selva para transporte de algumas amostras de solo, tendencialmente degradado, e estatelou-se no chão.

Em uníssono, todas as plantas declararam:

- Até na morte ela foi inteligente!

O investigador Hugo, tirou, momentaneamente, os óculos da cara, e reiterou o seu propósito de luta pela justiça na selva, dirigindo-se directamente ao sapo-boi:

-Tu, Bufo ictericus, não podes continuar a comer assim…

- Bufo o quê?! Responderam com ar de gozo todos os outros animais.

O investigador Hugo, depois de esclarecer e explicar a essência do nome científico atribuído ao sapo-boi, continuou o seu discurso:

- …Como eu dizia, tu, sapo-boi, és o representante de um dos grupos de animais que apareceram em primeiro lugar na Terra. Estás sempre de bem com os peixes e com os coelhos, na medida que és um anfíbio. És o rei da intriga cá na selva, por isso disfarças bem. Já todos conhecemos a tua camuflagem. Até as bruxas não dispensam o te favor.

Antes do investigador Hugo acabar o seu discurso, os girinos, em corrida louca, e todos os outros animais, encheram a gruta de uma alegria nova:

- Olê, Olê, o Hugo é o maior… Olé, Olé, o Bufo é o traidor…

A partir daquela altura, o sapo-boi entrou num estado de depressão profunda. Só comia, comia…. Isolou-se num canto da selva e continuou a comer desalmadamente. Passados três meses ninguém o reconhecia. Tinha engordado bastante. Já não dava saltos e as membranas interdigitais pesavam, cada uma, 1378 quilos. Cada movimento seu, por mais lento que fosse, provocava um sismo na selva. Para evitar problemas de segurança amarraram-no numa árvore gigante, lá da selva, onde, ainda hoje, permanece inerte.

O investigador Hugo, qual Lineu no seu apogeu intelectual, olhou para todos os cantos da gruta e descobriu a jibóia toda enrolada numa presa, era um dos filhos do lagarto-sem-pernas-que-sabia-ler, que já estava parcialmente morta. Era a décima vítima da jibóia numa só semana. Isso não era normal, até porque a mesma tem uma digestão lenta. Ela, no entanto, não matava para comer. Era um instinto neurótico-obsessivo que desenvolveu, na selva, por vingança, tendo em conta o estado degradante da sua amiga e confidente sapo-boi. Aproximava-se lentamente da vítima, abraçava-a, inicialmente com leveza e carinho, para, posteriormente, esmagá-la completamente com toda a sua força.

O investigador Hugo, saltou do lugar onde se encontrava e disparou:

- Tu, Boa constrictor! Como é possível matares, indiscriminadamente os teus irmãos. Nem dos teus filhos sabes tratar. Estás farto de matá-los. É este o teu contributo para a vossa comunidade biótica? Mereces um castigo severo!

Interrogou, de seguida, aos presentes na reunião:

-Que castigo, acham vocês, que a nossa Boa constrictor merece?

Todos, em conjunto responderam:

- Vamos assá-la num forno solar gigante.

Foi esta a decisão que prevaleceu, de acordo com o resultado de um referendo mandado realizar, na selva, pelo investigador Hugo.

Passados três meses, o lagarto-sem-pernas-que-sabia-tabuada enlouqueceu e o hipopótamo-que-sabia-tabuada ficou cego. Ambos passam a vida a apanhar e comer pedaços de carne que, diariamente, soltam-se do corpo do sapo-boi.

O investigador Hugo, antes de abandonar a selva, fez 33 anos e a comunidade da selva fez-lhe uma grande festa. Ele trouxera, definitivamente, a paz e serenidade àquela selva.

Passaram a chamá-lo Hugo, “O Pregador”.

A.C

 

 

publicado por adelino às 16:21
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Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008

A Prenda do Natal do Príncipe

Vendo imagens de imigrantes clandestinos, Marroquinos, que acabaram de chegar, ao Algarve, numa aventura para a morte ou humilhação, em frágil embarcação, recordo-me, com tristeza, raiva e inquietação, da mesma sorte, de dezenas, dos meus irmãos do Príncipe que, tiveram de passar pelo mesmo, no início da década de oitenta, do século passado. Só uma tentação incontrolável, angústia e revolta desesperantes, podem ter contribuído para o comportamento daqueles meus irmãos que preferiram morrer no mar, ou em terra firma em pleno continente Africano, do que continuarem vergados, famintos, perseguidos e transformados em farrapos, numa ilha isolada do mundo. Quem não se lembra do Benvindo, do Bernardo Sangazusa, do Costa, do Tonito, do João, do Arcanjo, do Morais e dezenas de muitos outros, incluindo crianças e mulheres desprotegidas, que resolveram embarcar, nesta aventura, em frágeis canoas? Só os definitivos donos do poder, instalados na capital do país, predadores de todos os nossos sonhos individuais e colectivos, podem dar-se ao luxo de esquecer tragédias humanas com esta amplitude e significado. É óbvio que eu não me esqueci, o Príncipe inteiro não se esqueceu, e, tenho a certeza de que, os verdadeiros homens e mulheres do nosso país não se esqueceram. Este acontecimento trágico e, aparentemente, retrospectivo, parece ganhar forma, conteúdo estratégico e obsessivo, e ameaça bater as portas das gentes do Príncipe, mais uma vez. Só assim se pode compreender a atitude desta coligação governamental para com o Príncipe. Se o MLSTP/PSD foi lento e programado, como a tartaruga, na materialização da supra referida tragédia; esta coligação governamental, contra todas as expectativas, parece-me astuta, perigosa e célere no seu expediente tragediógrafo. É pena, que assim seja, porque eu acreditava, na boa-fé e sentido de Estado de alguns protagonistas do poder em causa.

Estou a ficar farto de rodeios explicativos contraditórios de que: o país não tem meios financeiros; a crise é para todos; os bons tempos virão e outras maldades, mais ou menos encapotadas, cujo objectivo é perpetuar e acentuar o ciclo da marginalização do Príncipe no contexto nacional. Vejamos a sequência de acontecimentos, mais ou menos recentes, que comprovam isto mesmo.

1- Uma ex-ministra dá-se ao luxo de proclamar, sem rodeios ou hesitações, que o Príncipe não produz nada e, por isso mesmo, não pode ter qualquer reforço financeiro. Foi este o pequeno contributo, da referida ministra, para a consolidação da identidade da instituição que a mesma representou por pouco tempo. Ninguém, de bom senso, lhe lembrou, na altura, que, havia limites, mesmo para disparates. 

2- Uma ex-ministra, do plano e finanças, do alto do seu castelo, blindado com folhas de bananeira, desafiou a autoridade, dos senhores primeiro-ministro e Presidente da República, que declararam, publicamente, depois de aturadas negociações com o governo regional, o reforço de verbas para o orçamento do governo regional, não cumprindo, até hoje, o que estava inicialmente programado. Ninguém compreendeu a decisão da referida ex-ministra que, por alguma razão, deixou o governo, sem glória ou qualquer resultado decente de sustentação da política económica e financeira do Estado.

3- Nenhum investimento estruturante, no Príncipe, que pudesse melhorar a deslocação de pessoas e bens e/ou contribuísse para equilibrar os níveis de igualdade de oportunidades inter-ilhas, fora realizado, pelo governo central, ao mesmo tempo que, este, em clima de festa imparável, “lança pedras” para: o processo de construção da estrada entre a cidade capital e Porto Alegre; construção da Doca Pesca na cidade capital; construção de blocos de apartamentos em todas as zonas da ilha maior; construção de um liceu novo; construção de um mercado novo; construção de escolas novas e, imaginem, idealiza projectos para a construção de um porto de águas profundas e melhoria radical do aeroporto Internacional, ambos em S.Tomé. Que eu saiba, ninguém de bom senso, na capital do país, lembrou a senhora ex-ministra do plano e finanças de que, se não havia condições para melhorar, financeiramente, o orçamento do governo regional, para dar satisfação aos problemas sociais gritantes, de âmbito local, onde é que ela iria buscar tanto dinheiro para esta dispersão de investimentos realizados na capital, ou, ainda, esbanjar fortunas, com despesas de telecomunicações nos diversos gabinetes ministeriais e outros departamentos da administração pública central e em algumas viagens improdutivas da nossa classe política. É óbvio que o Príncipe e as suas gentes não se esqueceram destas maldades.

4- Mais recentemente, o governo central contratualizou com uma empresa estrangeira, em condições de sigilo ensurdecedor, por muitos milhões de dólares, a compra de novos grupos de geradores para resolver, definitivamente, os problemas energéticos da ilha maior. Há sinais, subjectivos ainda, de que o país entrou, provavelmente, numa escalada, desordenada, sem método e equidade, de endividamento, e o Príncipe, sem usufruir de quaisquer investimentos decorrentes deste propósito, irá, mais uma vez, sofrer as consequências, políticas, económicas e sociais do apertar do cinto, transformadas em bandeira nacional, quando a factura chegar, lá mais para diante. Muitos cidadãos do Príncipe devem estar a perguntar: o que é preciso fazer mais, em S.Tomé, para que o Príncipe possa ter direito a qualquer coisa?

Como se estes gestos de humilhação e marginalização do Príncipe não bastassem para encher a barriga de alguns carniceiros encartados, ávidos de verem, no futuro, com um sorriso de felicidade angélica, mais um acto cénico de debandada, em frágeis canoas, de farrapos humanos, do Príncipe, em direcção ao continente Africano, eis que o governo central decreta que, o único avião que fazia a ligação entre as duas ilhas, deveria ser desviado, desta ocupação, para cumprir outras funções. Ou seja, enquanto que em S.Tomé se projectam ou constroem estradas, que custam milhões de dólares e contribuem para encurtar distâncias entre a capital do país e a zona sul, e, consequentemente, rentabilizar investimentos turísticos existentes nesta zona; em relação ao Príncipe, faz-se de tudo para inibir qualquer tentativa de normalização de deslocação de pessoas e bens e, com tal, não favorecer o desenvolvimento empresarial, turístico ou de outra natureza, nesta região. Ninguém percebe a razão destes comportamentos que se transformaram, numa obsessão, sem sentido, contra uma região específica do país.

5- Quando todos esperavam que a cascata de maldades em relação ao Príncipe, atingira o limite e os seus autores, directos e indirectos, convertidos ao espírito natalício, surge-nos a mãe de todas as irracionalidades. Um empresário, estrangeiro, instalado na região autónoma do Príncipe, que é o maior empregador privado da mesma, sentindo-se extremamente prejudicado com as consequências empresariais do isolamento, imposto ao Príncipe, por desvio do avião que assegurava a ligação entre as duas ilhas, sugere, ao governo central e outras entidades envolventes, a possibilidade, óbvia e compreensível, de utilização do seu próprio avião para transporte de turistas, de S.Tomé para o Príncipe, e, consequentemente minimizar os seus prejuízos decorrentes da atitude em causa. Para espanto, dos comuns dos mortais, o governo e outras entidades envolventes, do poder central, recusam tal possibilidade. Digam-me lá, se, este acto e outros, não configuram uma obsessão, sem sentido, em prejudicar uma região e os seus habitantes? Para quê? Com que objectivos? Eles saberão! A ignorância é tanta que os autores deste acto maquiavélico esquecem-se, de, que, prejudicando o Príncipe, e o investimento estrangeiro para ai canalizado, poderá ter efeitos contraproducentes no tecido económico e social nacionais. Foi esta, no entanto, a prenda de Natal, do governo central, aos residentes no Príncipe (Minu´yês, Forros, Caboverdianos, Angolares, Moçambicanos, etc) que culminou com o despedimento momentâneo (posteriormente readmitidos) de cinquenta trabalhadores do referido empreendimento turístico. Nenhuma voz, autorizada, excluindo a do governo regional e a do próprio empresário prejudicado, manifestou-se perante tal maldade que no futuro poderá ter consequências institucionais inter-ilhas nefastas. Nem o senhor Presidente da República que, normalmente, se manifesta, emotivamente, perante situações desta delicadeza dirigiu qualquer palavra sobre a situação. Admito que, pelo facto da mesma afectar, sobretudo, trabalhadores e empresários residentes no Príncipe não seja motivo suficiente para emocionar o senhor Presidente da república.

6- Com o acordo conseguido entre as partes envolvidas – empresário, governo regional e o governo central – e a normalização operacional dos voos entre as ilhas fiquei convencido que o discernimento institucional regressara. Pura ilusão!

O senhor Presidente da República, no seu jeito emotivo de sempre, lastima, em público, a sorte madrasta do grupo empresarial que gere o complexo turístico do Ilhéu das Rolas. Segundo o Presidente da República «…temos de ter cuidado e sermos sérios…» com críticas ao grupo empresarial em causa pelo facto deste, supostamente, desejar expulsar os autóctones do referido ilhéu em prol da expansão do seu projecto. Segundo, ainda, o Presidente da República, temos de ter cuidado com os empresários que querem investir no país como o referido grupo empresarial. Onde é que o senhor Presidente da República estava quando o grupo empresarial que gere o complexo turístico do Ilhéu Bom-Bom, no Príncipe, foi enxovalhado, humilhado e maldosamente prejudicado, pelo governo central, obrigando o referido empresário a ameaçar fechar as portas e mandar para a casa cerca de meia centena de trabalhadores locais? Para o senhor Presidente da República existem empresários estrangeiros, de primeira e de segunda, consoante a área geográfica em que investem e, consequentemente, os interesses populacionais que defendem decorrentes deste investimento?

O senhor Presidente da República é Presidente de todos os cidadãos ou de cidadãos de uma parte específica do país? Que interesses, públicos e/ou privados, poderão ter contribuído para a posição do senhor presidente da República em defesa de um grupo empresarial específico ignorando o outro que foi vítima de um acto maquiavélico, milimetricamente preparado, com o objectivo de humilhar uma parte geográfica específica da nossa terra?

O país não pode continuar assim numa teia de maquiavelismo primário, desinteressante, prejudicial e autista. O Príncipe precisa de investimentos estruturantes, que minimize os efeitos da dupla insularidade, de que sofre, em prol do desenvolvimento nacional sustentável. Toda e qualquer tentativa para o sufocar, criando um ambiente claustrofóbico local que obrigue as pessoas, que lá vivem, a aventurarem-se em frágeis canoas para destinos incertos, de morte e humilhação, constituem autênticos desprezos. O Príncipe, e qualquer outra região do nosso país, não pode pactuar com desprezos, sejam eles conscientes ou inconscientes, ou mascarados, a montante, pelo populismo, demagogia e protagonismo estéril. Dir-me-ão que o estilo que faz escola, no nosso país, é mesmo este: não é o princípio e assunção do bom governo, o desenvolvimento equilibrado do Estado, a equidade na distribuição dos bens e equipamentos sociais, etc., suportado por uma cultura interiorizada de serviço público. Se assim for, então, dêem ao poder regional, do Príncipe, instrumentos de natureza política, administrativa, económica e financeira para que ele possa ser mais responsabilizado pela comunidade que representa.

 

 

 

 

publicado por adelino às 17:43
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Domingo, 23 de Setembro de 2007

"Mina Quiá II"

 

 

 

Já na cidade, no dia seguinte ao da comemoração da Festa da Nossa Senhora das Neves, dizem-me que a Feira de Ponto foi destruída numa madrugada, qualquer, anterior. Preparo-me, psicologicamente, para ver o cenário novo e ouvir a sensibilidade das pessoas, directa ou indirectamente, relacionadas com o fenómeno em causa. A primeira impressão que retenho é de um lugar que acabou de ser, sucessivamente, bombardeado na noite anterior. De facto, nada restou que inspirasse os retratistas a representarem a vida social intensa que se vivia naquele espaço público pouco recomendado por muitos. Para muitos acabou-se com o maior dos pecados que corroía o país. Dou meia volta pelo espaço circundante daquilo que ainda resta da referida feira e falo com três ou quatro anteriores feirantes. Um deles diz-me que lhe deitaram abaixo a barraca e, que, desde então, tem ido, reiteradamente, à Câmara de Água Grande para lhe facultarem um novo espaço para negócio mas não lhe resolvem o problema. No entanto, confessa que, já despediu quatro raparigas que trabalhavam consigo e não sabe como irá resolver a sua vida, a partir daí. Fico com a sensação que as instituições envolvidas resolveram o problema da Feira de Ponto com alguma irresponsabilidade, desorganização e amadorismo. Com a pressa e a obsessão de se bombardear o lugar mais infiel do reino esqueceu-se que ali trabalhavam pessoas, com responsabilidades familiares, algumas das quais sem outros meios de subsistência. Mais uma vez, aquelas pessoas que ficaram penduradas, sem um lugar para desenvolverem as suas actividades profissionais, no novo mercado ou noutro lugar, foram tratadas, pelo Estado, como “mina quiá”, pelo seu fraco poder económico, social e reivindicativo. Como os “mina quiá”, confiaram na boa fé de um Estado imparcial, protector e justo que lhes respondeu com parcialidade, desprezo, injustiça e desumanidade. O mesmo Estado que persegue e aterroriza a vida dos mais fracos, tratando-os como “mina quiás”; foge e ajoelha-se, perante os poderosos, num servilismo patético e envergonhador. Só assim se compreende a incoerência estatal perante atitudes e comportamentos, potencialmente indesejáveis e/ou ilegais.

 Temos um Estado que bombardeia a Feira de Ponto, numa madrugada, tratando alguns feirantes como terroristas; e, outro Estado que autoriza a construção de projectos turísticos, em cima do mar, em total desobediência com uma política, minimamente recomendável, de ponto de vista do ordenamento do território e impacto ambiental associado. Estão convencidíssimos que atentados ambientais e paisagísticos desta natureza, e outras, podem ser minimizáveis quando comparados com a ousadia popular de edificar e explorar a infiel Feira de Ponto.

Temos um Estado que aplaude ou assobia para o lado, quando confrontado com pressões, de um determinado grupo empresarial, sugerindo ou ameaçando os autóctones do Ilhéu das Rolas que o abandonem para, assim, aumentarem e melhorarem os seus objectivos empresariais naquela parcela do nosso território; e, outro Estado que atiça os “ninjas” perante desmandos, de pescadores ou palaiês, relacionados com um lugar para exercerem com dignidade profissional as suas actividades.

Temos um Estado que persegue, com fúria predadora, alguns automobilistas, em função do seu estatuto social ou económico e da marca e qualidade do carro que conduzem, tratando-os como “mina quiás”; e, outro Estado que promove o servilismo bacoco e honras militares, em prol da fartura e gordura de alguns homens de jipes e afins.

Temos um Estado que não hesita em deter, julgar e prender determinados “mina quiás” perante ilegalidades, maiores ou menores, perpetradas; e, outro Estado que se demite da função de inquirir ou julgar, os poderosos, perante ilegalidades ou crimes praticados por estes.

Temos um Estado que persegue, com tiques inquisitórios, os “mina quiás” que ousam apanhar ou pescar tartarugas para a sua sobrevivência, familiar ou profissional, em nome da protecção da espécie em causa; e, outro Estado que se prepara para estabelecer acordos, com uma potência económica estrangeira, em troca de muitos dólares, para introdução da prática de caça às baleias no país.

A minha maior angústia, no entanto, é que são os “mina quiás”, pressionadas pelo “Banho” e outras formas de humilhação social, económica e de cerceamento de liberdades individuais, que alimentam este monstro inerte que divide os Santomenses. É bom relembrar, todavia, que isto não é nenhuma novidade inaugural deste Estado concreto. As coisas sempre se passaram assim, com maior ou menor expressão, na nossa terra, desde a primeira república. Temos de ter fé e acreditar em Deus porque, nos Homens, é difícil continuar a fazê-lo.

 A.C 

publicado por adelino às 16:59
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Sábado, 15 de Setembro de 2007

"Mina Quiá"

 

 

Enquanto seguia no carro, com uns amigos, em direcção à Neves, para participar na festa da referida cidade, estes contavam-me, com uma sabedoria e graça contagiante, mais uma daquelas histórias, de grande significado social, que enchem o nosso quotidiano. Segundo os meus amigos, recentemente, um casal, de aproximadamente sessenta e poucos anos, adoptara uma “mina quiá” com o objectivo de lhe proporcionar uma vida melhor. Semanas, meses e anos, foram passando e aquela família, constituída pelo casal em causa e um filho adolescente, vivia, aparentemente, em paz e harmonia, cuidando com zelo, e capricho filantrópico inigualável, da sua querida “mina quiá”. Como os bons pintainhos, a referida “mina quiá” era alimentada com arroz e milho extraídos das próprias palmas das mãos dos seus dignos proprietários. O tempo foi-se passando e, alimentando-se desta forma e com este fervor patrimonial, a “mina quiá” foi se enchendo, estruturalmente, desafiando todos os vaticínios de uma dieta rica, do ponto de vista calórico. Mas algo não batia, totalmente, certo naquele corpo, da “mina quiá”, que pudesse ter, somente, explicações gastronómicas ou, mesmo, decorrentes de traços ou manifestações sexuais secundárias, próprias da adolescência. Aqueles seios e aquela barriguinha, em enchimento acelerado, denunciavam algo mais comprometedor para os proprietários da “mina quiá”, sobretudo para o seu representante masculino. Isto levou a dona de casa, que tinha um olho clínico inigualável para estas situações, a questionar a sua “mina quiá”: «Como é que você está a engordar assim?! Quê cuá!! Eu tenho que te levar para o médico… Isto não pode ser…» Tomada a decisão de levar a sua “mina quiá” para o médico e realizar análises clínicas complementares para descortinar a origem do enchimento acelerado da mesma, a sua proprietária entrou em estado de choque quando soube o resultado. Uma gravidez de três meses não poderia ser uma notícia agradável, para a proprietária da “mina quiá”, numa altura que, aquela, precisaria desta para o cumprimento de todo o tipo de tarefa doméstica. Mas o pior estava para vir. Tendo questionado a “mina quiá”, sobre a paternidade da referida gravidez, esta, instruída previamente pelo marido, informou-a que o responsável pela tamanha façanha seria o filho de ambos. Não é todos os dias que se perde uma “mina quiá” em idade de um autêntico caterpillar afinado. Por isso, a dona da “mina quiá”, tendo perdido a sua encomenda divina, transferiu a totalidade das suas energias e protesto para o seu filho, aparentemente, o responsável pela referida gravidez, castigando-o reiteradamente. Este, não aguentando a pressão, disparou, num momento inicial, que, seria, de facto, ele o responsável pela gravidez da “mina quiá” para, de seguida, desmentir totalmente, e, responsabilizar o pai pela façanha em causa, acusando-o de o ter pressionado a assumir a referida paternidade sendo, aquele, o responsável pelo referido acto. O pai, que assistia toda a cena com algum nervosismo, inquietação e irresponsabilidade, mijou e borrou completamente as calças entrando, de seguida, num estado temporal de pré-demência. A mãe desmaiou e só acordou, no dia seguinte, numa clínica privada dos arredores da capital. A “mina quiá” arrumou a sua trouxa calcorreou alguns quilómetros e instalou-se numa pequena barraca que o seu dono lhe começara a construir com o dinheiro que subtraía, diariamente, do quiosque “Afé Cu Deçu” que o referido casal explorava nas imediações da capital do país.

Entre gargalhadas, e boa disposição, que reinava no interior do carro, decorrentes das peripécias relacionadas com a referida história, fez-se, de repente, silêncio. Um batalhão de polícias, armados até aos dentes, no quartel policial de Guadalupe, enfileirados nos dois lados da estrada, espreitavam, sucessivamente, de forma indiscreta, para o interior de todos os carros que seguiam em direcção à Neves. Nunca tinha visto nada assim em parte alguma. Não sei qual é o critério que os referidos polícias utilizavam para mandar parar os carros na suposta operação STOP. Sei, no entanto, que seleccionavam, cirurgicamente, determinadas viaturas de acordo com a cara dos respectivos motoristas e qualidade das máquinas. À frente do carro onde íamos contei cinco jipes, de última geração, de marcas variadas, e uma carrinha. Todos passaram de forma tranquila, na referida operação STOP, entre acenos mútuos, dos polícias e respectivos proprietários. Quando a nossa viatura, um toyota ligeiro velhinho, se aproximou da referida coluna militar, um zeloso guarda inspeccionou, rapidamente, com um olhar predatório, os ocupantes da mesma, e, como que impelido por uma satisfação interior incontrolável, mandou-nos encostar disparando de seguida: «Livrete e carta de condução?! Luz?! Travão de mão?! Pisca-pisca de frente?! Pisca-pisca de traz?!» Felizmente o motorista que nos guiava, um grande amigo meu, respondeu, positivamente, às preocupações e exigências do zeloso guarda, tendo-se constatado, no entanto, que uma das lâmpadas do pisca-pisca traseiro não acendia. O insaciado predador, com cara de poucos amigos, mandou o meu amigo, motorista, acompanhá-lo ao referido posto policial que ficava do lado oposto onde estávamos parados. Tendo em conta o rumo dos acontecimentos e o comportamento discriminatório, insaciável e nada simpático, do referido guarda, juro que, temi que as coisas pudessem complicar para o meu amigo. Passado alguns minutos, no entanto, vejo-o descer as escadas do referido posto policial, e aproximar-se de nós, com um pequeno papel, ou convocatória, para comparecer no dia seguinte, no referido posto policial, para pagar um milhão de dobras pela referida contra-ordenação (uma das luzes do pisca-pisca que não acendia) informando-nos que o polícia que o interrogou pressionou-o ou sugeriu, reiteradamente, que deixasse qualquer quantia, por mais insignificante que fosse, que trouxesse consigo. Mais uma vez, eu não queria acreditar naquilo que ouvia. Não estou na posse de informação legal relacionada com o montante ou forma de pagamento de quantias decorrentes de contra-ordenações deste género, mas, este comportamento policial e referida quantia perecem-me um acto desproporcional, irracional e predatório sobre os cidadãos. É desejável e pertinente que os polícias realizem campanhas de operação STOP como forma de garantir a segurança rodoviária, de pessoas e bens, sobretudo num dia de festa com a amplitude desta. Mas por que razão o acto discriminatório, durante a referida operação STOP, sobre alguns cidadãos, em função da qualidade dos carros que conduzem ou da sua posição económica ou social? É desta forma que o Estado deve tratar os seus cidadãos? Quem garante aos zelosos polícias que aqueles senhores que seguiam em jipes, de última geração, eram portadores dos respectivos livretes e cartas de condução?

Nós que ríramos, desalmadamente, no trajecto até Guadalupe em torno das peripécias relacionadas com a história da “mina quiá” e seus donos, estávamos, de repente, transformados em “mina quiás” do Estado. Um Estado que promove a cultura de “mina quiá”, diferenciado comportamentos, relativamente aos seus cidadãos, em função da origem social ou económica dos mesmos, estará a cumprir a sua função na sociedade? Mas o pior estava, ainda, para vir. Chego à Neves e numa primeira incursão nos labirintos da referida cidade deparo com um carro das FARSTP sem os dois retrovisores, sem uma das portas, sem uma das caixilharias de todo o sistema de iluminação traseiro e outras anormalidades, mais ou menos visíveis. O carro circulava com toda a normalidade. Mais uma vez, não queria acreditar naquilo que via. Estava, no entanto, convencido que a surpresa terminara ai. Pura ilusão! Chego à cidade capital e, no dia seguinte, constato o mesmo tipo de insuficiências em dois carros da polícia nacional e no outro das FARSTP. Os dois carros da polícia nacional apresentavam deficiências claras no sistema de iluminação, traseiro e dianteiro, com retrovisores partidos e outras anormalidades que poderiam colocar em causa a segurança dos próprios polícias e da generalidade dos cidadãos que circulam na estrada. O carro das FARSTP apresentava, em substituição da tampa do depósito de combustível, um pedaço de pano parcialmente molhado. Agora pergunto: um Estado que não cumpre as suas obrigações, neste contexto concreto e outros, tem legitimidade e autoridade para reagir, da forma como o fez, perante contra-ordenações daquela grandeza praticada pelos seus cidadãos? Que grau de seriedade, responsabilidade e confiança, transmitem aqueles que, supostamente, deveriam ser os primeiros e os mais bem sucedidos cumpridores do edifício legal do país? Se quem faz as leis não as cumpre, quem as irá cumprir? É este o exemplo que o Estado dá aos seus cidadãos?

 

P.S: Continua, na próxima semana, o desenvolvimento do artigo em causa.

 A.C

 

 

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Domingo, 22 de Julho de 2007

O Nosso Trinta e Um e o Menino da Bola

 

 

Há qualquer coisa de estranho, na nossa política caseira, que transformou o nosso sistema partidário numa espécie invasora inadaptada às exigências, dos valores, do regime que ele, aparentemente, deveria suportar. Todo e qualquer tema parece-me relevante ou pertinente se, a seu propósito, forem produzidas, estruturadas e fundamentadas as respectivas estratégias políticas. No entanto, não é isto que acontece na nossa Terra. Quem diria que iríamos acabar assim, neste trinta e um caótico e angustiante, agora que o trinta e dois nos bateu a porta, em jeito de despedida, alertando-nos para o dramatismo colectivo, inerente à idade de Cristo, se, entretanto, insistirmos nesta paródia e irresponsabilidade.

Muitos dizem que a culpa deste trinta e um é do regime político vigente no nosso país. Eu diria, que, as questões políticas não mudam de forma ou de gravidade, nem modificam a sua manifestação concreta, só para melhor corresponderem aos valores abstractos de um regime político qualquer.

Outros, dirão, que a culpa é do sistema político vigente. A estes eu, simplesmente, questionaria: quais são os instrumentos de acção política, indispensáveis em qualquer sistema político, de organização pluralista, com responsabilidades, activa ou reactiva, em todos os acontecimentos políticos que nele ocorrem?

Mais recentemente, surgiu uma outra teoria, que, atribui as causas deste nosso trinta e um ao défice de comunicação governamental. A estes eu diria, que, uma má comunicação governamental pode asfixiar, momentaneamente, uma boa política; mas, uma boa comunicação, não salva, de certeza absoluta, uma má política.

Outros, ainda, dirão que a mãe deste nosso trinta e um é a corrupção que assola o país. Concordo, só parcialmente, embora ressalve que, aquilo a que chamamos de corrupção é, apenas, uma manifestação de delitos exercidos por um ou mais agentes públicos. O facto deles, em contraposição, não os cometerem não garante que estejam à altura de uma verdadeira cultura política.

Por isso, o nosso maior problema não deverá ser, do regime político, do sistema político vigente, da comunicação governamental, ou, só, da corrupção. É, sobretudo, um problema de má política, consubstanciada na pobreza de iniciativa, na rotina, na indecisão e na falta de consciência das responsabilidades que uma nova configuração, política e social, trouxe consigo.

Nos regimes políticos de organização pluralista, mesmo em países em vias de desenvolvimento, como o nosso, os instrumentos de acção política, susceptíveis de criação de suporte orgânico do poder, deveriam ser os partidos políticos. O que é, no entanto, que se tem verificado na nossa Terra? Exactamente o contrário. Do ponto de vista organizativo, não existe, por parte dos partidos políticos e/ou coligações que têm governado o país, desde a implementação da democracia, uma concepção, clara, de modo de exercer e fundamentar o poder e a autoridade. Vejamos três casos simples que demonstram esta tese.

O actual governo da nossa Terra tem estado a implementar uma política de saúde denunciadora de grande insensibilidade social. De forma indiscriminada, e sem qualquer suporte conceptual, económico-financeiro, organizativo e fiscal, os nossos doentes, que recorrem ao hospital central do país, são obrigados a pagar várias taxas nos diversos actos administrativos e médicos realizados. Há registos de casos de doentes que regressam à casa, sem terem tido acesso aos cuidados médicos, mais elementares, no hospital, por não terem condições económicas para o referido pagamento. Esta política faz algum sentido num país onde mais de cinquenta por cento da sua população vive em condições de pobreza extrema? Mesmo admitindo que é este o traço essencial da política liberal, deste governo, o que é que os partidos políticos da oposição apresentam como alternativa? Concordam com este tique neoliberal, selvagem e cego, ou têm outras ideias no que se concerne à organização, regulação, financiamento e gestão do serviço nacional de saúde?

Um segundo exemplo, pode-se extrair da boca do senhor Presidente da República, no acto simbólico de construção de mais uma Escola Secundária no país. Disse, na altura em causa, o senhor Presidente da República, que, se estava a inaugurar um novo ciclo de descentralização de Escolas Secundárias. Presumo que o senhor Presidente da República quis transmitir a ideia que se iria iniciar um ciclo de construção de Escolas Secundárias, em todos os Distritos do país. Esta ideia iluminada está consubstanciada em estudos sérios de reorganização da rede escolar, que garantam, no futuro, o aumento do nível de qualidade do nosso ensino e propicie uma formação geral aos nossos jovens durante a escolaridade obrigatória? Como será pensado, concebido e desenvolvido o currículo, em moldes diferentes dos actuais, e em consonância com os objectivos supra citados, que garantam a aquisição e apropriação, plena, de um conjunto de saberes por parte dos nossos jovens, de forma que os mesmos possam usufruir desta formação geral? Em convergência com esta pulverização de Escolas Secundárias por todos os distritos do país, o governo, de Sua Excelência Senhor Presidente da República, pensou no desenvolvimento profissional dos professores, como garantia desta dispersão, num país em que apenas 26,9% dos professores, no ensino secundário, possuem alguma formação e 73% dos mesmos não têm qualquer formação específica, segundo os dados do Plano Nacional de Acção – Educação para Todos – 2002-2015? Como será feita a articulação vertical, com outros níveis de ensino, de forma a garantir a coerência do sistema e maximizar a mobilização de recursos evitando o isolamento que algumas destas Escolas, a construir, poderão correr? Faz algum sentido, num arquipélago de 1001 km2 e 160 mil habitantes, que o governo anuncie construir e/ou reconstruir estradas diminuindo, consideravelmente, distâncias entre o interior e os centros urbanos, e, ao mesmo tempo, publicite a intenção de pulverização de Escolas Secundárias, com mesma vocação, em todos os distritos do país? O que pensa a oposição desta decisão política? Concorda? Tem algum projecto alternativo? Qual é?

O último exemplo, está associado ao brilharete que o professor Campos e Cunha fez, no país, comportando-se, aos olhos de qualquer cidadão nacional, como o menino da bola. Tal atitude deixou os nossos digníssimos políticos tristes e o povo a sorrir. O referido professor, um brilhante economista, proferiu uma série de conferências, na nossa Terra, em torno das oportunidades e desafios para o país, não descurando na sua prelecção, entre outras considerações, a escolha do regime cambial, mais adequado, que o país deveria adoptar. Como o menino da bola, o professor Campos e Cunha chegou ao país, compartilhou, connosco, a bola e o jogo, deu um brilharete, entre fintas e golos, agradeceu-nos pela disponibilidade em jogar a bola com ele, agarrou na mesma e meteu-a na mala, entrou no avião e foi-se embora. O país ou o governo, que já tinha planos, aparentemente estabelecidos, (que ninguém conhece) relativamente à escolha do regime cambial, ficou, de repente, anestesiado e incrédulo com as traquinices alheias do menino da bola. Todas as vontades, infundamentadas, desmobilizaram-se, de repente, e sem bola para jogar, cada um recolheu ao seu canto e assim estabeleceu-se um consenso mudo sobre uma política económica de grande alcance e impacto para o país. O pior, de tudo isto, é que ninguém conhece, anteriormente à intervenção do professor Campos e Cunha, a posição da ministra das Finanças sobre este assunto. O que é que pensa, também, a oposição sobre este problema?

Num ápice, o país ficou a conhecer uma posição técnica, bem fundamentada, que pode sustentar uma decisão política de grande alcance para o país. Do governo, e dos partidos políticos, aguarda-se uma decisão politica. Para quando?

Estes três simples exemplos são demonstrativos daquilo que eu chamo de má política, na medida que, se os partidos políticos tivessem feito o seu trabalhinho de casa já teriam uma fundamentação técnica, há muito tempo, que salvaguardasse as decisões políticas, sobre estas três matérias, que acham mais adequada para o país. Não basta atirar, para o ar, medidas avulsas e sem qualquer sentido ou fundamentação, convencidíssimos que estão a fazer uma boa política, só porque, aparentemente, existe dinheiro para gastar.

Politizar é, exactamente isto, colocar as coisas num âmbito de discussão pública, arrebatando-as aos técnicos. Nos preferimos o “banho”, pois, é a forma mais fácil e cómoda de ganhar as eleições e chegar ao poder. Para fazer o quê com ele é que ninguém sabe. Por causa disto, os partidos políticos nacionais parecem todos iguais e não têm uma identidade própria que se manifesta no domínio político, social organizacional e de relacionamento entre si.

A forma mais eficaz de sairmos deste nosso trinta e um, tem de passar, necessariamente, por partidos políticos nacionais arrebatarem a bola aos meninos, de forma construtiva e responsável, e jogarem-na entre si de forma transparente, competente e séria, sem caneladas, bicos ou rasteiras. Temos da passar a confiar, se os nossos políticos assim o quiserem, sobretudo na controvérsia, no conflito regulado entre propostas rivais. Se decidirmos que é no conflito leal e competente que reside a melhor garantia de um bom regime ou sistema, então o nosso problema deixará de residir em “quem deve governar” e passará a residir no “como deve governar”. Assim sendo, o nosso voto, passará a ser, apenas, uma das exigências da democracia que nenhum “banho” poderá comprar. Que venha o trinta e três.

 A.C

 

 

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Sábado, 9 de Junho de 2007

O Príncipe e o Petróleo

Li e acompanhei, com alguma atenção e interesse, a polémica que envolveu o Governo Regional e o Presidente da Assembleia Regional, do Príncipe, em torno do projecto de construção do porto de águas profundas que, possa vir a alimentar, no futuro, a indústria petrolífera nacional.

É óbvio que eu sou, estruturalmente, contra tiques censórios independentemente da sua origem, latitude ou expressão; da mesma forma, que, sou contra expedientes, conscientes ou inconscientes, de atomização do poder. Ambos fragilizam as instituições, o governo e a Assembleia Regional, do Príncipe, e, no conjunto, fragilizam os propósitos de aprofundamento autonómico que estão na base da vontade da população da nossa terra.

Compreende-se mal estes tiques porque é o próprio Governo regional que, tendo em conta os seus propósitos eleitorais, inaugurou, no país, uma nova forma de fazer política, cujas expressões, mais significativas, são os espaços radiofónico “TRIBUNA DO CIDADÃO” e o “FÓRUM DE DEBATE VIRTUAL” que constituem referências, no país, em prol do desenvolvimento da nossa embrionária democracia. Desde a implementação de democracia, no país, não conheço contributos originais, com alcance e efeitos destes, para a aproximação entre eleitos e eleitores e, consequentemente, para o desenvolvimento da nossa democracia participativa. Acredito que este acto censório seja algo efémero, conjuntural, insignificante e, até, ingénuo, tendo em conta os propósitos do governo regional, supra referenciados, em prol do desenvolvimento da democracia local e nacional.

Parece-me pertinente, também, salientar a tendência para a anomia, consequência da fragmentação do poder no interior da Assembleia Regional, que tende a enfraquecer a instituição em causa, num momento em que ela precisaria de solidariedade institucional, entre os seus membros, para levar em diante os seus propósitos de referência da democracia e de fiscalização dos actos do governo regional. Quando se entra em estado de anomia, frequentemente os costumes degeneram-se e, perde-se o sentido de solidariedade institucional, política e social. Momentaneamente confunde-se, localmente, as competências do Presidente da Assembleia Regional com as competências da própria Assembleia Regional. Isto é perigoso, e tendencialmente negativo, porque prejudica o fortalecimento institucional, do referido órgão de poder regional, num momento, de fragilidade, em que a retórica política discursiva se faz em torno da reivindicação do novo Estatuto político-administrativo para a região, bem como, da Lei das Finanças Regionais. Tendo em conta os acontecimentos em causa, poder-se-ia perguntar: qual é o papel, poder e dever, dos deputados da Assembleia regional, neste contexto concreto? Como é garantido a reclamação e recurso das decisões erróneas do Presidente da Assembleia Regional que se auto-proclama César perante os seus deputados?

Não basta a inscrição na nossa lei fundamental do princípio da separação de poderes para ficarmos imunes contra vontades autoritárias de qualquer espécie. A prática política tem de ser feita em total obediência ao ordenamento jurídico prevalecente na região e no país. Isto é válido para o Governo Regional como para a Assembleia Regional. Acredito que a inexistência de um novo estatuto político-administrativo para a região possa estar na base de incongruências, interpretações pessoais erradas relativamente às competências institucionais da Assembleia Regional e de propósitos de atomização de poder que forjaram a polémica anteriormente mencionada.

Relativamente ao porto de águas profundas, para apoiar o processo nacional de exploração de petróleo, as consequências locais, decorrentes da sua construção, no contexto ambiental, social, económico, político e estratégico, merecem algumas considerações.

Em primeiro lugar, a localização dos blocos ou jazidas petrolíferas, segundo estudos técnicos divulgados, até então, estão mais próximos do Príncipe do que de S.Tomé. Sendo assim, haveria sempre, a montante, um conflito de interesses por resolver: o propósito do país viabilizar a exploração do petróleo e o potencial impacto ambiental, para o Príncipe, (volto a repetir, para o Príncipe) resultante desta exploração, tendo em conta a sua localização geográfica. Ou seja, estando o Príncipe mais perto das jazidas, seria, em princípio, mais exposto aos impactos ambientais resultantes da referida exploração.  No início, quando o problema de viabilização de propósitos de exploração petrolífera, no país, foi colocado, faria todo o sentido, de ponto de vista político, colocar-se as seguintes questões: deve-se poupar o Príncipe, de ponto de vista ambiental, ou caminhar no sentido da exploração do petróleo no país? Que contributos ou contrapartidas deverá o Príncipe, e sua população, receber perante um sacrifício ambiental desta grandeza?  Não creio que o Governo Regional, naquela altura, a Assembleia Regional e o próprio primeiro-ministro do país, (que era um natural do Príncipe) tivessem levantado as questões em causa e influenciado, de forma bastante favorável, as condições ou contrapartidas para o Príncipe, expressas na Lei-quadro dos Recursos petrolíferos, decorrente deste sacrifício ambiental. Naquele momento era oportuno e pertinente que o problema fosse colocado, debatido localmente e suportado por uma larga maioria de consenso popular local. Estava em causa o modelo de desenvolvimento para a ilha e para o país. Ou seja, era um problema eminentemente político e não técnico. Com o nosso silêncio legitimamos a acção do Governo central, em prosseguir com a exploração e extracção do petróleo e, adoptar um novo paradigma para o desenvolvimento das ilhas. Fomos, voluntária ou involuntariamente, parte integrante deste consenso nacional sobre o novo paradigma de desenvolvimento para o país. Não tendo feito o que deveria ser feito, na altura, parece-me um erro político, desnecessário, fazê-lo agora, que a teia de interesses se internacionalizou, decorrente da assinatura de contratos variados e, parece uma inevitabilidade, para o país, a exploração do referido recurso. O problema para o Príncipe, neste momento, não é tanto a escolha entre o “envenenamento forçado” e “desenvolvimento saudável”, livre do petróleo. Este problema político deveria ser posto, a montante.  Se o problema político foi resolvido assim, parece-me estranho e inoportuno escudar, agora, (não é esta a função nem vocação da Assembleia Regional) nos contornos de problemas de natureza técnica, relacionados com a exploração do petróleo. Desde o principio que se sabe que as coisas se passariam, de ponto de vista técnico, desta forma, muito embora se possa considerar que, do ponto de vista ambiental, não são as actividades de prospecção sísmica, exploração e extracção as fases mais preocupantes da actividade petrolífera. De facto, os problemas ambientais, mais frequentes, relacionados com o petróleo, estão associados ao transporte, armazenamento, refinação e consumo de derivados.

Príncipe, pela sua posição geográfica, sofreria sempre, potencialmente, riscos decorrentes da exploração, extracção e transporte de petróleo, independentemente de ter ou não o porto de águas profundas de suporte a estas actividades. Não tendo o porto e estando exposto aos tais riscos parece-me evidente que a melhor opção é ter o porto que poderá ser útil do ponto de vista estratégico para os interesses regional. Estas duas infra-estruturas (porto de águas profundas e o aeroporto) parecem-me estratégicas para os interesses da nossa afirmação autonómica e desenvolvimento local.

Sendo, no entanto, um dado adquirido, as fragilidades, de natureza ambiental, para o Príncipe, decorrente da exploração do petróleo, seria razoável e pertinente a adopção de medidas, antes e durante a actividade em causa que minimizasse os referidos riscos. Não é isto, infelizmente, o que se verifica. Os responsáveis governamentais nacionais preocuparam-se somente, ou sobretudo, com aspectos técnicos e legais que conduzam, no futuro, à exploração e extracção do petróleo minimizando a temática ambiental. Seria prudente e desejável que: a) fosse feita a elaboração, análise e debate público de estudos de impacto ambiental associado; b) se criasse mecanismos legais que permitisse uma compensação ambiental, paga no momento ou início de exploração petrolífera por parte do Estado central ou empresas, às populações mais expostas aos riscos de natureza ambiental decorrentes da exploração; c) se permitisse, através de mecanismos legais, a assinatura de compromissos, perante a justiça, por parte de empresas que promovem a exploração do recurso em causa, localmente, como garantia das suas obrigações perante acidentes ambientais; d) se promovesse a criação, juntamente com entidades competentes na matéria, (Universidades estrangeiras vocacionadas para o efeito) de um centro de monitorização que se preocupasse com o impacto e evolução ambiental, observação e controlo de manchas de óleo, inspecção, etc; e) se criasse condições e enquadramento legal que permitisse a entrega, por parte das empresas petrolíferas de uma percentagem reduzida para associações locais de natureza ambiental, cooperativas e associações de pescadores, etc. f) se fomentasse o incremento local do associativismo ambiental.

A.C.

 

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Segunda-feira, 28 de Maio de 2007

O rapaz, o velho, o burro e o "quase-Estado"

Falando com um amigo meu, de infância, ele dizia-me e fazia-me crer, com toda a convicção e uma extensa lista de argumentos contraditórios, que o problema mais grave do nosso país, momentaneamente, é o excesso de Estado. Segundo ele, o Estado tem de diminuir o seu peso nos diversos serviços e sistemas públicos, transferindo funções para a iniciativa privada. Eu não queria acreditar naquilo que ouvia mas, como tenho por hábito respeitar as opiniões alheias, por mais absurdas que me pareçam, fui ouvindo com atenção e alguma paciência o meu querido amigo. Ele destilava ódio contra o Estado: aquele monstro que consome energias; aquele gigante que gera desperdícios de enormes recursos financeiros na prossecução de políticas sociais, etc. Não era, no entanto, a primeira vez que ouvia uma aberração daquela grandeza. Existem, de facto, alguns intelectuais e políticos precoces nacionais, com a mesma visão messiânica. Também sei que estas tiradas avulsas fazem parte do receituário neoliberal, insuficientemente mastigado e absorvido pelo meu amigo e aquelas figuras, embora com grande popularidade e algum sucesso noutras latitudes. Todavia, questionei o meu amigo: «A que Estado te referes? Queres acabar com algo que não existe, como outrora um insuspeito professor de Direito caracterizou o nosso Estado; ou, em alternativa, com algo que existe de forma incipiente? Se é algo que não existe ou existe de forma frágil por que razão queres matar a criança?» Como calculam, o meu querido amigo, que, lera, sem qualquer criticismo, registos avulsos do sucesso das políticas neoliberais de Reagan e Margaret Thatcher, ficou completamente embaraçado com as questões que lhe apresentara, esboçando uma retirada semelhante aos machos perdedores, em contenda com os outros machos pelo controlo da fêmea.

Mais tarde, no consolo e ócio de um feriado concelhio, não deixei de continuar a pensar na perspectiva ideológica e conceptual, sobre o Estado, do meu querido amigo. Foi nesta altura que me lembrei da história sobre “O velho, o rapaz e o burro” que a minha avó, Maria Preta, me contara, em criança. Todos os leitores lembrar-se-ão, com certeza, da referida história. Era uma vez, um rapaz, um velho e um burro. Certo dia, em plena época das chuvas, quando os três se dirigiam para uma roça, muito longe, decidiram que o rapaz deveria ir no burro. Passaram, entretanto, por umas pessoas que sentiram-se indignadas com o facto e entendiam que era uma vergonha ir o rapaz no burro e o velho a pé. Sendo assim, o rapaz e o velho trocaram de posição passando o velho a ir no burro e o rapaz, a pé. De seguida, cruzaram-se com outras pessoas que entendiam que era uma vergonha ir o velho no burro e um rapazinho, tão novo, a pé. Sendo assim, pensaram e resolveram que seria melhor irem os dois, a pé. Ao passarem por outras pessoas, estas entendiam que era uma vergonha irem, os dois, a pé, quando tinham um burro. Então, o velho e o rapaz decidiram montar o burro. Entretanto, outras pessoas, mais à frente, acharam que era uma maldade irem duas pessoas em cima do pobre burro. Foi então que o velho e o rapaz decidiram e optaram por carregar o burro. Ao passarem por uma ponte, tropeçaram e o burro caiu ao rio e afogou-se. Este, parece-me ser o cenário metafórico, compatível com aquilo que entendemos, e interiorizamos, ser a função e essência do Estado na nossa sociedade. A forma do poder, na nossa terra, sobrepõe-se ao seu conteúdo. Assim sendo, passamos de um regime colonial para um paternalismo político, da primeira república, que odiava as liberdades individuais. Desta, saltamos, num ápice e acriticamente, para o caos da segunda república, convencidíssimos que os nossos problemas estariam sempre na forma e organização do Estado. Nunca, ninguém questionou com criticismo e aprofundamento exigente, o conteúdo e modus faciendi destes poderes do Estado. De ilusão em ilusão fomos fazendo um caminho de lateralização de responsabilidades tropeçando sistematicamente e, agora, corremos o risco de atirar o nosso “quase-Estado” para o rio. É isto que, ingenuamente, sugere o meu querido amigo. Não sei onde é que ele vê excesso de Estado, de ponto de vista conceptual e organizativo, se, a nossa maior maldição, nos últimos tempos, foi ter falhado, redondamente, na reconstrução do Estado. O que resta deste nosso “quase-Estado” é amordaçado, todos os dias, do ponto de vista da sua função, memória, organização, conteúdo e identidade. Só assim se compreende que: a maioria dos nossos partidos políticos concorra às eleições sem terem assegurado as condições adequadas e próprias para executar as acções inerentes à delegação do poder; o “banho” generalizou-se, de ponto de vista político-partidário, como factor essencial de legitimação eleitoral; mais de 60% da nossa população continua a viver em condições extremas de pobreza; os juízes recorrem, de forma generalizada, ao impedimento para não julgarem casos mais mediáticos de corrupção que envolvem figuras importantes do país; os golpes de Estado, e fenómenos afins de insubordinação, de quando em vez, espreitam oportunidades para fazerem ouvir a sua voz; uma ministra monta a sua banca, sobe ao púlpito e, numa confusão inusitada de papéis e funções, e gesto irreflectido de arruaça, chama todos os nomes ao líder da oposição que ousara criticar o seu governo; o Presidente da República, em funções, é eleito, em Congresso, para espanto do mais desatento cidadão nacional, presidente do partido que ajudou a formar.

Não admirem, pois, que o nosso “quase-Estado” vai ficando, cada vez mais, “quase-quase-Estado”. É bom salientar, contudo, que, para um país pequeno como o nosso com forte vocação para a personalização da vida política, os agentes das diversas instituições são a memória colectiva viva das instituições que representaram, revivida através dos seus estilos, mais ou menos marcantes e, que, a identidade das instituições é construída pela acção destes mesmos agentes, e, não decorre, somente, do seu estatuto e regimento jurídico. Não me admira nada, daqui por alguns anos, constatar a reprodução, por parte da nossa actual juventude, destes sinais, tiques e forma, do nosso actual “quase- Estado”. Ao contrário do meu amigo, acho que o país precisa de mais e melhor Estado.

 A.C

publicado por adelino às 17:31
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Terça-feira, 27 de Março de 2007

O Perdão da Dívida e o Perdão ao Povo

 

Sempre que transformamos os nossos momentos de reflexão profunda e recatamento, em festa e muito ruído estéril, negligenciando a análise e compreensão dos percalços do caminho anterior, é sinal de que o caos está a bater-nos a porta outra vez. Sempre foi assim e, provavelmente, será sempre assim, enquanto continuarmos, consciente ou inconscientemente, a recusar arrepiar caminho. Desta vez foi o “perdão”. Não é um perdão qualquer: é o perdão da quase totalidade da dívida externa do país que transformou a Assembleia Nacional em palco de festa e aplausos, arrancando os senhores deputados da cadeira, deixando-os envergonhadamente felizes. Neste clima de felicidade generalizada deu para ver de tudo: desde um ex-primeiro-ministro que, felicíssimo, dizia que valeu a pena o sacrifício, feito durante anos, sendo o seu governo o responsável pela façanha em causa; passando por um reputadíssimo deputado que não poupou adjectivos para atribuir o mérito da façanha ao actual governo, minimizando o trabalho e dito sacrifício dos anteriores governos. Achei tudo um despropósito ruidoso e festivo sem qualquer interesse. Onde o primeiro viu sacrifício, o segundo constatou magia. No entanto, ambos esqueceram-se que, em política, não há sacrifícios nem magias. Há acção e, consequentemente, decisão. A decisão política, de vários governos, de contrair dívidas ao exterior para vários investimentos, ao longo dos tempos, foi uma acção, aparentemente arquitectada, em função dos condicionalismos ou conjuntura política, económica e social reinante. O programa de Ajustamento Estrutural, negociado com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, não incluía medidas e reformas políticas, tendencialmente dirigidas para a restauração do equilíbrio macroeconómico e relançamento socioeconómico do país? Qual foi o seu resultado? Dívidas e aumento exponencial da pobreza. Não se diversificou a agricultura, não se reabilitou as plantações do cacau, o país não desenvolveu o turismo nem qualquer outra fonte de obtenção de receitas, o investimento privado foi nulo ou insignificante e o processo de distribuição de terras e privatização de empresas públicas representaram autênticos desastres. Ou seja, a análise da rentabilidade destes investimentos de milhões de dólares, que representam a tal dívida externa do país, hoje perdoada, e, que os nossos deputados transformaram num acto singelo de festa e ruído, não é mais nada do que o reconhecimento do falhanço de uma acção política, ou de uma decisão, de vários governos do país. Ora, sendo um acto ou decisão política falhada que condenou, de forma irreversível, nalguns casos, milhares de pessoas aos contornos da pobreza extrema, tenho dificuldades em compreender a atitude dos senhores deputados que viram no acto do perdão, da referida dívida, motivos de regozijo, consequência da implementação, no país, de decisões políticas erradas, ou falhadas, num passado recente. Ficou-se a saber, que, a partir de agora, sempre que os nossos governos tomam, a montante, decisões políticas que condenam milhares de pessoas ao sofrimento e pobreza, durante longos períodos de tempo, os nossos deputados batem palmas e fazem festa e muito ruído assim que as condições objectivas que determinam tais constrangimentos sejam atenuadas. Reparem que, nenhuma palavra foi dita, pelos referidos deputados, na festa em causa, que permitisse informar o povo sobre as condições objectivas que contribuíram para o falhanço de tais decisões políticas. Não se ouviu qualquer pedido de desculpa por parte de qualquer actor político – individual ou colectivo – por tais decisões políticas erradas que empurrou milhares de pessoas para a pobreza. Pior ainda: não se assistiu a qualquer reflexão, na Assembleia Nacional, sobre tais decisões ou acção política, com o objectivo de se minimizar, no futuro, as condições da sua repetição. Ou seja, nenhum constrangimento, político, institucional, organizacional ou metodológico, mudou, a montante, no decurso deste intervalo de tempo, criando condições que permitissem, hoje, a antevisão de sucesso, das mesmas decisões políticas que foram tomadas naquela altura. Começou-se por fazer o que se devia não fazer e, agora, vai-se justificar o que se vai fazer (mais empréstimo e dívidas como já prometeu a senhora ministra das finanças) com as consequências do que se fez antes (aumento exponencial da pobreza no país) sem criar as condições objectivas que garantam a não repetição destes erros políticos.

 Mudou, entretanto, alguma coisa, ao nível organizativo, programático ou metodológico, dos partidos políticos nacionais, que, permite pensar que os respectivos programas políticos têm mais qualidade para orientação das funções que os mesmos realizam, quando se apropriam dos instrumentos organizacionais do Estado, posteriormente à conquista deste direito através de eleições? Se mudou, ninguém deu por isso.

Mudou alguma coisa, ao nível do combate e luta contra a corrupção no país, que nos pode levar a pensar que não haja, a partir de agora, desvios de fundos decorrentes de novos empréstimos que o país vai eventualmente realizar? Muito pelo contrário! A senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça já veio dizer que não pode garantir o julgamento dos casos de corrupção, mais mediáticos no país, porque: inicialmente, não havia papéis e computadores nos Tribunais, depois, porque os diversos códigos legislativos eram do século XIX, e, mais recentemente, que os senhores juízes alegaram impedimento para não cumprirem as suas funções.

Mudou alguma coisa na função e dinâmica da nossa Assembleia, que permite pensar que, as funções legislativa e de fiscalização da mesma e níveis de discussão pública vão permitir reduzir a frequência de decisões políticas disparatadas que voltem a encher o país de dívidas? Qualquer cego vê que não, tendo em conta o espectáculo triste que assistimos, em directo, em que o essencial do debate se ficou por “Cabras”, “Palhaços” “Gabão”e outras coisas, em detrimento do substantivo. A última festa, relacionada com o perdão da dívida, veio desfazer todas as dúvidas.

Mudou alguma coisa de interessante e substancial na organização, programa e dinâmica governativa que nos pode levar a pensar que as soluções e decisões de hoje são diferentes das de ontem? Não! Só se nota algum rasgo importante nas obras públicas e infra-estrutura, bem como, na comunicação social. De resto, não há um desígnio, projecto ou qualquer ideia para o país. O aumento vergonhoso e despropositado do orçamento da Autoridade de Desenvolvimento Conjunta (JDA) de nove milhões para treze milhões de dólares e a facilidade com que se negociou, inicialmente, com a Nigéria, e, posteriormente, a Assembleia permitiu que se retirasse quinze milhões de dólares do fundo do petróleo, contrariando a Lei-Quadro da gestão das receitas petrolíferas, para pagar ao referido país, constituem exemplos inequívocos de que a segunda parte da festa já começou, simbolicamente inaugurada pelos deputados com palmas e muito ruído. Os nossos deputados anteciparam a festa do Domingo de Páscoa, fizeram muito ruído e bateram palmas por causa do perdão da dívida do país; mas, deviam, antes, ter reflectido, em silêncio, na Sexta-Feira Santa, sobre as decisões políticas e causas da referida dívida, aproveitando a ocasião para pedir perdão ao povo.

 A.C

 

publicado por adelino às 21:24
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Domingo, 25 de Março de 2007

A Princesa do Príncipe

 

Uma pequena flôr para uma grande Princesa. Iremos, com determinação, cumprir a tua/nossa esperança.

Memória da Ilha do Príncipe


Mãe, tu pegavas charroco
nas águas das ribeiras
a caminho da praia.
Teus cabelos eram lembas-lembas,
agora distantes e saudosas,
mas teu rosto escuro
desce sobre mim.

Teu rosto, liliácea
irrompendo entre o cacau,
perfumando com a sua sombra
o instante em que te descubro
no fundo das bocas graves.

Tua mão cor-de-laranja
oscila no céu de zinco
e fixa a saudade
com uns grandes olhos taciturnos.

(No sonho do Pico as mangas percorrem a órbita lenta
das orações dos ocás e todas as feiticeiras desertam
a caminho do mal, entre a doçura das palmas).

Na varanda de marapião
os veios da madeira guardam
a marca dos teus pés leves
e lentos e suaves e próximos.

E ambas nos lançamos
nas grandes flores de ébano
que crescem na água cálida
das vozes clarividentes.

 

Na beira do mar


Na beira do mar, nas águas
estão acesas a esperança
o movimento
a revolta
do homem social, do homem integral.
Inclino-me para além das próprias fronteiras
varrendo com decisão
os imensos quilómetros de distância
E todos os caminhos tomam
o caminho da ilha.
Nenhuma luz nos ofusca a visão
e dolorosamente nos encontramos
acertando o passo
acertando as ideias
procurando afirmar-nos no espaço vivo

A terra é nossa,
guarda a marca dos nossos pés
está empapada pelo nosso suor;
eis que avistamos a hora rubra do amanhecer
quando os papagaios se lançam no espaço
desfraldando uma bandeira ardente
e no céu cru da ilha a palavra justiça
ondula.

Maria Manuela Margarido

publicado por adelino às 17:01
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Sexta-feira, 9 de Março de 2007

Um Pacto para a Justiça

 

Fiquei arrepiado e com vontade de esconder do mundo, quando, na semana passada, lendo o jornal virtual “Tela Nón”, verifiquei a declaração atribuída à senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, confirmando, segundo o referido jornal, o impedimento da generalidade dos juízes nacionais em julgar os casos mais mediáticos, de corrupção, que envolvem algumas figuras destacadas do país. Disse a senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao referido jornal: «... sabe que aqui no nosso país existem laços de familiaridade muito próximos. Somos todos parentes, somos todos primos, e quando o juiz encontra alguma justificação na lei, claro que fazem transparecer essas preocupações, no entanto já resolvemos esses problemas...»

Não sou jurista e não tenho nada contra os senhores magistrados judiciais e/ou do ministério público, nem tão pouco contra a senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou qualquer outro agente judicial. Mas, tudo isto, começa a ganhar contornos kafkianos que nos transforma em tontos perante a comunidade internacional. Começo a ter muitas dúvidas, se, alguém nos leva a sério, ou, acredita naquilo que, fazemos diariamente, em prol do desenvolvimento do nosso país.

Se, de facto, existe nos vários instrumentos legislativos em vigor, de forma objectiva, as condições para impedimento dos juízes exercerem as suas funções nos processos, não consigo perceber por que razão este expediente jurídico é invocado de forma abstracta, sob juízos de conhecimento, extensivos à generalidade da classe. E, sendo assim, por que razão o critério não é mesmo quando a natureza do crime e condição social dos indiciados ou acusados é diversa? Qualquer cidadão é obrigado a concluir, a partir desta altura, que, para determinados crimes e condição social dos indiciados ou acusados, os nossos juízes, de forma generalizada, invocam, ou não, o expediente de impedimento para não cumprirem, ou cumprirem, as suas funções de realizar a audiência, julgar ou decidir um caso trazido aos tribunais nacionais. Além disso, se, de facto, existia um problema de impedimento generalizado dos juízes – momentaneamente resolvido segundo as palavras da senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – como é que se pode garantir e salvaguardar os direitos dos eventuais arguidos neste e noutros processos judiciais? Que eu saiba, segundo refere a nossa constituição, presume-se a inocência dos arguidos, até prova em contrário. Por outro lado, os tribunais, segundo a nossa constituição, são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. A democracia, como valor, é, basicamente, o reconhecimento da igualdade do indivíduo perante a lei quer enquanto seu co-autor, quer enquanto seu subordinado. Sendo assim, a invocação generalizada do expediente de impedimento pelos juízes, para realização de audiência, para julgar ou decidir determinadas categorias de crime, perpetrados por “cidadãos de primeira”, não será uma forma de afronta ao nosso embrionário sistema democrático? Como se pode tranquilizar o povo com práticas desta natureza por parte do nosso poder judicial?

Se existe matéria, no nosso país, momentaneamente, que deveria ser objecto de um pacto político inter-partidário vasto, com a colaboração da sociedade civil, para a sua resolução, ela é, sem dúvidas, a justiça. Parece-me uma tremenda contradição o discurso politico-partidário, propagandístico, em torno do combate à pobreza quando, pelo contrário, se faz pouco, ou nada, no combate contra a corrupção, no domínio preventivo, legislativo, pedagógico e organizacional. A Transparência Internacional, ainda recentemente, no seu relatório anual sobre a corrupção, dizia que a luta contra o referido flagelo devia estar no centro dos esforços para se atingirem os objectivos do milénio para a redução da pobreza global. O que é que, entretanto, temos feito, neste domínio, como contributo, para a minimização deste flagelo? A própria campanha eleitoral, para as legislativas, fora dominada, essencialmente, por acusações e contra-acusações sobre corrupção. Praticamente foi este o tema central da campanha. Se assim foi é porque o fenómeno em causa constitui um autêntico flagelo com implicações directas no desenvolvimento do país. Que medidas, entretanto, já tomou o actual governo, em consonância com as acusações e preocupações proferidas na referida campanha eleitoral, pelos seus altos responsáveis, com intuito de minimizar o problema em causa? Há, de facto, no país, fruto de constrangimentos diversos, uma mentalidade transversal e generalizada que facilita ou potencia os actos de corrupção como o favorecimento, o clientelismo, o suborno, o conflito de interesses, o enriquecimento ilícito, o banho, etc. Sendo um problema estrutural, integrando a raiz do nosso sistema económico e social, não pode nem deve ser combatido apenas no plano jurídico. A recente alteração do código penal – destacado pelo senhor primeiro-ministro em entrevista – não deveria ser o momento de debate, convergência e esforço inter-partidário vasto, com a colaboração da sociedade civil, para se fazer uma boa reforma neste domínio? Não seria desejável debater-se a possibilidade de criação de uma entidade específica, de fiscalização e coordenação da luta contra a corrupção, que funcionasse junto da Procuradoria-Geral da República e que também se preocupasse com questões de natureza preventiva e pedagógica relacionada com o fenómeno em causa? Antes que se faça tarde, façam alguma coisa!

 A.C

publicado por adelino às 22:20
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Domingo, 4 de Março de 2007

O Pão, a Fruta e a Fruta-Pão

 

Era uma vez um pão, como qualquer outro pão: algumas vezes torrado devido aos caprichos do forno; e, noutras, suave e claro como as nuvens. Mas, não deixava de ser pão, como qualquer outro pão de igual ou desigual latitude. Toda a gente tratava-o por pão. Queria ser simplesmente pão. Simplesmente, todos comiam este pão. Raramente falava-se noutra coisa que não fosse do pão. O senhor pão tornou-se, assim, numa espécie de símbolo de respeito, de reverência e de força geracional. Foi neste tempo que se banalizou o provérbio “sem trabalho não há pão”. Por isso, toda a gente trabalhava e queria ter o seu pão. Uns anos depois, uma espécie invasora, chamada fruta, decidiu afrontar os privilégios do senhor pão que passeava a sua classe nos quintais da generalidade das pessoas. Como qualquer espécie invasora a senhora fruta não pediu licença nem se atemorizou com o respeito, consideração e força que o pão granjeou junto do povo. Começou a comportar-se como uma praga. Havia frutas anãs, médias, desajeitadas, oportunistas, cínicas, egoístas, dissimuladas, famintas, gordas, magras, etc. Foi a partir desta altura que o povo começou a “comer o pão que o diabo amassou”. Não satisfeita com a façanha, a senhora fruta foi crescendo, crescendo, e, espalhando as suas raízes. Num ápice, transformou-se numa comunidade clímax, completamente estável no novo ecossistema. Passaram a chamá-la fruta-pão. A senhora fruta-pão deixou a roça, em direcção à cidade, e, instalou, comodamente, as suas raízes nos ícones mais importantes da praça. As suas impiedosas raízes partiram os passeios e toda a estrutura do GGA, e, as suas carícias abriram brechas nas paredes vulneráveis da EMAE, depois de ter feito outros estragos consideráveis no seu percurso de vitória declarada. Os ministérios, repartições públicas e, até, os poucos balneários públicos que existem na terra não foram poupados. Na semana passada viram-na no liceu nacional onde os estragos provocados parecem ter proporções gigantescas. Há quem vaticine que tudo isto é, ainda, uma brincadeira, tendo em conta os caprichos e ambições da senhora fruta-pão, que, já pôs em marcha os seus planos de internacionalização da marca. É a partir desta altura que se começou a generalizar, junto da plebe, o provérbio “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Pudera! Elas são todas iguais ou diferentes? A minha avó, Maria Preta, sempre invocou os traços de irmandade sanguínea que transformava estes seres no mais perfeito simbionte existente nas ilhas. Elas invadem-nos os quintais sem pedir licença; da mesma forma que, em competição desigual com outras espécies, no arvoredo lá da roça, não hesitam em roubar-lhes o Sol sufocando-as lentamente. São grandes em tudo: raízes, tronco, folhas e fruto. Por isso, dominam a floresta. São impiedosas e agressivas e não têm de pedir licença a ninguém. Penso que nunca pediram licença nem agradeceram a ninguém. Rejeitam amadurecer e, quando o fazem, deixam de ter utilidade. Permanecem verdes ou pontadas. São mais saborosas assim e, no entanto, não há dentes que as resistem. Entretidos, como estamos, na festa, interiorizamos a ideia de que a comemos. Será que a comemos mesmo? Para amplificar este convencimento privado, tratamos estes seres como monarcas que são: não podem apanhar pancada de espécie nenhuma, e, quando queimadas, têm direito a carícias que as deixam com a pele renovada e cobiçada. Há casos extremos de subserviência incompreensível, e, por isso, algumas destas criaturas são lingadas, simbolizando o seu poder gerador.

Não há cozinha que não entram; festa que rejeitam; ou, ainda, mesa que atrapalha a vaidade das mesmas. Esta arrogância e vaniloquência, constitui a imagem de marca destas criaturas. Na gravana emagrecem; mas, mesmo assim, passeiam a rebeldia verdejante nos corredores das feiras, como se nada estivesse a acontecer. Engordam sempre, lá mais para frente, quando a insensatez e autismo da chuva, enche-lhes o ego, num servilismo que engrossa e fortalece as suas raízes. Descobrimos, então, que são todas iguais. Nunca foram diferentes. Será que podemos viver sem elas?

O senhor primeiro-ministro, preocupadíssimo e comovido com a saga devastadora do bicho, declarou, recentemente, que da parte do seu governo tem feito tudo para controlar os estragos que o mesmo tem provocado, salientando, contudo, que, «… é necessário que haja boa vontade da parte dos próprios dirigentes (dos Tribunais) e magistrados para melhorar a imagem, que não é muito abonatória, da nossa justiça…» O povo ficou a saber, a partir desta altura, que a lei não chega a todo o lugar e, muito menos, aplica-se a todos da mesma maneira, porque o nosso “poder judicial”, ou parte dele, não quer que assim seja. A fruta-pão agradece! No entanto, já se verifica, no país, registos insólitos de realização da justiça pelas próprias mãos. Quando tal começar a generalizar-se, ou, em alternativa, os arguidos, acusados ou condenados comuns, começarem a exigir tratamento semelhante, ao da senhora fruta-pão para crimes desta e/ou de outra natureza, estarei atento para ouvir as declarações e preocupações do tal “poder judicial”.

 A.C

 

 

 

 

publicado por adelino às 20:16
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